Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Brener Neves Silva (UFF)

Minicurrículo

    Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCINE/UFF). Graduado em Produção Audiovisual pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (UNESA).

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema indígena Kayapó e o corpo-câmera

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Resumo

    O cinema indígena Kayapó vem se consolidando nas últimas décadas com narrativas fílmicas que se caracterizam pela presença de corpos à frente e atrás da câmera em uma relação corpo-câmera. A presente pesquisa propõe reflexões sobre esta relação a partir do Coletivo Beture Cineastas Mebêngôkre, objetivando compreender suas implicações no espaço-tempo indígena. Para pensar estes aspectos, discute-se a prática de vídeo por meio das cosmologias dos povos Kayapó.

Resumo expandido

    Os povos indígenas brasileiros vêm apropriando-se das tecnologias de registros de imagens há mais de três décadas. Os Mebêngôkre-Kayapó, do Pará, foram um dos primeiros a utilizar a câmera desde 1985, especificamente a partir de 1990, quando Terence Turner iniciou o Kayapo Video Project (TURNER, 1993). Desde então, passaram a produzir diversos vídeos por meio de seus olhares, tornando-se sujeitos de suas próprias histórias. Isto resultou, em 2015, no surgimento do Coletivo Beture Cineastas Mebêngôkre, um movimento de jovens cineastas Kayapó com diferentes aldeias, que busca dar visibilidade à cultura e à luta política de seu povo.
    Suas narrativas fílmicas se destacam pelos registros sobre suas vidas, atividades cerimoniais e cotidianas, visando o fortalecimento de sua cultura. Para isso, utilizam de seus próprios corpos para esta prática a partir do “corpo-cinegrafista” e dos “corpos-filmados”, afetando a imagem em dois movimentos: pelo corpo que filma e pelo corpo filmado, ambos estabelecendo uma relação entre corpo e câmera. Sobre esta relação no cinema Kayapó, Dias e Demarchi (2013, p. 153) afirmam que “o ato de filmar supõe uma relação simbiótica entre homem e máquina, uma atividade corporal mais do que uma ação baseada em regras previamente internalizadas”, ou seja, existe uma relação corpórea interdependente: o corpo-câmera-cinegrafista que, simultaneamente, registra e enquadra o corpo-filmado à frente da câmera a partir de suas práticas sociais e culturais.
    Suas produções representam, portanto, diferentes contextos com diversos corpos simbólicos, que parecem corresponder ao cinegrafista e ao sujeito filmado, como corpos que produzem imagens que, por sua vez, produzem corpos. Isto torna-se perceptível nos filmes do Coletivo Beture, pois o modo como se apresentam diante do equipamento videográfico demarca o uso do corpo, juntamente com a câmera, para filmar outros corpos como forma de ocupar espaços imagéticos-sonoros, visando uma comunicação interétnica e intergeracional, mediação política e registro de saberes tradicionais.
    A câmera torna-se, então, uma espécie de extensão do corpo-cinegrafista, que concebe enquadramentos e composições em relação aos corpos filmados. Conforme MacDougall (2016, p. 143), “talvez isto fique mais evidente quando o cineasta está empunhando a câmera, porque, então, a câmera registra seus movimentos e, paralelamente, os movimentos dos sujeitos do filme”, ou seja, a imagem é afetada tanto pelo corpo por detrás da câmera quanto pelos que estão à sua frente. Seus filmes têm em comum o fato de que o corpo do cineasta, acoplado à câmera, não está de fora deste processo no espaço-tempo da prática audiovisual indígena. Segundo Brasil e Belisário (2016, p. 604), “trata-se de um corpo que, ao filmar, marca sua presença em cena, deixando-se, por sua vez, afetar por aquilo que filma”.
    Pensar as relações que se estabelecem entre corpo e câmera no cinema indígena nos faz refletir também sobre a importância que assumem suas crenças cosmológicas em corpos não humanos. Esses corpos, que podem ser invisíveis para o observador não indígena, fazem-se presentes dentro e fora de campo em seus filmes, adquirindo uma instância maior na relação corpo-câmera. Os espaços fora de campo produzem uma relação por meio da qual o visível é atravessado pelo invisível, sendo por ele afetado. É como se os corpos presentes, a partir da interação com a câmera, interagissem além do que é possível observar.
    Desta forma, a interação entre corpo e máquina passou a ser tema de considerável discussão no cinema indígena, especialmente nos últimos anos, trazendo reflexões acerca da conexão da câmera com os corpos que ela toca, inclusive o do cineasta. Portanto, o modo como se estabelecem essas relações corpóreas frente à apropriação de equipamentos audiovisuais, neste caso, dos povos Kayapó, torna-se um amplo campo de debates e reflexões audiovisuais, narrativas e estéticas, poéticas (quanto aos corpos) e técnicas (quanto à câmera).

Bibliografia

    TURNER, T. Imagens desafiantes: a apropriação Kayapó do vídeo. Revista de Antropologia, v. 36, p. 81-121, 1993. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/111390.
    DIAS, D. M.; DEMARCHI, A. A imagem cronicamente imperfeita: o corpo e a câmera entre os Mebêngôkre-Kayapó. Espaço Ameríndio, v. 7, n. 2, p. 147-171, 2013. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/article/view/37505.
    BRASIL, A.; BELISÁRIO, B. P. Desmanchar o cinema: variações do fora de campo em filmes indígenas. Revista Sociologia e Antropologia, v. 6, n. 3, p. 601-634, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2238-38752016000300601&script=sci_abstract&tlng=pt.
    MACDOUGALL, David. O corpo no cinema. In: BARBOSA, Andrea; CUNHA, Edgar; HIJIKI, Rose; NOVAES, Sylvia. (Org.). A experiência da imagem na etnografia. São Paulo: Terceiro Nome, 2016. p. 127-149.