Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Susana Dobal (UnB)

Minicurrículo

    Susana Dobal é professora associada na Universidade de Brasília. Formou-se em Letras e em Jornalismo (UnB), fez doutorado em História da Arte na CUNY-Graduate Center. É fotógrafa e participou de dezenas de exposições. Pesquisa sobre Narrativas e Experimentações Visuais, tema do grupo de pesquisa certificado no CNPq que lidera com outro professor. Publicou sobre cinema, fotografia e arte contemporânea.

Ficha do Trabalho

Título

    Três personagens trágicos da II Guerra Mundial tombam na paisagem

Seminário

    Cinema Comparado

Resumo

    Hiroshima Mon Amour, (Alain Resnais, 1959), Ascensão (Larisa Shepitko, 1977) e Uma vida oculta (Terrence Malick, 2019): esses três filmes ambientados na época da II Guerra Mundial têm em comum a condição trágica de seus personagens expressa na vontade de emancipação em confronto com o momento histórico do nazismo. Embora em países e épocas diferentes, outro elemento em comum vem compor o drama de três personagens: a paisagem cujas nuances, que vão além do mero cenário, imageticamente, falam.

Resumo expandido

    Se as ramificações da tragédia nos conduzem à reemergência dela em obras contemporâneas, também a possibilidade de fazer dialogarem entre si filmes distanciados por décadas pode trazer à tona questões relacionadas a recriações da tragédia, e ainda à condição humana na sua busca de sentido diante de um mesmo momento da História. Na continuidade e nas diferenças entre os três filmes que constituem os elementos da comparação a ser feita nesse artigo, emergem questões que dizem respeito a algo além da condição trágica dos personagens confrontados com o seu momento histórico, e remetem também a essa condição sob a forma de imagem. Nos filmes a serem colocados em diálogo, configura-se, portanto, embrenhado em narrativas ligadas à II Guerra Mundial, um tema inusitado: a presença da natureza como parte do cenário que irrompe na composição do destino trágico dos personagens. Embora a paisagem funcione de maneira diegética na contextualização da história a ser contada, a forma como ela é apresentada em cada um dos três filmes sugere uma presença com implicações mais profundas do que um simples cenário. Algo mais do que um mero acaso parece guiar a inusitada reincidência de dramas históricos filmados de forma a fazer com que a condição trágica dos personagens seja revelada, mas também a paisagem seja deliberadamente filmada para que ela assuma uma presença dramática reveladora da experiência do personagem. O confronto com o mundo característico da tragédia ecoa na relação dos personagens com a natureza em volta, trazendo à tona o que é próprio do cinema, um mostrar por imagens silenciosas e sorrateiramente tangenciais às ações, mas nem por isso menos pungentes.
    Os filmes a serem colocados em diálogo são Hiroshima Mon Amour, dirigido Alain Resnais (1959), Ascensão, de Larisa Shepitko (1977) e Uma vida oculta, de Terrence Malick (2019). Nos três filmes o personagem principal se encontra diante de um fato histórico que assume reverberações mais ou menos catastróficas conforme o destino de cada um deles. Como ocorre com o personagem trágico, um forte desejo de emancipação se confronta com uma impossibilidade que, no caso desses três filmes, é imposta por condições históricas relacionadas à ascensão do nazismo. Os três filmes guardam muito em comum, todos eles situam os personagens diante de uma impossível conivência com o Mal, embora dois deles tratem de questões éticas mais relacionadas a esse confronto histórico, e o terceiro, o filme do Alain Renais com roteiro da Marguerite Duras, único centrado em uma personagem feminina, trate também da emancipação amorosa e traga reverberações mais psicológicas. De maneiras diferentes, os três filmes problematizam ainda a questão do relato histórico seja ao tratarem da experiência do nazismo sob os olhos de um personagem, seja ao colocarem a impossibilidade mesma da ação e da representação do trauma. Enquanto ao redor se configura uma hostilidade insuportável, a utopia de libertação conduz cada um dos três personagens a um destino fatal ou traumático. A paisagem participará da composição de cada personagem e de uma tentativa de articulação da experiência também por meio da imagem compondo um drama lacônico e paralelo: o do acolhimento ou o do incomensurável sofrimento do personagem trágico. Como guias nesse percurso que alinhava os três filmes de forma a que um ilumine aspectos do outro, utilizaremos o conceito do trágico (SZONDI, 2004, ARISTÓTELES,1986), as implicações que ligam o cinema à memória e à História (FERRO,1992) e a noção de paisagem no cinema (LEFEBVRE, 2006; HARPER e RAYNER, 2010).

Bibliografia

    ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Souza. Lisboa, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1986.
    BIZELLO, M. L. . “Hiroshima mon Amour: Memória e Cinema”. Baleia na rede, 1(5). 2011.
    COSTLOW, J. “Icons, Landscape and the Boundaries of Good and Evil: Larisa Shepitko’s The Ascent (1977)”. In J. Kazecki, A. Ritzenhoff and C. J. Miller (eds.), Border Visions: Identity and Diaspora in Film. Lanham, MD, Scarecrow Press, 2013.
    FERRO, M. Cinema e História, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
    FOUCAULT, M. “Os fatos comparativos”. In: ____. A arqueologia do saber. 8ª ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2013.
    HARPER, G. e RAYNER, J. R. (eds.). Cinema and Landscape. Bristol, Chicago: Intellect Books, 2010.
    LEFEBVRE, M.. “Between setting and landscape in the cinema”. In _____ (ed.), Landscape and film. New York, Routledge, 2006.
    SNYDER, T.. Bloodlands. Europe between Hitler and Stalin. New York, Basic Books, 2010.
    SZONDI, P.. Ensaio sobre o trágico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.