Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Alexandre Wahrhaftig (ECA-USP)

Minicurrículo

    Alexandre Wahrhaftig é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais, na ECA-USP, com pesquisa sobre a repetição no cinema brasileiro moderno. Concluiu mestrado em 2015 com dissertação sobre Cópia fiel, de Abbas Kiarostami. É diretor, fotógrafo e montador; codirigiu os curtas-metragens Salomão (2013), E (2014) e O Castelo (2015), e montou o documentário Diz a ela que me viu chorar (de Maíra Bühler, 2019).

Ficha do Trabalho

Título

    Repetição no cinema: no palácio de Moebius ou retornados da história?

Resumo

    No cinema brasileiro moderno dos anos da ditadura civil-militar, encontramos uma série de filmes cujas poéticas são marcadas, pontualmente ou estruturalmente, por repetições. Propomos esboçar e comparar duas hipóteses para compreender o fenômeno de maneira ampla no contexto, partindo de duas diferentes leituras sobre a repetição na arte: uma condensada na metáfora do “palácio de Moebius”, por Nuno Ramos, e outra condensada na ideia de “retornados da história”, por Jean-François Hamel.

Resumo expandido

    A partir de uma visada panorâmica do cinema brasileiro moderno dos anos da ditadura civil-militar, encontramos em muitos filmes distintos um mesmo traço estilístico: a repetição. Seja a repetição de um breve gesto (Sara em Terra em transe entrando na redação do jornal) ou de uma longa sequência (a corrida de táxi em Bang bang), seja um reiterado recomeçar dramático (a vida de Carlos em São Paulo SA) ou um eterno repetir não dramático (os assassinatos em Memórias de um estrangulador de loiras), seja ainda um transe repetitivo no corpo (Sônia Silk em Copacabana mon amour) ou um transe repetitivo do discurso (os monólogos do Cristo-militar em A idade da terra), fato é que o motivo da repetição se dissemina pela filmografia do período, assumindo as mais diferentes formas.
    Ao invés de se debruçar sobre as singularidades de determinadas obras do período, sobre os diferentes sentidos ou sensações que cada repetição constrói em cada filme, a presente comunicação propõe, de saída, apresentar e comparar duas hipóteses para a compreensão do fenômeno de uma forma mais global, compreendendo os limites e riscos da empreitada de uma leitura de conjunto.
    A primeira das duas hipóteses nos é sugerida pela ideia do “palácio de Moebius”, conforme metáfora elaborada pelo artista Nuno Ramos em dois ensaios dedicados a pensar um singular movimento de interiorização da arte brasileira (literatura, música, cinema, artes visuais), movimento que se expressa, na estrutura das obras, por repetições e circularidades (RAMOS, 2019). Para Nuno Ramos, obras de Lygia Clark, Graciliano Ramos e João Gilberto seriam marcadas por um contínuo movimento narcísico de retorno sobre si, fenômeno que posteriormente viria a ser matizado por uma relativa “exteriorização” em obras de Caetano Veloso, Tunga e Glauber Rocha. Mesmo que o cinema só esteja presente nas considerações sobre a obra de Glauber, tentaremos esboçar aqui a hipótese de uma expansão de sua leitura para outros filmes, outras repetições – algo que o autor chega a sugerir em ensaio posterior, já não dedicado a figura de Moebius (RAMOS, 2020).
    A segunda hipótese nos é sugerida pelo livro Revenances de l’histoire de Jean-François Hamel, professor de teoria literária no Canadá. A investigação de Hamel sobre os “retornados da história”, com exceção do interesse pelo motivo da repetição, em tudo se distancia das ideias de Ramos: ela não se volta à cultura brasileira e também não se debruça sobre diferentes artes, focando-se exclusivamente na escrita. Hamel busca compreender a curiosa emergência de uma série de poéticas e narrativas de repetição na modernidade ocidental, justamente quando uma forte ideia do tempo como seta – linear, acelerada e irreversível – se impôs. Hamel se debruça tanto sobre autores do século XIX quanto do século XX, destacando, entre outros, Baudelaire, Marx, Benjamin, Klossowski e Simon. Segundo o autor, com a modernidade (pós Revolução Francesa e Revolução Industrial), a experiência passada deixou de servir de garantia à condução do presente, agora excessivamente acelerado, e o horizonte de expectativas futuras deixou de ser imaginável a partir do presente. Nesse contexto, “a ressurgência da repetição testemunharia, pois, a necessidade própria da modernidade de redefinir formas de mediações temporais que permitem articular a tripla temporalidade da história em um universo fraturado” (HAMEL, 2006, p. 13).
    Nosso intuito é colocar as leituras de Ramos e Hamel em diálogo e em cotejo com o panorama da filmografia moderna brasileira. Através da comparação entre as hipóteses, buscaremos enxergar seus limites e contribuições potenciais para um aprofundamento crítico sobre o cinema do período. As repetições de nosso cinema moderno, lidas em conjunto, seriam signo de um movimento de interiorização de nossa cultura ou testemunhariam a necessidade de redefinir “formas de mediações temporais” em um universo fraturado? Ou, ainda, seriam uma interiorização resultante de um Brasil fraturado?

Bibliografia

    HAMEL, Jean-François. Revenances de l’histoire. Répétition, narrativité, modernité. Paris: Minuit, 2006.

    RAMOS, Nuno. Verifique se o mesmo. São Paulo: Todavia, 2019.

    RAMOS, Nuno. Brasil enfrenta duplo apocalipse com Bolsonaro e coronavírus. Folha de São Paulo, 2020. Disponível em: . Acesso em: 4 maio 2020.