Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Neli Costa Neves (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutora em Multimeios- UNICAMP (2021), mestre em Ciência da Arte -UFF, bacharel em Comunicação Social (cinema, jornalismo) pela UFF. Curta-metragista, editora cinematográfica, continuísta, com vários trabalhos no cinema e na televisão.

Ficha do Trabalho

Título

    Questões de classe, racismo e religiosidade no filme Jubiabá

Resumo

    A partir da trajetória do personagem Antônio Balduíno, do filme Jubiabá (1986), de Nelson Pereira dos Santos, numa história passada nos anos 1930, na Bahia, essa comunicação procura pensar a persistência do racismo na sociedade brasileira, o papel simbólico desempenhado pela religiosidade afro-brasileira como ponto de apoio e de afirmação identitária para seus afiliados, e o impacto que o início da industrialização do país causa na vida dos afrodescendentes.

Resumo expandido

    Racismo e humilhação são marcas que se estabelecem na trajetória do personagem afro-baiano Antônio Balduíno, do filme “Jubiabá” (1986), baseado no romance homônimo de Jorge Amado, e dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Numa história passada nos anos 1930, em Salvador, na Bahia, período em que é iniciado o processo de industrialização e urbanização no Brasil, e quando a ideia de democracia racial é introduzida no imaginário nacional, isto é, a da população brasileira ser composta pela mistura harmoniosa das três “raças” fundantes – o branco europeu, o indígena e o afrodescendente – as imagens da infância do protagonista, e mais tarde, as de sua adolescência e juventude, mostram sua relação visceral com a cultura e a religiosidade afro-brasileira, simbolizadas pelo pai Jubiabá e os terreiros de Candomblé e, além disso, apresentam sua vivência de embates em consequência de ser constantemente desqualificado em termos raciais e por sua penúria financeira.
    A narrativa usa de recursos do realismo e do melodrama para enfocar as diferentes fases do percurso do personagem. Ainda criança, Balduíno é levado para habitar na residência de uma família branca abastada; ali ele desenvolve uma paixão platônica pela filha do chefe da casa, ao mesmo tempo que é confrontado no espaço, com “gestos cotidianos” que intentam “solidificar hierarquias” (SCHWARCZ, 2019, p. 45), o que envolve sua inferiorização e humilhação. A governanta do lugar dirige-se a ele nos seguintes termos: “Seu negrinho!”, “negro sujo!”, “negro é raça ruim. Só serve pra ser escravo”. Em determinado momento, Balduíno é espancado pelo senhorio e foge para as ruas, onde, coexistindo com outros meninos tão despossuídos quanto ele, passa a mendigar, jogar capoeira e fazer pequenos trambiques.
    Nas imagens da adolescência e juventude, o personagem manifesta sua revolta ao ser confrontado por palavras e gestos que o depreciam, mas é também tomado por esses estigmas no transcorrer de sua história, quando busca ser aceito e ganhar valor como “homem de sua sociedade e de sua época” (FERNANDES, 2008, p. 196), qualificado na “própria estrutura da sociedade de classes” (FERNANDES, 2007, p. 47).
    Os impasses que surgem na trajetória de Balduíno e as suas estratégias de sobrevivência servem como exemplos dos esquemas desumanizantes e denegatórios experimentados pelos afrodescendentes na fase republicana. Segundo Lilia Schwarcz (2019), após o fim da escravidão, no período republicano, o racismo emerge como um tipo de “troféu da modernidade”. (SCHWARCZ, 2019, p. 31).
    Em contraposição às agressões das instituições, das vivências nas ruas e do abandono do Estado, há as tradições religiosas e culturais afro-brasileiras que, centralizadas nos terreiros, significam amparo e reestruturação identitária aos seus afiliados. Segundo Muniz Sodré, “o terreiro de candomblé” é um centro de forças, “polo irradiador” da “reterritorialização do homem negro na diáspora” (SODRÉ, 2015, p.194) e criador de um “corpo grupal forte o suficiente para dar proteção contra as adversidades, contra o estrangeiro hostil” (SODRÉ, 2015, p. 195).
    Com base nos estudos de Florestan Fernandes, Lilia Schwarcz, Muniz Sodré e Ismail Xavier, essa comunicação pretende refletir sobre como as representações do filme “Jubiabá”, no enfoque da trajetória de um afro-baiano nos anos 1930, articulam discursos que se antepõem à persistência do racismo na sociedade brasileira, indicam o papel desempenhado pela religiosidade afro-brasileira dentro desse cenário, as transformações que o início da industrialização do país traz à vida dos afrodescendentes, bem como para os reflexos do racismo na estrutura social do Brasil da contemporaneidade.

Bibliografia

    FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes: (No limiar de uma nova era). Volume 2. São Paulo: Globo. 2008.
    ______. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global Editora e Distribuidora Ltda. 2007.
    SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma. 2012.
    ______. O espetáculo das raças: Cientistas, instituições e questão racial no Brasil: 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras. 1993, 17º.impressão.
    ______. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras.2019.
    SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros: Identidade, povo, mídia e cotas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. 2015.
    XAVIER, Ismail. O discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 2005.
    ______. O olhar e a cena: Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Editora Cosac & Naify. 2003.