Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Eduardo Paschoal de Sousa (ECA/USP)

Minicurrículo

    Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA/USP (bolsa Fapesp n. 2018/07128-6), com estágio doutoral na Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3 (França, 2019-2020). Membro dos grupos de pesquisa MidiAto (USP) e Rede Metacrítica. E-mail: eduardopaschoals@gmail.com.

Ficha do Trabalho

Título

    Joaquim e as dimensões do político no cinema brasileiro recente

Resumo

    Este estudo pretende refletir sobre o cinema brasileiro recente em sua dimensão política, por meio de sua temática e sua circulação. Para isso, analisa as repercussões do filme Joaquim (Marcelo Gomes, 2017) a partir das críticas à obra, dos conjuntos de interpretações publicizadas pelos espectadores e da análise de sua situação fílmica. Além disso, discute as iniciativas da própria produção para direcionar o longa-metragem a uma leitura política, por meio de um personagem histórico.

Resumo expandido

    No início de 2017, a página do filme Joaquim (Marcelo Gomes, 2017) no Facebook publicou um vídeo para divulgar o lançamento próximo do longa-metragem nas salas de cinema brasileiras, em 20 de abril daquele ano. Com o título “Corrupção: regra ou exceção?”, a gravação de menos de dois minutos mostrava o ator Julio Machado, protagonista da obra, na Avenida Paulista, em São Paulo, conversando com algumas pessoas. Ele pedia para que elas lessem um pequeno parágrafo: “Nessa terra só tem três tipos de gente: bandido, corrupto e vadio. Estão roubando a nossa riqueza. (…) De três em três anos, chega um novo governador e leva tudo da gente. Isso tem que acabar”. Indagava, na sequência, se algum deles faziam ideia de quem poderia ter dito tal frase. No vídeo, muitos disseram que eles mesmos poderiam ter falado aquelas palavras, diante do cenário político nacional.

    O filme de Marcelo Gomes busca reconstituir a trajetória do personagem histórico antes de se tornar Tiradentes, quando ainda era um oficial militar que prevenia o contrabando das riquezas da coroa portuguesa em Minas Gerais. Reconstrói, a partir de suas experiências com os oficiais do império, os trabalhadores escravizados no garimpo e os intelectuais da época, os caminhos que levaram Joaquim a se transformar em um ícone político e em um herói nacional.

    A iniciativa da produção de divulgar um vídeo que ligasse diretamente o contexto do Brasil colônia com aqueles dias de 2017, em que a corrupção passou a se tornar o tema central midiatizado das manifestações de rua, desde a eclosão dos movimentos de 2013, pode ser compreendida como uma maneira de ligar a narrativa história à contemporaneidade. Mais ainda, de levar o espectador ao centro dessa relação, entre aquele cenário do século 18 e a realidade do país, com a frustração da política representativa, a sensação de violência vinda do poder público, a impunidade e a corrupção nos meios do Estado.

    Esse contato com o tempo histórico, em um diálogo com o presente, parece ser um movimento da produção do filme em tentar promover uma interpretação da obra que também transcende sua narrativa, buscando nas origens históricas uma relação direta entre o passado reconstruído em tela e o presente, simbolizado na aderência de uma carta de séculos atrás.

    Dessa maneira, este estudo tem por método a reelaboração do histórico das interpretações da obra, proposta pela teórica Janet Staiger (1992) e retomada pelo sociólogo Jean-Pierre Esquenazi (2000; 2007), a fim de produzir uma análise que englobe tanto a materialidade do filme e suas recepções, quanto o contexto de produção e circulação dos objetos audiovisuais, na intenção de reconstituir uma situação fílmica. Do mesmo modo, utiliza o conceito de comunidade deliberativa, por meio da forma de análise proposta por Guillaume Soulez (2013), para mapear as interpretações possíveis da obra e sua ligação com o político e o social. Por fim, discute como Joaquim propõe uma reelaboração da narrativa histórica, ancorada no comum, em diálogo com a crítica proposta pela antropóloga Rita Laura Segato (2010).

    Considerar um filme como Joaquim não apenas na materialidade de sua narrativa, mas também em suas circulações e na maneira como dialoga com seu contexto político, social, econômico e cultural nos aproxima da ideia de que uma obra – e, mais especificamente, um objeto audiovisual – é um processo histórico, presente em um meio social específico e que pode tomar diferentes posições dependendo de sua circulação e de suas apropriações. Além disso, que é também um objeto midiático (mediado e midiatizado), que se constitui e é atravessado durante todo o processo de sua circulação.

Bibliografia

    ESQUENAZI, Jean-Pierre. Le film, un fait social. Réseaux, n. 99, 2000, p. 14-47.
    ESQUENAZI, Jean-Pierre P. Sociologie des oeuvres: de la production à l’interprétation. Paris (França): Armand Colin, 2007.
    JOAQUIM. Direção de Marcelo Gomes. Rec Produtores Associados, 2017. Audiovisual. 97 min.
    SEGATO, Rita Laura. Los cauces profundos de la raza latinoamericana: una relectura del mestizaje. Crítica y Emancipación: Revista latino-americana de ciência sociales. Ano II, n. 3, 1º semestre de 2010.
    SOULEZ, Guillaume. Les agrégats délibératifs: et s’il n’y avait pas de ‘communauté’ d’interprétation?. Théorème, Paris (França), v. 17, 2013, p. 119-129.
    STAIGER, Janet. Interpreting films: studies in the historical reception of American cinema. Princeton: Princeton University Press, 1992.