Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    TAINA XAVIER PEREIRA HUHOLD (UFF / UNILA)

Minicurrículo

    Doutoranda em Cinema e Audiovisual no PPGCine UFF. Graduação em Comunicação Social – Cinema UFF e mestrado em Artes Visuais pela UFRJ. Professora licenciada da UNILA. Integra os grupos de pesquisa NATLA – Núcleo de Arte e Tecnologia Latino-Americano (UNILA) e NIDAA – Núcleo de Investigação em Direção de Arte Audiovisual (UFPE). Atua nas áreas de produção e direção de arte desde 1997.

Ficha do Trabalho

Título

    A figura da ruína no cinema brasileiro contemporâneo.

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Resumo

    Este trabalho propõe um olhar para o espaço cênico do cinema brasileiro contemporâneo a partir da ruína. Em “Açúcar”, “Ilha” e “Todos os Mortos” se examinará a ressonância de ciclos extrativistas coloniais. Já “O Prefeito” e “Mormaço” serão analisados sob a chave do arruinamento como modus operandi da pós-modernidade globalizada. A ênfase na materialidade do pró-fílmico busca de resgatar a concretude dos espaços que compõem o nível primeiro de estruturação da imagem.

Resumo expandido

    O tema da ruína não é novo. Diversas manifestações artísticas da modernidade (o cinema inclusive) se utilizaram deste imaginário, como aponta Adreas Huyssen:

    A modernidade como ruína já era um topos bem antes do século XX e, com certeza, antes do pós-modernismo. A ruína autêntica não deve ser entendida como uma essência ontológica de ruínas, mas como uma constelação conceitual e arquitetônica significativa que aponta para momentos de decadência, desintegração e arruinamento já presentes nos primórdios da modernidade, no século XVIII. (HUYSSEN, 2009, p. 94–95)

    Para analisar o espaço da ruína no cinema brasileiro contemporâneo se examinará a ideia de modernidade desde a perspectiva da qual a experimentam seus realizadores, a colonialidade. Entendida como um “novo paradigma de vida cotidiana, de compreensão da história, da ciência, da religião, [que] surge ao final do século XV e com a conquista do Atlântico” (DUSSEL, 2000, p. 29), a modernidade é intrinsecamente ligada à “estrutura lógica de domínio colonial”, conforme Walter Mignolo:

    Por uma questão de clareza, é conveniente considerar “modernidade / colonialidade” como duas faces da mesma moeda e não como duas formas distintas de pensar: você não pode ser moderno sem ser colonial, e se você está na extremidade colonial do espectro É preciso negociar com a modernidade, pois é impossível ignorá-la. (MIGNOLO, 2007, p. 32. Tradução nossa)

    Surgida como marco e inserida materialmente no processo de desenvolvimento e financiamento da modernidade e do capitalismo liberal (SADLIER, 2016, p. 114), a ideia de América como Novo Mundo reverbera na imagem dos Tristes Trópicos do antropólogo Claude Lévi-Strauss, que inspira a percepção sobre as diferenças entre as ruínas modernas coloniais e as europeias. O antropólogo nota tal diferença de forma geral entre a França o Brasil, observando que aqui a exploração extrativista “violenta” a terra, deslocando-se de acordo com as necessidades de extração, a cada ciclo econômico da colonialidade.
    O primeiro eixo de análise examina a direção de arte em filmes onde a ruína é identificada como marca de passados extrativistas no presente: “Açúcar “(Renata Pinheiro, 2017); “Ilha” (Glenda Nicácio e Ary Rosa, 2018) e “Todos os Mortos” (Caetano Gotardo, Marco Dutra, 2020). Para tanto, se busca articular a ressonância das materialidades dos espaços em ruína com a construção, tanto narrativa, quanto afetiva-sensorial das obras audiovisuais. Por ressonância entende-se o “poder do objeto exibido de alcançar um mundo maior além de seus limites formais, de evocar em quem os vê as forças culturais complexas e dinâmicas das quais emergiu” (GREENBLATT, 1991).
    Na São Paulo de 1935, a rápida deterioração percebida por Lévi-Strauss em outros pontos do país, apresentava-se sobreposta em um mesmo território. Deste olhar advém a imagem que inspirou Caetano Veloso na escrita do verso da canção Fora da Ordem: “Aqui tudo parece ainda construção e já é ruína”, que parece resumir a dinâmica da eterna construção/destruição a que são condenadas as grandes cidades do Novo Mundo, cuja “falta de vestígios” é vista pelo antropólogo como “elemento de seus significados” (LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 91).
    Tal dinâmica se intensifica em diversos ciclos desenvolvimentistas do século XX e abarca outras capitais do Brasil. No Rio de Janeiro, especialmente com a proximidade dos eventos esportivos internacionais ocorridos na segunda década do século XXI, o ritmo da construção/destruição acelera-se vertiginosamente. Tal processo constitui-se como eixo narrativo dos filmes “O Prefeito” (Bruno Safadi, 2015) e “Mormaço” (Marina Meliande, 2018), analisados sob a chave do arruinamento como modus operandi que segue vigente. Vista em paralelo com o processo de “cenarização” do espaço urbano pós-moderno e globalizado (PEIXOTO, 1987), a ruína aqui parece sinalizar um desejo de reterritorialização do sujeito pós-moderno, desancorado de referenciais espaciais na era do não-lugar.

Bibliografia

    DUSSEL, Enrique. Europa, modernidade e eurocentrismo. In: La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Edgardo Lander (org.). Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2000.

    GREENBLATT, Stephen. O novo historicismo: ressonância e ecantamento. Estudos Históricos, [S. l.], v. 4, n.8, p. 244–261, 1991.

    HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente. Rio de Janeiro: Contraponto: Museu de Arte do Rio, 2009.

    LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

    MIGNOLO, Walter. La idea de América Latina. Barcelona: Gedisa, 2007.

    PEIXOTO, Nelson Brissac. Cenários em ruínas: A realidade imaginária contemporânea. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.

    SADLIER, Darlene J. Brasil Imaginado: De 1500 até o presente. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016.