Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Thalita Fernandes de Sales (UFPB)

Minicurrículo

    Graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal da Paraíba (2019) e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma instituição. É sócia da produtora Cabradabra Filmes, onde atua como diretora de arte e produtora, assim como também desenvolve projetos para cinema e televisão.

Ficha do Trabalho

Título

    A película como recurso narrativo em “Era Uma Vez Em… Hollywood”

Seminário

    Estética e plasticidade da direção de fotografia

Resumo

    O trabalho busca investigar a articulação dos diferentes tipos de bitola de película cinematográfica no filme “Era Uma Vez Em…Hollywood” (Tarantino, 2019), que se situa na Los Angeles de 1969. A captação da obra em 35mm, 16mm e Super-8 não é motivada apenas devido a uma concordância com o período histórico e com as condições produtivas da indústria do cinema nos anos 60, mas também como ferramenta de produção de efeitos distintos, de acordo com a especificidade de cada bitola escolhida.

Resumo expandido

    Chegando à marca de nove longas-metragens lançados, a obra de Quentin Tarantino pode ser facilmente identificada por seu estilo que costura o autoral com uma série de referências que passeiam dos clássicos do cinema até os “filmes B”, através da citação, da construção de personagens e da repetição de planos cinematográficos e trilha sonora consagrados em obras anteriores. Seu filme mais recente, “Era Uma Vez Em… Hollywood” (2019), motivado principalmente pelo seu mergulho no universo da produção cinematográfica como pano de fundo narrativo, é provavelmente a sua obra em que a história do cinema se presentifica de modo mais potente.

    Permeando o espaço da indústria do cinema e das disputas entre o fim da Era de Ouro e o início da Nova Hollywood, a obra de Tarantino passeia por estúdios, camarins, cidades cinematográficas e salas de cinema e, portanto, o “alusionismo” (CARROLL, 1982) à história do cinema e aos seus criadores, como diretores, produtores, técnicos, atores e atrizes habitam constantemente a narrativa, se apresentando através das figuras de personagens baseados em pessoas reais, de diálogos sobre os bastidores, por meio da reprodução de conteúdos audiovisuais produzidos ou inspirados nas décadas de 50 e 60 e também da sua própria materialidade, através de objetos de cena como rádios, gravadores de som, televisores, bitolas cinematográficas, cartazes de filmes e séries e revistas de programação televisiva.

    O longa de Tarantino também manifesta o que Niemeyer (2015, p.95) chama de “nostalgia analógica”. Para a autora, esse tipo de prática está ligada à manipulação de tecnologias obsoletas para a criação de algo que é novo, mas aparenta ser antigo. Podemos relacionar esse tipo de nostalgia no próprio formato de captação de “Era Uma Vez Em… Hollywood”, que foi filmado em película de 35mm, 16mm e Super-8, uma escolha cada vez mais rara diante do domínio da produção digital na última década.

    “Era Uma Vez Em… Hollywood” faz parte de uma rede de produções audiovisuais recentes, que não só utiliza da exploração do passado em suas narrativas, como também opta por captar essas reconstruções de eventos históricos através do modelo analógico, privilegiando a película em oposição à filmagem digital dominante no cinema mundial contemporâneo. Em pesquisa durante o mestrado, verificamos que entre 2013 e 2019 o uso do formato analógico de captação foi mais presente em obras que pertencem ao gênero histórico. Esse fenômeno sugere que a câmera analógica atua nessas produções não somente como um instrumento de filmagem, mas também como uma ferramenta que, por carregar o tempo passado na sua própria materialidade, contribui para a atmosfera histórica dos filmes deste gênero.

    Diante disso, esse estudo propõe analisar de que modo a articulação dos diferentes formatos e bitolas utilizados em “Era Uma Vez Em…Hollywood” atua no situar do filme num espaço-tempo específico, que é a Los Angeles do fim dos anos 60, ao mesmo tempo em que provoca efeitos distintos na narrativa. Para isso realizaremos uma análise fílmica de três trechos do filme: a exibição em preto e branco do comercial do seriado “Bounty Law”, um trecho dos bastidores de um filme de faroeste italiano fictício captado em Super-8 e, por último, a sequência que mostra Sharon Tate (Margot Robbie) e seus amigos Voytek Frykowski (Costa Ronin) e Abigail Folger (Samantha Robinson), na manhã que antecedeu ao atentado da Família Manson na residência de Tate e Polanski, filmada em película Ektachrome de 16mm.

    Para isso, partiremos do entendimento de que os dispositivos de captação não apenas participam do fazer cinematográfico, mas também da construção estética da obra, investigando o papel da câmera analógica e da película na performance comunicacional a partir das perspectivas do campo das materialidades da comunicação (GUMBRECHT, 2010; KITTLER, 2019) e da arqueologia das mídias (PARIKKA, 2012; ELSAESSER, 2018; ZIELINSKI, 1999).

Bibliografia

    CARROLL, N. The future of allusion: hollywood in the seventies (and beyond).
    October, v. 20, 1982, p. 51-81.
    ELSAESSER, T. O cinema como arqueologia das mídias. São Paulo: Sesc, 2018
    FLUSSER, V. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: É Realizações, 2018.
    GUMBRECHT, H. U. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: PUC- Rio, 2010.
    KITTLER, F. Gramofone, filme, typewriter. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2019.
    KNOWLES, K. Slow, methodical and mulled over: analogue film practice in the age of the digital. Cinema Journal, Texas, vol.55, n.2, 2016, p. 146-151, 2016.
    NIEMEYER, K. “A theoretical approach to vintage: From oenology to media”. NECSUS. European Journal of Media Studies, 4 (2), p. 85-102, 2015.
    PARIKKA, J. What is media archeology? Cambridge: Polity Press, 2012.
    ZIELINSKI, S. Audiovisions: cinema and television as entr’actes in history. Amsterdam: Amsterdam University Press, 1999.