Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    André Lima Monfrini (ECA USP)

Minicurrículo

    André Monfrini é graduado em audiovisual pela ECA USP e mestrando em meios e processos audiovisuais pela mesma instituição. É também graduando em História pela FFLCH USP. Sua pesquisa de mestrado se dedica a analisar a fase brasiliense do cinema de Vladimir Carvalho. Monfrini é também diretor e documentarista. Dirigiu a série documental Habitação Social – Projetos de um Brasil.

Ficha do Trabalho

Título

    A construção de Brasília no cinema de Vladimir Carvalho

Resumo

    Este trabalho investiga como o documentário Conterrâneos Velhos de Guerra (Vladimir Carvalho, 1991) representa e se posiciona diante da história de Brasília ao escolher trabalhar o contexto de construção da cidade durante o governo Juscelino Kubitscheck. Proponho que a postura estética de Carvalho retrabalha, em chave crítica, a memória social sobre a Nova Capital, deslocando para o centro da narrativa histórica a experiência dos candangos pioneiros.

Resumo expandido

    Esta apresentação trata do documentário de longa-metragem Conterrâneos Velhos de Guerra (Vladimir Carvalho, 1991). Em 1969 o documentarista paraibano Vladimir Carvalho se muda para a cidade, envolvido na criação do curso de cinema da UnB. Entre 1969 e 1986, Carvalho filma ‘Brasília’: sua vida política, social e cultural. O cineasta entrevista figuras públicas e candangos pioneiros. Filma o fluxo migratório, a vida nos assentamentos e ocupações, os eventos políticos e a vida cultural. Os registros se seguem por mais de vinte anos, vigente sempre o regime militar.
    Conterrâneos é portanto um projeto de longa-duração, pesquisa continuada que se debruça sobre a cidade-tema Brasília. A própria natureza das imagens e seu contexto de produção fazem do filme um projeto inclinado ao balanço histórico. Levado a cabo o empreendimento político de Juscelino Kubitscheck, erguida a cidade-monumento do Brasil moderno, é preciso colocar em operação um balanço crítico da marcha do tempo tal como ele se desenrolou. Carvalho precisa justamente organizar e dar significado aos vinte anos passados desde que as filmagens se iniciaram. É nessa perspectiva que situamos a leitura do filme e da obra de Vladimir Carvalho, espécie de avaliação da experiência moderna brasileira, ensejada por um de seus maiores símbolos observado ao longo do tempo passado.
    Ao mesmo tempo, o filme é montado e lançado durante os anos iniciais da Nova República, momento em que o regime militar se encerra e começa a ser elaborado do ponto de vista de uma memória social. Dessa forma, o desejo do cineasta em produzir um balanço crítico que tematize a experiência de construção da Nova Capital é inevitavelmente atravessado por um olhar retrospectivo sobre a ditadura. Nos anos finais do regime militar, Brasília revela a olhos vistos o que Joaquim Pedro de Andrade chamara, ainda em 1967, de “contradições de uma cidade nova”.
    Há uma sobreposição de crises no Brasil dos anos 1980, quando Carvalho realiza as entrevistas principais que dão corpo à estrutura do filme. A agenda econômica do governo militar passa a girar em falso; a modernização conservadora do milagre dá lugar a recessão e dificuldades de sobrevivência. No plano cultural, o projeto modernista perde força como elemento propulsor da vida brasileira. Do ponto de vista de uma história da arquitetura e urbanismo, o desgaste do projeto moderno se torna claro à medida que fica evidente que a Nova Capital, no fim das contas, reincindira nos mesmos problemas estruturais que marcam a vida urbana brasileira. Na perspectiva do historiador Marcos Napolitano: “As utopias de livre circulação social, de trabalho livre e valorizado, de moradia em espaços funcionais, democráticos e, ao mesmo tempo, belos e agradáveis, se chocaram com os arcaísmos das nossas relações sociais.” (NAPOLITANO, 2018). No filme, Roberto Pompeu de Souza, em entrevista captada em 1986, vocaliza: “Brasília é uma cidade exatamente igual às outras cidades brasileiras, com exatamente os mesmos problemas. A ilha da fantasia acabou.”
    Do ponto de vista da história do cinema brasileiro, Ismail Xavier aponta que, por volta de 1985, o cinema moderno, tal como ele se configurara desde o início dos sessenta: “havia perdido densidade, em meio a impasses na política de produção do dito ‘filme cultural'” (XAVIER, 2001: 35). Paralelamente, também perde vigor o projeto moderno no campo da arquitetura e do urbanismo. Alguns impulsos ideológicos que animavam a relação entre arte e sociedade nos anos sessenta e setenta precisarão ser revistos, e a análise fílmica e histórica de Conterrâneos será aqui empreendida a partir desse enquadramento. Nosso interesse pelo filme reside no fato de que sua análise permite investigar este fim de ciclo nas duas frentes: Vladimir, participante ativo da formação da tradição moderna no cinema, acaba por realizar um balanço crítico da moderna arquitetura brasileira ao filmar Brasília, seu maior experimento.

Bibliografia

    ARANTES, Otília B. Fiori. Urbanismo em fim de linha e outros estudos sobre o colapso da modernização arquitetônica. São Paulo: Edusp, 2015.

    BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

    CAPELATO, Maria Helena et al. (orgs.). História e cinema: dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007.

    HOLSTON, James Holston, A cidade modernista – uma crítica de Brasília e sua utopia. 2013. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

    NAPOLITANO, Marcos. Coração Civil – A vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985) Ensaio Histórico. São Paulo: Ed. Intermeios, 2017.

    RAMOS, Fernão Pessoa (org). Teoria contemporânea do cinema. Documentário e narratividade ficcional. Vol. 2 São Paulo: Editora Sena, 2009.

    RAMOS, Fernão Pessoa e SCHVARZMAN, Sheila (orgs.) Nova história do cinema brasileiro vol. 2. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018.

    XAVIER, Ismail. Cinema Brasileiro Moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001.