Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Isadora Meneses Rodrigues (UFPE)

Minicurrículo

    Roteirista e pesquisadora. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará. Graduada em Comunicação Social- Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará.

Ficha do Trabalho

Título

    A somatização da subjetividade no cinema clássico e contemporâneo

Resumo

    No cinema contemporâneo mainstream, as narrativas psicológicas têm adotado uma economia figurativa que faz do cérebro o órgão que engendra a mente e define a pessoalidade. Tendo em vista que esse modo de visibilidade do corpo aparece em meio a crescente somatização da subjetividade, este trabalho pretende investigar as condições de emergência desse cinema cerebral por meio de uma análise comparativa dos filmes La Glace à Trois Faces (1928, Jean Epstein) e Possessor (2020, Brandon Cronenberg).

Resumo expandido

    No atual regime de visibilidade do corpo, o cérebro aparece como órgão definidor do comportamento e é referido como lugar exclusivo de origem da mente. Tal cenário de redução do indivíduo à materialidade das redes neurais tem sido problematizado por pesquisadores de diversas áreas por meio de categorias como a de neurocentrismo (GABRIEL, 2018) e de sujeito cerebral (VIDAL E ORTEGA, 2019). De um modo geral, esses conceitos apontam que tal redução, longe de ser um dado científico comprovado, é uma ideologia forjada ao longo da modernidade, cujo regime de verdade se fortaleceu nos últimos 30 anos devido à proliferação das neuroimagens, produtos das técnicas de imageamento cerebral. Tais imagens deram a ver o cérebro em ação, nos fazendo crer que o pensamento finalmente teria saído do seu lugar intrínseco de invisibilidade, superando, como explica Ieda Tucherman (2010, p.39), “o último limite que Merleau Ponty tinha visualizado para a fenomenologia: jamais poderíamos ver nosso cérebro pensando”.

    Essa valorização social do cérebro aparece explicitamente nas artes, notadamente no cinema mainstream contemporâneo. Nos últimos anos, passamos a ver nos filmes, de modo cada vez mais recorrente, pessoas conectadas a algum tipo de dispositivo de mapeamento do sistema nervoso, o que nos dá a impressão de que temos acesso direto ao pensamento dos personagens. Nesses filmes, a subjetividade é abordada como algo que está armazenado no cérebro, que por sua vez é apartado hierarquicamente do restante do corpo e se torna justamente por isso um lugar a ser medido e controlado pelo sistema capitalista.

    Tendo em vista tal cenário, esta comunicação apresenta um recorte de pesquisa de doutoramento que tem por objetivo investigar as condições de emergência desse cinema cerebral por meio de uma análise comparativa das formas de figuração do pensamento no cinema ao longo de sua história. Essa discussão será feita aqui por meio do confronto entre o modelo clássico e contemporâneo, a partir do cotejo dos filmes La Glace à Trois Faces (1928), do diretor polonês Jean Epstein, e Possessor (2020), do canadense Brandon Cronenberg, obras que abordam a volatilidade da identidade a partir somatização da subjetividade, alocada no rosto e no cérebro respectivamente.

    No trabalho, partimos do pressuposto de que por mais que a neurociência moderna tenha intensificado a recorrência da aparição do cérebro no cinema recente, o interesse do audiovisual em construir imagens que compartilham a perspectiva dos nossos estados mentais é um fenômeno cinematográfico durante todo o século XX. O que acontece é que a figura que encarnou a subjetividade nem sempre foi o cérebro, mas outras partes do corpo humano e elementos formais da imagem em movimento. No período clássico, o lugar privilegiado de aparição do pensamento foi a face ampliada em close-up. Como já apontaram diversos teóricos do cinema, essa economia figurativa fez do rosto signo de uma identidade psicológica ao inseri-lo na temporalidade da intriga.

    Por meio do procedimento genealógico elaborado por Foucault (1998) — articulado aqui como método comparativo —, buscaremos mostrar que essas duas figuras que o cinema elege em diferentes períodos para fazer aparecer o pensamento contêm uma à outra. A nossa hipótese é que rosto e cérebro aparecem entrelaçados na história do cinema e que ambas as figuras apontam para uma subjetividade somática que caracteriza o modo visibilidade do corpo na atualidade.

Bibliografia

    COURTINE, JJ; HAROCHE, C. História do rosto: exprimir e calar emoções. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2016.

    ELSAESSER, T; HAGENER, M. O cinema como cérebro. In. Teoria do Cinema: uma Introdução através dos Sentidos. Campinas: Papirus, 2018.

    FERRAZ, M. C. F. Homo deletabilis: corpo, percepção, esquecimento do século XIX ao XXI. Rio de Janeiro: Garamond/FAPERJ, 2010.

    FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, a genealogia e a história”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

    GABRIEL, Markus. Não sou meu cérebro: filosofia do espírito para o século XXI. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.

    ORTEGA, F; VIDAL, F. Somos nosso cérebro? Neurociências, subjetividade e cultura. São Paulo: N-1, 2019.

    PISTERS, P. The Neuro-Image: a deleuzian film-philosophy of digital screen culture. California: Stanford University Press, 2012.

    TUCHERMAN, Ieda. Biopolítica, mídia e autoajuda: segredo ou sintoma? Revista Galáxia, São Paulo, n. 20, p. 32-43 dez. 2010.