Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Regiane Akemi Ishii (USP)

Minicurrículo

    Regiane Ishii é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP com a pesquisa “Conexão cinema-internet: a circulação online em filmes contemporâneos”, sob orientação da Profa. Dra. Cecília Mello. Mestre no PPG em Artes Visuais pela Unicamp com a dissertação “Tóquio no cinema contemporâneo – Aproximações” (2015). Atua como assessora de pesquisa e difusão na Fundação Bienal de São Paulo, onde ingressou em 2013.

Ficha do Trabalho

Título

    Live-streaming, saved footage e montagem em Present.perfect.

Seminário

    Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências

Resumo

    Partindo da investigação de como o cinema contemporâneo tem sido instigado pelos processos de produção e circulação próprios da internet e do fluxo audiovisual 24/7, propomos uma análise de Present.perfect. (2019), de Shengze Zhu. Nele, a diretora e montadora gravou por dez meses, com um software de captura de tela, cerca de 800 horas de live-streaming em plataformas chinesas. O intenso trabalho de montagem resultou em um filme de quatro capítulos sem títulos, protagonistas ou plot explícito.

Resumo expandido

    Partindo da investigação de como o cinema contemporâneo tem sido instigado pelos processos de produção e circulação próprios da internet e do fluxo audiovisual em um regime 24/7, propomos uma análise do longa-metragem Present.perfect. (2019), de Shengze Zhu, eleito melhor filme no Festival de Roterdã em 2019. Como uma “mosca na parede”, a diretora e montadora gravou por dez meses, com um software de captura de tela, cerca de 800 horas de live-streaming em plataformas chinesas.

    Sua rotina inicial era acompanhar, de oito a dez horas por dia, mais de cem âncoras. Um semestre depois, limitou seu interesse para cerca de vinte pessoas, dentre as quais fez a seleção de quem seria incorporado ao corte final. Nenhuma delas sabia que estava sendo gravada ou teve qualquer tipo de interação com Zhu ao longo das transmissões. Durante o live-streaming, ela exerceu, ao mesmo tempo, o papel de espectadora/imersão passiva (sem influenciar a relação âncora público) e de realizadora/controle ativo (com o REC acionado em sua captura de tela).

    O intenso trabalho de montagem e de tratamento audiovisual do que nasceu em showrooms de plataformas online resultou em filme para ser exibido nas salas de cinema. Apesar das transmissões não terem sido inicialmente produzidas para esse fim, podemos dizer que a atenção de quem as assistiu e lidou com o material é tributária do cinema, tendo em mente a todo tempo questões caras à montagem, como construção de personagens, divisão por capítulos e duração de sequências.

    O documentário mescla então a temporalidade do streaming (“em tempo real”) com a do cinema (“o que passou”). Situamos o trabalho de Shengze Zhu no que Rodowick definiu como “paradoxo da gravação barata” (2007, p. 141), com um mergulho numa infinidade de informações acessíveis online tornadas cinematograficamente significativas por meio da montagem.

    O filme é todo constituído de imagens pobres, termo cunhado por Hito Steyerl, em que a autora apresenta a ambivalência de imagens que perdem resolução para ganhar velocidade e difusão, transformando qualidade em acessibilidade. Uma imagem “comprimida, reproduzida, ripada, remixada, e também copiada e colada em outros canais de distribuição” (Steyerl, 2015, p. 185) e que agora integra (ou invade) o cinema.

    Para que o material fosse reunido e editado de tal modo, foi fundamental que a navegação nas plataformas não dependesse da lógica de catalogação via hashtags, hiperlinks ou palavras-chave. Guiada por interesses mais orgânicos e nuançados, a escolha pessoal das transmissões que seriam gravadas possibilitou uma montagem de quatro capítulos sem títulos, protagonistas ou plot explícito, com um encadeamento das participações dos personagens que enseja uma diversidade de reflexões e associações livres. Entre as situações que integram o filme, há um homem com os membros superiores e inferiores atrofiados recebendo dinheiro na calçada, uma mulher com deficiência física percorrendo as ruas usando uma cadeira de rodas elétrica e um jovem dançando em diversos espaços públicos.

    O vínculo com a internet é evidente: forma e conteúdo estão relacionados à navegação online, afetando toda a construção espaço-temporal fílmica. Ora o filmes parece responder e se aliar à web, ora criar embates e se insurgir contra a internet. Acreditamos que é essa relação, trabalhada por meio de uma elaborada montagem, que faz Present.perfect. potente para a reflexão audiovisual contemporânea.

Bibliografia

    Albuquerque, P. (2018). The webcam as an emerging cinematic media. Amsterdã: Amsterdam University Press.
    Crary, J. (2014). 24/7 Capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify.
    Elsaesser, T. (2018). Cinema como arqueologia das mídias. São Paulo: Edições Sesc São Paulo.
    Gaudreault, A. & Marion, P. (2016). O fim do cinema? Um mídia em crise na era digital. Campinas: Papirus.
    Rodowick, D.N. (2007). The virtual life of film. Cambridge: Harvard University Press.
    Sibilia, P. (2016). O show do Eu – A intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto.
    Røssaak, E. (2011). Between Stillness and Motion: Film, Photography and Algorithms. Amsterdã: Amsterdam University Press.
    Steyerl, H. (2017). Duty free art – Art in the age of planetary civil war. Verso: Londres.
    Steyerl, H. (2015). “Em defesa da imagem ruim”. In: Revista Serrote, n. 19. São Paulo: IMS.
    Steyerl, H. (2012). The wretched of the screen. Berlim: Sternberg Press.