Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Daniel Velasco Leão (PPGAV/UDESC)

Minicurrículo

    Daniel Leão, graduado em Cinema (2010) e mestre (2013) em Comunicação pela UFF e doutor (2020) em Artes Visuais pela UDESC com período sanduíche na New York University, é professor, artista visual, documentarista. Entre 2016 e 2018, atuou como professor do Curso de Cinema da UFSC. Seus trabalhos foram selecionados para exposições como a 17a. Bienal Internacional de Curitiba e por instituições como o MAC-Niterói, o Sesc-Pompéia, o Museu de Arte do Rio e o Centro Cultural España em Montevidéu.

Ficha do Trabalho

Título

    Filmes para quedas: a incerteza como dispositivo no documentário

Resumo

    Essa comunicação tem o objetivo de investigar como a incerteza, a incompletude e os trânsitos arriscados que estruturam e constituem quatro filmes documentários: A Walk de Jonas Mekas, Carta de uma cerejeira amarela em flor de Naomi Kawase, O fim e o princípio de Eduardo Coutinho e Santiago de João Moreira Salles. A escolha destes filmes, distintos em quase tudo e também na forma como incorporam esses riscos, se deve a um desejo de apresentar um conjunto de práticas singulares irredutíveis.

Resumo expandido

    Essa comunicação tem como objetivo discorrer sobre a incerteza e os riscos de fracasso e incompletude que marcam quatro documentários distintos em suas demais características, dispositivos, temas e locais de realização. É sob o ponto de vista desse lançar-se ao mundo sem esteios, em projetos erigidos precisamente nesse lançar (mais do que em seu ponto de chegada), que gostaria de analisar A Walk de Jonas Mekas (1990), Carta de uma cerejeira amarela em flor de Naomi Kawase (2003), O fim e o princípio de Eduardo Coutinho (2005) e Santiago — reflexões sobre o material bruto de João Moreira Salles (2007).
    Ressalte-se que não temos por objetivo filmes nos quais as incertezas do caminho são potencializadas como elementos narrativos, nos quais se busca alguém ou algo definido através de peripécias mais ou menos previstas de antemão ainda que manejadas com grande senso de acontecimento. Passaporte Húngaro de Sandra Kogut (2001) e 33 de Kiko Goifman (2002), são exemplos incontornáveis desse tipo de filme que Jean-Claude Bernardet denominou documentários de busca. Interessam-nos, ao contrário, aqueles documentários em que a incerteza e a imprecisão do próprio filme o constitui, conferindo ao cineasta o papel de moldar a realidade fílmica — e ser, em seu gestos e comportamentos reativos, moldado por ela — num corpo a corpo com o mundo, seja ele à distância, quando ocorre diante de um material bruto, seja ele à seco, quando diante de um mundo cambiante, imprevisível.
    Como utilizar a câmera ou o cinema para inventar não apenas filmes, mas formas distintas de estar no mundo? Se esta pergunta encontra-se na base de muitos filmes ao menos desde o surgimento do cinéma véritiè, cabe-nos investigar, na trilha de Paul Ricoeur, para quem cada obra de arte é uma resposta singular a uma pergunta própria, as formas distintas que lhes deram essas quatro obras em quase tudo distintas: enquanto Mekas percorre as ruas de uma Nova York chuvosa com uma câmera de vídeo na mão filmando de modo contínuo e interrupto por uma hora seu caminhar tortuoso, relatando histórias e memórias tais quais surgem à sua mente, Kawase atende ao pedido do crítico de fotografia Nishii Kazuo para que o filme em seus últimos dias de vida e, durante cerca de uma hora, assistimos a uma série de encontros entre os dois num quarto de hospital, em que os diálogos com o homem moribundo se somam a vistas parciais de sua janela, a closes de seu rosto (sempre registrados com a câmera na mão) e sentenças como “Eu filmo para me sentir viva. Por que você quer ser filmado?”. Já Coutinho se lança ao sertão nordestino para entrevistar pessoas desconhecidas e sem preparação, abandonando seus métodos estabelecidos de pesquisa fílmica e ampliando as restrições espaciais às quais vinha progressivamente se confinando, erigindo como restrição estruturante do filme sua própria realização, lançando-se a fazer um filme para descobrir se haverá um filmes; enquanto Salles se lança ao material bruto daquele que seria seu primeiro filme, um conjunto de imagens realizadas com extremo rigor e controle 12 anos antes, para descobrir se há ali um filme. Nos quatro casos, percebemos diversos trânsitos: aquele pela memória, aquele que ressignifica um personagem, deslocamentos geográficos, trânsitos entre a vida e a morte. À sua maneira, os quatro filmes parecem, como escreveu Fernando Sabino, “Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro”.
    A escolha desses filmes que guardam distâncias fundamentais se dá pelo desejo apresentar um conjunto de práticas distintas e irredutíveis, evitando um olhar empobrecedor/redutor sobre esses procedimentos de habitar e lidar cinematograficamente com a incerteza. A proposta da apresentação é, assim, abordar os riscos e as diferentes manifestações da incerteza na origem e constituição desse filmes. Uma das metodologias que adotaremos para a exposição será colocá-los em constante relação, em pares, como no parágrafo anterior.

Bibliografia

    BERNARDET, Jean-Claude. O documentário de busca: 33 e Passaporte Húngaro. Mourão, Maria Dora & Labaki, Amir (orgs). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
    COUTINHO, Eduardo et al. O sujeito (extra)ordinário. IN LABAKI, Amir & MOURÃO, Maria Dora (orgs.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
    DUGUET, Anne-Marie. Dispositivos. In MACIEL, Kátia. Transcinemas. São Paulo: Contracapa, 2009.
    JAMES, David E. To Free the Cinema: Jonas Mekas and the New York Underground. Princeton: Princeton University Press, 1992.
    LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
    LÓPEZ, José Manuel (org). El cine en el umbral: Naomi Kawase. Madri: T&B Editores, 2008.
    RICOEUR, Paul. O único e o singular. Tradução de Maria Leonor F. R. Loureiro. São Paulo: Editora UNESP, 2002.