Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    CAROLINA OLIVEIRA DO AMARAL (UFF/FAPERJ)

Minicurrículo

    Professora, pesquisadora e roteirista, formada em Cinema pela UFF, com doutorado, mestrado pelo PPGCOM-UFF. Suas pesquisas são voltadas para o campo dos gêneros narrativos audiovisuais – musicais, comédias românticas e melodramas – e estudos de roteiro. Atualmente, desenvolve no PPGCINE-UFF pesquisa de pós-doutorado financiada pela Faperj (PDR-10 2019).

Ficha do Trabalho

Título

    Tempo, narrativa e Boyhood

Seminário

    Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Resumo

    Pode-se dizer que Boyhood é um filme sobre o tempo, mesmo que as cenas frequentemente não “avancem a narrativa”, não apresentam obstáculos no caminho entre o protagonista e seus objetivos, nem propriamente personificam o conflito central. Investigamos o processo criativo da obra e como o roteiro, criado de maneira pouco convencional consegue encapsular o tempo em cenas e elipses, criando um efeito acumulativo que abandona formatos mais usuais de storytelling.

Resumo expandido

    Nas primeiras páginas de “Tempo e Narrativa”, Paul Ricouer (1994:15) apresenta a sua tese central de que ”o tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal”. Ricouer irá traçar a relação entre tempo e narrativa não apenas nas histórias ficcionais, mas também em relatos históricos e aproximar estes tipos de narrativas. O filme de ficção Boyhood (2014) retrata a infância de seu protagonista, Mason Jr., e seu crescimento, compreendendo um período de doze anos que abarca desde o primeiro ano do ensino fundamental até o momento em que Mason entra na universidade. Trata-se, sobretudo, de um filme sobre o tempo, a partir de uma maneira peculiar de filmar – produzido e realizado no curso de doze anos – com escolhas estéticas e narrativas que sobressaem essa questão.
    Neste artigo, vamos argumentar que o processo criativo do filme e sua narrativa (desenho de cenas, tramas e personagens) são os principais motivos para a sensação de que o tempo é, na verdade, o assunto principal. Acompanhamos a longa duração da produção na qual, conforme expressado por Stone (2015:71) “ninguém finge envelhecer” e a passagem do tempo é percebida como um constante agora. Por outro lado, as cenas também se centram numa ideia de presente radical.
    Na escrita do roteiro, existe a regra de se escrever sempre no tempo presente, o que se vê e o que se ouve, ainda que a história retrate um épico histórico ou uma fração de segundos. No entanto, é comum que a sucessão narrativa construa um controle temporal (Lavandier, 2003), a partir de antecipação, suspense e mistério que projetam a história para um futuro ou passado. Ou o desenho de trama está orientado para o final, com objetivos lançados no início da história que são alcançados por uma série de peripécias e infortúnios. Em Boyhood não se opta por esse caminho.
    Segundo atores Ethan Hawke e Patricia Arquette (2014), o roteiro de Boyhood nunca foi uma estrutura fechada, contendo toda trama, com cenas e diálogos. Na verdade, tal documento nunca existiu como um documento de produção . Ano a ano, filmavam-se cenas que eram escritas por Linklater, com a colaboração criativa dos atores, ainda que houvesse uma linha narrativa planejada pelo diretor/roteirista (Buchanan, 2014).
    Linklater (2014) afirmou que para escrever um filme sobre a infância evitou escolher um momento particular que poderíamos alçar à categoria de evento como vemos com frequência em romances de formação. O efeito buscado era trazer a própria experiência de crescer, envelhecer e amadurecer, noutras palavras, a própria noção de tempo. Nunca vemos quando os pais se separaram, o primeiro baile da escola, ou qualquer desses marcos que estamos acostumados, mas momentos frágeis e fugidios, perfeitamente “esquecíveis”. As cenas trazem ações que frequentemente não “avançam a narrativa”, não apresentam obstáculos no caminho entre o protagonista e seus objetivos, nem propriamente personificam o conflito central da história. Acompanhamos falsas pistas e recompensas inesperadas. As elipses também cumprem um papel fundamental, ao serem, por definição, a passagem do tempo não mostrada pela história, mas sem lançarem cliffhangers e demais técnicas narrativas que inspiram a curiosidade sobre esse tempo não acessado.
    No artigo, analisamos a narrativa de Boyhood, a partir de trama, cenas e personagens. O uso da trilha sonora e da cultura pop como referências temporais também ajudam a formar a estrutura narrativa e de sentimento do filme. Investigamos o processo criativo da obra e como o roteiro, criado de maneira pouco convencional consegue encapsular o tempo em suas cenas e elipses, criando um efeito acumulativo que abandona formatos mais usuais de storytelling, e aponta para outras maneiras de construção da catarse.

Bibliografia

    DP/30: Boyhood, Ethan Hawke, Patricia Arquette. (2014, Jul 2) 1 Video (31:36 min). Por: DP/30. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=F4N0ZvcsKZQ. Acesso: 26/04/2021
    BUCHANAN, K. Sundance: Boyhood and Richard Linklater’s 4,207-Day Shoot. In: Vulture, Jan, 20, 2014. Disponível: https://www.vulture.com/2014/01/sundance-boyhood-richard-linklater-12-years.html. Acesso: 26/04/2021
    LINKLATER, R. (2014). Boyhood. Screenplay. Courtesy of IFC Films. Disponível em: https://images.amcnetworks.com/ifcfilmsawards.com/wp-content/uploads/2014/11/Boyhood screenplay-11-14-FINAL.pdf
    Richard Linklater on Boyhood – Film4 Interview Special. (2014,Jul 4). 1 video (9:37). Por: Film4. Disponível: Youtube.https://www.youtube.com/watch?v=h-selLiYt94&feature=emb_imp_woyt. Acesso: 26/04/2021
    Ricouer, P. Tempo e Narrativa. Campinas: Papirus, 1994
    Stone, Rob. About Time: Before Boyhood. In: Film Quarterly, Vol. 68, Number 3, pp. 67–72: University of California, 2015.