Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Hermano Arraes Callou (UFRJ)

Minicurrículo

    Hermano Callou é Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ e Professor Substituto na mesma instituição.

Ficha do Trabalho

Título

    A grade como problema cinematográfico

Seminário

    Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas

Resumo

    Este trabalho pretende defender que a grade (grid) se tornou um procedimento importante na tradição do cinema de vanguarda desde os anos 1960. A grade foi uma forma de ordenação paradigmática da arte moderna, que teve um papel decisivo na história da pintura do século XX, ao mesmo tempo que se mantém no horizonte da arte contemporânea. Esta proposta procura narrar o translado da grade das artes espaciais para uma arte temporal como o cinema, interrogando suas origens e consequências.

Resumo expandido

    Este trabalho pretende discutir a grade (grid) como um procedimento de ordenação das imagens na tradição do cinema de vanguarda. A grade possuiu um papel determinante na história da arte moderna, sobretudo a partir do cubismo. Ela se manifesta, nesse contexto, na forma de uma diagramatização da superfície do plano pictórico segundo uma disposição uniforme de linhas horizontais e perpendiculares predeterminada. O modo de distribuição em grade se tornaria ainda mais vísivel na obra de pintores abstratos como Piet Mondrian e Kazimir Malevich, quando ela se torna o emblema do espaço visual desvinculado da pretensão mimética, fundado em seu próprio ordenamento imanente. A função da grade, diria Rosalind Krauss, era, em certo sentido, “declarar a modernidade da arte moderna” (1979, p.50). A persistência da grade na arte contemporânea, nas obras de artistas tão diversos como Jasper Johns, Donald Judd, Sol Lewitt e Agnes Martin, sugere, contudo, que sua pertinência transcende as preocupações modernistas que presidiram sua origem.

    A grade tem se apresentado como um problema na história do cinema de vanguarda de maneira tão disseminada quanto silenciosa, conservando-se à margem dos grandes debates críticos que definiram o campo. Desde os anos 1960, a grade tem se apresentado como uma importante estratégia de ordenação no cinema, frequentemente em filmes realizados por artistas que também fizeram uso do dispositivo em outros meios, como Michael Snow, em trabalhos tridimensionais como Blind (1968) e Glare (1973), e Andy Warhol, em obras como Marylin Diptych (1962) e Green Coca-Cola Bottle (1962). No cinema, a lógica da grade se translada, contudo, do espaço para o tempo, se expressando em uma repartição da duração segundo um pulso uniforme e predeterminado, que se difunde por todo o tempo da projeção. Uma certa tradição da grade fílmica pode ser construída a partir de filmes como Kiss (1964), de Warhol; Sailboat (1964), de Joyce Wieland; Wavelength (1967) de Snow; Hand Catching a Lead (1968), de Richard Serra; Un voyage en mer du Nord (1968), de Marcel Broothaers; Serene Velocity (1970), de Ernie Gehr; (nostalgia) (1971), de Hollis Frampton; e Pictures and Sound Rushers (1973), de Morgan Fisher. A grade revela-se ainda uma presença insistente no cinema das últimas décadas, mesmo quando tudo pareceria sugerir que se tratava de uma fórmula facilmente esgotável, como podemos constatar em filmes como La Vallée Close (1995), de Jean-Claude Rousseau; Shrin (2008), de Abbas Kiarostami; Sugar Water, de Eric Baudelaire (2007); e em grande parte dos filmes de James Benning.

    Este trabalho pretende, em primeiro lugar, discutir a pertinência da noção de grade para a teoria do cinema, mostrando como uma certa maneira de ordenação pictórica serviu de modelo para a invenção de formas de criação cinematográfica. Em segundo lugar, pretende-se descrever o que acontece quando as características formais da grade são transportadas para a ordem do tempo: quais as consequências de uma configuração temporal em grade? Em terceiro lugar, pretende-se discutir as razões para a grade poder ter se tornado uma estratégia sedutora na tradição do cinema de vanguarda, a despeito de sua aparente esterilidade. A hipótese que pretendo defender é a de a grade permitiu um desvencilhamento do modelo composicional do cinema, abrindo uma trilha que resiste a ser compreendida a partir das noções de montagem, decupagem e totalidade orgânica, que dominaram historicamente a nossa compreensão de como um filme torna-se um todo.

Bibliografia

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    KRAUSS, Rosalind. LeWitt in Progress. October, Vol. 6, Autumn, 1978.
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    LUCAN, Jacques. Composition, Non-Composition: Architecture and Theory in the Nineteenth and Twentieth Centuries. New York: Routledge, 2012.
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