Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    CLOTILDE BORGES GUIMARÃRS (FAAP)

Minicurrículo

    1984 – Graduação: Cinema – ECA/USP.
    2008 – Mestrado: ECA/USP. Dissertação: O som direto e a voz do outro nos documentários brasileiros da década de 1960. Orientação: Prof. Dr. Eduardo S. Mendes.
    2010 – Professora das disciplinas de Som no Curso de Cinema da FAAP-SP
    2020 – Doutora pela ECA/USP. Orientação: Prof. Dra. Patricia Moran Fernandes
    Desde 2002, organiza debates sobre som na Semana ABC.
    Atividade profissional: https://www.imdb.com/name/nm0096601/?ref_=nv_sr_1?ref_=nv_sr_1

Ficha do Trabalho

Título

    A voz em VT Preparado AC/JC (1986), P. Vieira e W. Silveira.

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Resumo

    Estudos sobre a voz no cinema narrativo e documentário tratam a fala e a voz na perspectiva de atribuição de sentido e investigam aspectos da relação da voz com o corpo, do corpo com o espaço e da voz com o poder. Escolhemos analisar o som do vídeo VT Preparado AC/JC porque existe uma experimentação na qual a voz é tratada como vocalidade (por suas qualidades sonoras e não semânticas), e não como oralidade (uso da voz com produção de significado) ou como sujeito de enunciação.

Resumo expandido

    Estudos sobre a voz no cinema narrativo e documentário tratam a fala e a voz na perspectiva de atribuição de sentido e investigam aspectos da relação da voz com o corpo, do corpo com o espaço e da voz com o poder, como o artigo de Mary Ann Doane (1983, p. 455), e o livro de Michel Chion sobre a voz no cinema (2004), no qual o autor cria e adapta termos para designar vozes sem corpo e suas localizações em relação à tela, a importância da palavra falada como a estrutura em volta da qual os outros sons se organizam dentro de um filme. Michel Chion denomina esse tipo de uso da palavra falada no cinema como fala-teatro (CHION, 2011, p. 134) e como fala-emanação, aquela que não é ouvida e compreendida na íntegra, tornando-se uma emanação dos personagens (CHION, 2011, p. 138). Recurso, segundo ele, usado raramente, no qual a fala é relativizada e que ele chama de cinema sonoro descentrado, oposto de um cinema verbo-centrado.
    No vídeo selecionado existe uma experimentação na qual a voz é tratada como vocalidade (por suas qualidades sonoras e não semânticas), e não como oralidade (uso da voz com produção de significado) ou como sujeito de enunciação.
    No campo da música erudita, a crescente valorização do timbre nas práticas composicionais e as pesquisas por novas sonoridades contribuíram para que no início do século XX a voz pudesse se libertar das amarras do bel canto, incorporando seus índices de corporalidade: a fala, expressões vocais não-linguísticas (gritos, sussurros, choro, riso) e ruidismos bucais. Essa nova estética da voz, nascida do cruzamento das pesquisas teatrais com o corpo e a voz, da poesia fonética e sonora, da música concreta, eletroacústica e indeterminada, também dialogou com o jazz, o rock, e com o canto experimental.
    Este vídeo de 1986 é resultado do registro da apresentação que John Cage e Augusto de Campos fizeram no Brasil durante a XVIIIa Bienal de São Paulo, em 1985, e de entrevistas realizadas nesse mesmo evento. Nessa ocasião, ocorreu o lançamento do primeiro livro de John Cage em português, traduzido por Rogério Duprat e revisado por Augusto de Campos, “De segunda a um ano”, publicado nos EUA em 1967. À proposta cageana da escuta dos sons do mundo e seus questionamentos a respeito do silêncio, foi somada a poética verbivocovisual do grupo concretista a que Augusto de Campos pertencia. Para Cage (1961), o músico poderia ser um organizador de sons, sem distincão entre sons musicais ou não, e, para o poeta concreto Augusto de Campos, a dimensão sonora da palavra deveria ser valorizada.
    Os autores definiram que o som tinha que ser como uma música de John Cage, e as imagens, “desreguladas” como o piano preparado de Cage, por isso o nome do vídeo. Decidiu-se fazer a edição do som antes de editar qualquer imagem. Vieira declarou: “Eu tentei fazer uma música, por isso eu editei o som primeiro, é uma composição de ruídos”. O processo se constituiu de usar o silêncio, ouvir e selecionar sons, aplicar efeitos, como a mudança de velocidade, de intensidade, ou gravar o trecho no sentido contrário (reverse), alterar a afinação, deixando mais grave ou agudo (filtragem de frequências), ou colocar eco.
    Virgínia Flores (2013) já havia observado uma similaridade dos processos de edição e mixagem sonora usados no cinema com os da Música Concreta. Para a autora, o editor de som pratica o que Pierre Schaeffer denomina de escuta reduzida, quando escuta os sons registrados para selecionar e editar, valorizando suas características intrínsecas em detrimento de sua fonte geradora.
    Esta obra demonstra as possibilidades adquiridas para o uso do som com a utilização de uma ilha de edição de vídeo U-Matic, além disso, de uma certa forma, retrata uma cena artística, musical e literária, que John Cage encontrou no Brasil de 1985 e alguns de seus personagens: Augusto de Campos, Décio Pignatari, Arrigo Barnabé, Wally Salomão, dentre outros.

Bibliografia

    CAGE, John. Silence. Wesleyan University Press: Hanover, 1961.
    CAMPOS, Augusto; CAMPOS, Haroldo; PIGNA- TARI, Décio. Teoria da Poesia Concreta: textos críticos e manifestos, 1950-1960. São Paulo: LIvraria Duas Cidades, 1975.
    CAVARERO, Adriana. Vozes plurais: filosofia da expressão vocal. Belo Horizonte: Editora UFMF, 2011.
    CARREIRO, Rodrigo, OPOLSKI, Débora, SOUZA, João (orgs.). O som do filme: uma introdução. Curitiba/Recife: Editora UFPR/Editora UFPE, 2018.
    CHION, Michel. La voz en el cine. Madrid: Cadetra, 2004.
    CHION, Michel. Audiovisão: som e imagem no cinema. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2011.
    DOANE, Mary Ann. A voz no cinema: a articu- lação de corpo e espaço. In: XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilme, 1983.
    FLORES, Virgínia. Cinema: uma arte Sonora. Rio de Janeiro: Annablume, 2013.