Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Alex Ferreira Damasceno (UFPA)

Minicurrículo

    Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes e do Curso de Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Pará (UFPA). Doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Desenvolve pesquisas sobre teorias do cinema e audiovisual, poéticas audiovisuais e sobre as relações de fronteira entre cinema e outras artes.

Ficha do Trabalho

Título

    A montagem de stories em Sickhouse

Seminário

    Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências

Resumo

    O trabalho é uma análise neoformalista da estética de montagem de Sickhouse (2016), um filme de horror found footage construído com stories produzidos no aplicativo Snapchat. Com base na abordagem de Kristin Thompson, entendo que os stories são usados como um dispositivo transtextual que gera desfamiliarizações nos padrões de decupagem. Analiso como os stories impõem sintagmas ao filme, o que constitui uma forma paramétrica de montagem, que segue a tendência formal da pós-continuidade.

Resumo expandido

    Sickhouse (2016, dir. Hannah Macpherson) é um longa-metragem de ficção do gênero horror found footage construído integralmente com arquivos de Snapchat stories – vídeos de até dez segundos, produzidos por câmeras de smartphone e postados no aplicativo Snapchat. A protagonista, Andrea Russett, é uma influenciadora digital com milhões de seguidores na rede social e que interpretou a si mesmo. Isso permitiu que o filme fosse veiculado no próprio Snapchat: 774 stories foram postados na conta de Russett ao longo de cinco dias e seus seguidores acompanharam a narrativa em “tempo real”, sem saber que assistiam a uma ficção. Após essa primeira exibição, os stories foram montados, formando um bloco de planos típico do cinema, exibido então em diferentes plataformas de streaming.
    Neste trabalho, analiso Sickhouse com o objetivo de compreender a estética de montagem que é construída a partir da opção que o filme faz de utilizar apenas stories. A análise segue uma abordagem neoformalista, baseada nos trabalhos de Kristin Thompson (1988) e David Bordwell (1989; 2008). Dentro desse marco conceitual, entendo os stories como um dispositivo formal, de motivação transtextual, que gera um fenômeno que Thompson nomeia de desfamiliarização: a sua inserção no contexto de outra linguagem implica uma série de transformações dos padrões formais habituais. A premissa da análise é que, ao ser composto integralmente por stories, o filme desfamiliariza diferentes convenções de montagem, relacionadas tanto ao gênero do horror found footage (CARREIRO, 2013) como à decupagem clássica (XAVIER, 1984).
    No próprio ambiente do Snapchat, os stories são frequentemente combinados para formar narrativas mais longas, se comportando como um plano cinematográfico: uma unidade da linguagem audiovisual que pode compor diferentes sintagmas (METZ, 1972). A partir da imposição de uma duração máxima dos planos, Sickhouse apresenta três diferentes tipos de construção sintagmática. Alguns stories são planos autônomos, que mantêm a unidade espacial e da ação. Quando isso ocorre, a transição se dá de modo abrupto. Outros stories se agrupam em sintagmas descritivos, numa sucessão de planos que não têm relação temporal, mas que são situados em um único espaço, o que cumpre a função de ambientação narrativa. Por fim, o terceiro sintagma é acionado para cenas longas, com eventos importantes da história. Nesses casos, a cena é fragmentada em vários stories, com consecutivos saltos temporais dentro de uma mesma ação dramática, em uma profusão de jump-cuts. Assim, os sintagmas do filme não seguem uma lógica de continuidade temporal e impõem à narrativa uma construção extrema de anisocronia (GENETTE, 2017), que vincula qualquer corte à figura da elipse: todas as transições entre planos do filme, mesmo as que ocorrem dentro de uma cena, promovem uma lacuna explícita no tempo da história.
    Penso que essas opções de montagem constituem em Sickhouse uma “forma paramétrica”, nos termos de Thompson (1988, p. 19), à medida que o dispositivo stories age no filme como um parâmetro que impõe construções sintagmáticas e narrativas, o que gera uma estética particular. Mas também é possível compreender a montagem dentro de uma tendência formal mais ampla, a qual Steven Shaviro (2016) nomeou de “pós-continuidade”. Nessa tendência, a articulação da narrativa não depende de séries de planos organizados segundo uma coerência espaço-temporal, o que pode ser visto em diferentes gêneros citados pelo autor, dentre eles o fake found footage. Todavia, é importante perceber que nos filmes de horror found footage, na busca por um maior efeito de realismo, a pós-continuidade é construída frequentemente com planos de deslocamento espacial de longa duração, que simulam um arquivo audiovisual bruto ou pouco editado. Nesse sentido, a montagem de Sickhouse desfamiliariza, em elevado grau, os procedimentos da decupagem clássica, assim como intensifica a tendência de pós-continuidade do seu gênero narrativo.

Bibliografia

    BORDWELL, David. Historical poetics of cinema. In: PALMER, Barton (org.). The cinematic text: methods and approaches. Atlanta: Georgia State Literary Studies, 1989.

    BORDWELL, David. Poetics of cinema. New York: Routledge, 2008.

    CARREIRO, Rodrigo. A câmera diegética: legibilidade narrativa e verossimilhança documental em falsos found footage de horror. Significação. São Paulo, v. 40, n. 40, p. 224-244, 2013.

    GENETTE, Gerard. Figuras III. São Paulo: Estação Liberdade, 2017.

    METZ, Christian. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 1972.

    SHAVIRO, Steven. Post-Continuity: An Introduction. In: LEYDA, Julia; DENSON, Shane (orgs.). Post-cinema: theorizing 21st-century film. Reframe Books, 2016.

    THOMPSON, Kristin. Breaking the Glass Armor: neoformalist film analysis. New Jersey: Princeton University Press, 1988.

    XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1984.