Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcelo Vieira Prioste (PUC-SP)

Minicurrículo

    Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP, atualmente leciona na PUC-SP no PPG em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) e em cursos de graduação. Durante o doutorado desenvolveu pesquisa sobre o cinema documentário latino-americano com enfoque na produção do cineasta cubano Santiago Álvarez Román (1919-1998). No momento desenvolve pesquisa a respeito das implicações que as novas tecnologias de imagem promovem no interior da narrativa audiovisual contemporânea.

Ficha do Trabalho

Título

    Brasil, México e a representação de novos regimes de controle

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Resumo

    Uma reflexão sobre como recentes séries em plataforma streaming do Brasil e do México apresentam o uso das redes digitais como instrumentos de controle e coerção social. Em ambas, acompanhamos as rotinas de colégios sendo abaladas por uma rede de intrigas em que o uso de celulares em rede disciplinam comportamentos. Observa-se a instauração de um regime de controle horizontal, como um “panóptico digital” que, no século XXI, tem se difundido por entre a juventude de classe média latino-americana.

Resumo expandido

    Esta comunicação se propõe a refletir, tanto na construção imagética como no enredo, como duas recentes séries em plataforma streaming no Brasil e no México apresentam o uso das redes digitais como instrumentos de controle e coerção social. Em ambas, acompanhamos as rotinas de colégios de ensino médio sendo abaladas por uma rede de intrigas em que o uso de celulares em rede disciplinam comportamentos. Em Control Z (México, 2020), um hacker cria um perfil misterioso que, ao chantagear alunas e alunos, impõe uma ordem de caráter moral conservadora. Na série brasileira Boca a Boca (Brasil, 2020), o ambiente escolar também é abalado por um sistema similar. O diferencial aqui é uma misteriosa doença que passa a se dissemina por entre alunas e alunos através do beijo. Algo que, posteriormente, revela-se como um sintoma-alegoria daquele ambiente repressivo. Afinal, trata-se de uma distopia contemporânea mais explícita, onde a ação transcorre numa pequena cidade fictícia do interior do país, controlada por uma mentalidade conservadora, religiosidade neopentecostal e poder econômico proveniente da pecuária.
    Assim, seja no ambiente urbano mexicano ou nesta parábola do interior brasileiro, observa-se em ambas as produções a presença de um novo regime de controle, como um “panóptico digital” conforme desenvolvido pelo filósofo coreano Byung-Chul Han. Ao atualizar a ideia da “prisão ideal”, utilizada em 1975 por Michel Foucault na consagrada obra Vigiar e Punir, Han observa que a presença no cotidiano das redes sociais acionadas por celulares em rede possuem uma forma “aperspectivística”, ou seja, não havendo mais um centro vigilante em perspectiva, tornam-se assim muito mais eficientes. E, dessa maneira, “Se os presos do panóptico de Bentham têm ciência de estarem constantemente sendo observados por um vigia, ilusoriamente os habitantes do panóptico digital imaginam estar em total liberdade” (HAN, 2017, p. 108).
    Este contexto da segunda década do século XXI em que impera o panóptico digital diferiria portanto daquele anterior, pensado por Jeremy Bentham no século XVIII e revisitado por Foucault nos anos 1970, que mantinha os subjugados incomunicáveis, sem interação. Agora o que prevalece é o seu inverso, uma hipercomunicação que estimularia seus membros por meio de uma manipulação narcísica a colaborarem intensamente na sua construção, se oferecendo ao mesmo tempo em que sofrem as consequências por esta oferta.
    Tanto na produção mexicana como na brasileira há um controle ativo de corpos que vai além da perspectiva institucional das escolas. Seus personagens transitam por uma malha opressiva que mescla formas históricas a formas contemporâneas de controle. A estrutura da rede digital promove a naturalização da vigilância sob um aparente manto de liberdade. Horizontalizada e desterritorializada, é a rede que realimenta a opressão por meio de intrigas, detrações e intimidações. O medo é moeda de troca e o indivíduo é “[…] ao mesmo tempo o agressor e a vítima, e nisso é que reside a dialética da liberdade, que se apresenta como controle” (HAN, 2017, p. 109). Assim, curiosamente, o uso “livre” de sofisticados aparelhos de comunicação não tem nenhuma função libertária, nem tampouco transformadora, sendo apresentados como intimidatórios instrumentos de coação por entre a juventude de classe média latino-americana.

Bibliografia

    CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Trad.: Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz & Terra, 2013.
    FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Trad.: Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2013.
    HAN, Byung-Chul. Hiperculturalidade: Cultura e globalização. Trad.: Gabriel Salvi Philipson. Petrópolis/RJ: Vozes, 2019.
    ______. Sociedade da transparência. Trad.: Enio Paulo Giachini. Petropólis/RJ: Vozes, 2017.
    RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
    SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho – uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.