Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Carla Italiano (UFMG)

Minicurrículo

    Pesquisadora em cinema e programadora de mostras e festivais. Doutoranda em Comunicação Social pela UFMG com mestrado pelo mesmo programa. É uma das organizadoras do forumdoc.bh – Festival do Filme Documentário e Etnográfico e foi co-curadora das mostras “Esta terra é a nossa” (2020), “Retrospectiva Helena Solberg”(2018), “Retrospectiva Jonas Mekas” (forumdoc 2013), entre outras. É natural do Recife e residente em Belo Horizonte.

Ficha do Trabalho

Título

    Laços que unem? – escrita de si (e das outras) em “Finding Christa”

Seminário

    Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva

Resumo

    Esta comunicação propõe investigar os modos de auto-inscrição no filme “Finding Christa” (1991), realizado por Camille Billops e James Hatch, a partir dos diferentes vínculos entre mulheres negras no filme, em particular das diversas relações entre mães e filhas. Para a análise, colocaremos em diálogo o campo das escritas de si no cinema e das teorias feministas, em particular do pensamento feminista negro estadunidense e das investigações sobre maternidade.

Resumo expandido

    “Finding Christa” (1991), média-metragem realizado pela artista e pesquisadora Camille Billops (1933-2019) junto a seu marido James Hatch, tem como mote um episódio singular da vida da diretora: o reencontro com Christa, a filha que ela havia entregado para adoção vinte anos antes. Em oposição às narrativas convencionais sobre o tema de adoção, marcadas pelo julgamento moral da mulher que recusa a maternidade e por certa vitimização do lugar da criança, Billops vai continuamente sustentar a sua decisão ao longo do filme, ao mesmo tempo em que interroga suas motivações à luz do distanciamento de décadas, bem como das críticas vindas de todos os lados, especialmente da sua família. A partir de diversos encontros mediados pela câmera – encenados ou não -, o filme se lança a reconstruir memórias pessoais e coletivas, elaborando uma rara etnografia das relações familiares negras de classe média nos Estados Unidos dos anos 1960-1980.

    Evocando a trajetória pioneira e camaleônica de Billops no campo das artes, tendo atuado como escultora, gravurista, atriz e arqueóloga da cultura afro-americana, “Finding Christa” é uma obra indisciplinar em suas escolhas formais, transitando livremente por regimes de enunciação – entre o documentário, o filme-ensaio e a performance de viés teatral, entre arquivos encenados e home movies em 8mm. Com a aposta na presença disruptiva do corpo da diretora em cena e em uma narração over compartilhada, a obra sublinha sua perspectiva em primeira pessoa. Mas o eu que se elabora filmicamente também preserva um grau de opacidade, constituindo-se no atrito com as vozes e os desejos das demais mulheres que compõem essa história. Assim, a inscrição de si no filme se dá pela franqueza desses encontros e pelos difíceis questionamentos por eles gerados, muitos dos quais permanecem sem resposta.

    Em termos de perspectiva feminista, a obra apresenta uma gama de representações complexas de mulheridade negra. Em paralelo ao processo de anos da cineasta para se afirmar como uma (mulher) artista negra, é igualmente notável a determinação de Christa em sua jornada por conhecimento, assim como a postura reflexiva de sua mãe adotiva, Margareth, e os ambivalentes vínculos de Billops com as mulheres de sua família. O filme também interroga o caráter compulsório da maternidade imposta aos corpos femininos, especificamente na lida com os atributos arquetípicos de sacrifício e devoção latentes nas “imagens de controle” de matriarcas e mães negras super fortes (COLLINS, 2000, p. 174). Ademais, ele aborda a dinâmica coletiva do cuidado nas redes familiares negras estendidas, e o caráter de constante renegociação das “mulheres negras umas com as outras, com os filhos negros, com a comunidade afro-americana mais ampla e consigo mesmas” (COLLINS, 2000, p. 176). Frente ao “mito do amor materno” (BADINTER, 2007), o filme de Billops e Hatch recusa o auto-julgamento, a culpa e o arrependimento pelo ato da adoção, tornando-se subversivo também por sustentar a dedicação da mulher a si própria e ao seu crescimento artístico e intelectual – algo historicamente negado às mulheres negras – enquanto um posicionamento feminista e uma possibilidade de estar no mundo filmicamente.

    Assim, esta comunicação propõe analisar os modos de escrita de si em “Finding Christa” a partir das relações entre mulheres negras no filme, especificamente dos relacionamentos entre mães e filhas – entre Billops e Christa, entre a jovem e sua mãe adotiva, e desta com a realizadora. Para tal, colocaremos em diálogo o campo da autobiografia no cinema e das teorias feministas, em particular do pensamento feminista negro estadunidense e das investigações sobre maternidade. De forma pioneira e na contramão das narrativas pré-determinadas, o filme se torna um documento dos laços entre gerações de mulheres negras – laços desgastados, por vezes impossíveis, mas persistentes -, e elabora “um retrato coletivo em que ninguém é julgado, mas todos são questionados” (PRICE, 202

Bibliografia

    BADINTER, E. Um Amor Conquistado – o Mito do Amor Materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

    BUTLER, A. Performing authorship: self-inscription in women’s experimental cinema. In: Women’s Cinema: the contested screen. Londres: Wallflower, 2002.

    COLLINS, P. H. Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the politics of empowerment. NY: Routledge, 2000.

    CORRIGAN, T. O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015.

    HOOKS, b. Reel to Real: Race, Class and Sex at the Movies. NY: Routledge, 1996.

    PRICE, Y. “A tendency toward dirty laundry: Camille Billops and James Hatch’s unflinchingly personal cinema”. Criterion Collection, 12/02/2021.

    RENOV, M. Domestic Ethnography and the Construction of the “Other” Self. In: Collecting Visible Evidence. University of Minnesota Press, 1999.

    VEIGA, R.; ITALIANO, C.; FELDMAN, I. (org.). Dossiê Cinema e Escritas de Si. Devires – Cinema e Humanidades, v. 14, n. 2. Belo Horizonte: PPGCOM, 2017 (2020).