Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro Oliveira G. de Arruda (Unesp)

Minicurrículo

    Graduado em Imagem e Som pela UFSCar. Mestrando do PPGCOM da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, da UNESP, onde pesquisa sobre filmes brasileiros com vários protagonistas e é orientado pelo Prof. Dr. Arlindo Rebechi Junior. Bolsista CAPES.

Ficha do Trabalho

Título

    Retratos e esquemas em filmes brasileiros com vários protagonistas

Resumo

    Este trabalho investiga a recorrência de sequências de “retratos” em quatro filmes brasileiros: A Vizinhança do Tigre (2016); Amarelo Manga (2002); Era o Hotel Cambridge (2016); No Coração do Mundo (2019). Propomos examiná-las como uma espécie de esquema, considerando as funções, os efeitos e significados delas no contexto de cada filme. Nosso objetivo é entender como esse esquema está relacionado com o desafio enfrentado por esses filmes: entretecer uma narrativa com vários protagonistas.

Resumo expandido

    Mais ou menos na metade de A Vizinhança do Tigre (Affonso Uchoa, 2016), vemos uma série de sete planos mostrando moradores do bairro Nacional, em Contagem. Os planos são perpendiculares e enquadram os moradores frontalmente; vemos eles praticamente imóveis, olhando diretamente para a câmera—como se aguardassem que os seus retratos fossem tirados. De fato, nos créditos, os nomes dos moradores aparecem sob o título de “retratos”. Uma música não diegética acompanha esse segmento do filme.
    Observamos sequências semelhantes em pelo menos outros três filmes nacionais. Perto do final de Amarelo Manga (Cláudio Assis, 2002), vemos uma sucessão de planos de moradores e trabalhadores do centro de Recife. Na abertura de No Coração do Mundo (Gabriel Martins e Maurílio Martins, 2019), planos de moradores do bairro Jardim Laguna, em Contagem, são alternados com tomadas de dançarinos e de situações cotidianas da comunidade. Novamente, as composições perpendiculares e a ausência de movimentos nos planos sugerem um tipo de retrato; essas duas sequências também são acompanhadas por músicas não diegéticas. Era o Hotel Cambridge (Eliane Caffé, 2016) apresenta uma variação interessante desse padrão: um dos protagonistas do filme clica num álbum do Facebook onde vemos uma série de retratos dos moradores da ocupação.
    Neste trabalho, propomos examinar esse padrão como uma espécie de esquema. Primeiro, apresentaremos uma breve discussão sobre os esquemas nas artes visuais. Depois, discutiremos a aplicação desse conceito no cinema. Com base nisso, veremos como o conceito de esquema pode iluminar as sequências e os filmes citados acima.
    Esquemas, ou schemata, “são os pontos de partida do vocabulário do artista” (GOMBRICH, 1995, p. 195). O artista adquire um vocabulário de esquemas para problemas de representação; essas soluções podem ser moldadas e modificadas para um novo propósito, o que gera um novo conjunto de problemas, o que, por sua vez, gera um novo conjunto de soluções—e assim por diante. Ernst H. Gombrich (1995) sugeriu que essa dinâmica de “esquema e correção” é uma das fontes de mudança nas artes visuais. Os esquemas podem ser reproduzidos, mas também podem ser revisados e combinados pelo artista, fornecendo pontos de partida para transformações estilísticas.
    Similarmente, propôs David Bordwell (2013), os cineastas também trabalham com esquemas de forma criativa. O sistema de continuidade, por exemplo, fornece um conjunto de esquemas que podem ser reproduzidos, revisados, sintetizados ou rejeitados. Além dos esquemas estilísticos, os cineastas trabalham com esquemas narrativos (BORDWELL, 2017). Entretecer várias linhas de ação, embaralhar a apresentação da história, construir um enredo em blocos—esses e outros procedimentos narrativos fornecem pontos de partida aos cineastas, que podem ser assimilados ou renovados.
    Os esquemas são um objeto de estudo importante para a “poético do cinema” (BORDWELL, 2007), que procura compreender os princípios e técnicas do fazer cinematográfico. Para os pesquisadores interessados nessa perspectiva, os esquemas são ocasiões privilegiadas para entender a dinâmica de continuidade e mudança no cinema, pois põem em evidência processos de problema e solução (BORDWELL, 2013).
    O esquema que propomos examinar neste trabalho envolve as sequências de “retratos” dos filmes A Vizinhança do Tigre, Amarelo Manga, Era o Hotel Cambridge e No Coração do Mundo. Embora guardem muitas diferenças entre si, esses filmes enfrentam um problema comum: entretecer uma narrativa com múltiplos protagonistas. Diante desse problema, quais soluções os “retratos” oferecem? Quais são suas funções e como eles funcionam na—e reforçam aspectos da—forma de cada filme? Examinaremos, portanto, como e por que cineastas diferentes chegaram em soluções similares, afim de buscar traços de continuidade e mudança no cinema brasileiro contemporâneo.

Bibliografia

    BORDWELL, David. Poetics of Cinema. New York: Routledge, 2007.
    BORDWELL, David. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas: Editora da Unicamp, 2013. Tradução de: Luís Carlos Borges.
    BORDWELL, David. Reiventing Hollywood: How 1940s filmmakers changed movie storytelling. Chicago: The University Of Chicago Press, 2017.
    GOMBRICH, Ernst H. Arte e Ilusão: Um estudo da psicologia da representação pictórica. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. Tradução de: Raul de Sá Barbosa.