Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Cristiane da Silveira Lima (UFSB)

Minicurrículo

    Professora Adjunta da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e doutora em Comunicação Social (UFMG). Coordenadora do programa de extensão Imagina! Circuito Permanente de Audiovisual (CFAC/UFSB) e membro do grupo de pesquisa Poéticas Ameríndias (UFSB/CNPq).

Ficha do Trabalho

Título

    Cantar para curar a terra

Resumo

    Propomos algumas reflexões a partir do documentário Urihi Haromatimapë (2014), que reúne imagens e sons de dois grandes rituais de cura da terra, realizado ao longo de 2011 e 2012, reunindo xamãs de diversas aldeias yanomami, em Roraima, a convite de Davi Kopenawa. A análise do filme, cotejada com fragmentos do livro A queda do Céu (2015), buscará demonstrar a inegável sabedoria dos povos originários no enfrentamento de doenças e males trazidos pelos não-indígenas para os povos da floresta.

Resumo expandido

    Filmado na aldeia Watoriki e editado durante oficinas de formação audiovisual realizadas em parceria pelo Observatório de Educação Escolar Indígena da Faculdade de Educação da UFMG, a Hutukara Associação Yanomami e o Instituto Socioambiental (ISA), em Urihi Haromatimapë – Curadores da terra-floresta (Morzaniel Yanomami, 2014, 60min), acompanhamos um ritual de cura da terra conduzido por Davi Kopenawa, em Roraima, que reuniu em 2011-2012 xamãs yanomami de diversas regiões. Diante do fato de que a Terra está doente, com a ajuda dos espíritos e do rapé yakoana – em meio à dança e aos cantos -, os homens se transformam em xapiri (espíritos), como forma de tratar as doenças trazidas pelos brancos e os males provocados pelas cidades.

    O filme foi exibido na 18a. edição do Forumdoc.bh, sendo indicado pelo júri como melhor filme do festival, e também na VI Semana dos Realizadores, no ano de 2014, além de outras exibições, como no Aldeia SP – Bienal de Cinema Indígena (2016), no Instituto Moreira Salles. Atualmente, integra a Galeria Cláudia Andujar, no Inhotim – Museu de Arte Contemporânea (Brumadinho – MG) e, em 2020, compõe a exposição de Cláudia Andujar intitulada The Yanomami Struggle, realizada na Fondaction Cartier pour l’art contemporain, em Paris (França) e também na Triennale de Milano (Itália). Está disponível atualmente no youtube para visionamento on-line. Trata-se portanto de um filme que circula em contextos não-indígenas, inclusive fora do país.

    O documentário é econômico do ponto de vista formal, organizado basicamente em dois blocos: um menor, que corresponde aos 10 minutos iniciais do filme, com uma apresentação da chegada dos xamãs e de contextualização acerca do yakoana; e um segundo, mais extenso, no qual assistimos a numerosas performances rituais dos xamãs, em sequência, totalizando 50 minutos. Além disso, ocorrem quatro inserções em locução em off pontualmente, ora em língua nativa (na voz do realizador Morzaniel Yanomami), ora em português (na voz de Davi Kopenawa). Esses momentos são traduzidos para os/as espectadores/as não-indígenas, a quem Kopenawa por vezes se dirige diretamente.

    O povo yanomami é um grupo étnico que habita o norte da Amazônia, dos dois lados da fronteira entre Brasil e Venezuela (na região entre rios Orinoco – Amazonas, afluentes da margem direita do rio Branco e esquerda do rio Negro) e que vem sofrendo fortemente com o garimpo ilegal em seu território. De acordo com o site do Instituto Socioambiental, o contato dos yanomami com não-indígenas é relativamente recente (a partir dos anos 1910) e desde então o processo de contato tem sido doloroso, violento e pontuado por surtos epidêmicos de grande magnitude.

    Ao longo das décadas de 70 e 80, epidemias de sarampo, gripe e coqueluche tiraram a vida de milhares de indígenas, deixando marcas profundas na memória dos yanomami. Em A queda do céu, Kopenawa descreve como as doenças xawara, “gulosas de carne humana” (2015, p.176) marcaram sua juventude, mas contra as quais os xamãs de seu povo não possuem ainda uma solução, já que os xapiri só curam os males da floresta, cujos remédios lhes são conhecidos. Daí talvez a necessidade de uma “força-tarefa” reunindo tantos xamãs no esforço coletivo de curar a terra-floresta.

    Considerando o momento atual de pandemia e a constatação de que o avanço das doenças ameaçam a todos os povos do planeta, buscaremos cotejar a análise do filme com fragmentos do livro A queda do Céu, num esforço de nos aproximarmos destes saberes ancestrais sobre o enfrentamento de males sistematicamente produzidos e disseminados por não-indígenas, sobre como curar a terra-floresta. “Um dia, porém, daqui a muito tempo, talvez [o céu] acabe mesmo despencando em cima de nós. Mas enquanto houver xamãs vivos para segurá-lo, isso não vai acontecer. Ele vai só balançar e estalar muito, mas não vai quebrar. É o meu pensamento” (KOPENAWA e ALBERT, 2015, p.194).

Bibliografia

    BRASIL, André. Ver por meio do invisível: O cinema como tradução xamânica. Novos Estudos CEBRAP, São paulo, 35, n.3, Novembro de 2016, pp.125-146. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/nec/v35n3/1980-5403-nec-35-03-125.pdf. Último acesso: 30/03/2020.

    KOPENAWA, Davi & Bruce ALBERT. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

    MACEDO, Pedro Portella. “Essa máquina não caiu do céu”: o nascimento do cinema dos povos originários e notas etnográficas sobre dez anos de formações cinematográficas para indígenas. Dissertação de Mestrado – Belo Horizonte: PPGAN/UFMG, 2014.

    POVOS INDÍGENAS NO BRASIL (site). Instituto Socioambiental. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Yanomami. Último acesso: 10/09/2020.