Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Rafael Leal (UFF)

Minicurrículo

    Rafael Leal é doutorando em Cinema (UFF), selecionado pelo DAAD para sanduíche na LMU (Alemanha), e sua tese investiga o roteiro nas narrativas imersivas e interativas, Professor de Roteiro Audiovisual (PUC-Rio), roteirista do longa Cedo Demais (FOX) e criador das séries A Dona da Banca (CineBrasilTV) e Jungle Pilot (Universal). Consultor de roteiro e desenvolvimento criativo, Rafael também é sócio da Dédalo, produtora especializada na criação de obras audiovisuais para diversas mídias

Ficha do Trabalho

Título

    O roteiro audiovisual e as implicações da cena imersiva

Seminário

    Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Resumo

    Depois de décadas excluído do espaço diegético e postado diante da cena, o espectador – que prefiro chamar de interator – é levado para dentro da cena, graças à nova geração de tecnologias audiovisuais imersivas. Este trabalho visa a compreender como essa transformação radical no fenômeno da recepção tem implicado mudanças igualmente intensas no campo da escritura audiovisual e da criação e planejamento de narrativas interativas.

Resumo expandido

    Definida por Lúcia Santaella como “a diferença qualitativa induzida quando o sensorium de um indivíduo é rodeado pela cena, em vez de — como no filme, TV e vídeo — facear uma tela à distância” (2003: p. 202), a imersão tem impactado em notável monta o exercício da escritura audiovisual, especialmente diante da nova geração de narrativas imersivas e interativas. O processo de pensar e escrever o roteiro de uma narrativa imersiva é fenomenologicamente diferente do que envolve criar uma narrativa plana, e é esse contraste que investigo neste trabalho, que é parte da minha tese de doutorado em andamento.

    O objetivo aqui é analisar os impactos na escrita promovidos por tais elementos, a partir de três naturezas distintas: primeiro, referentes ao ponto de vista, ou à posição relativa do interator de onde observa os acontecimentos e participa deles; segundo, referentes à dêixis, que diz respeito à identidade e localização do interator no contexto do discurso; e por fim, referentes ao fenômeno chamado de paradoxo narrativo, ou dissonância ludonarrativa, que descreve certa tensão entre a narratividade, ou nossa capacidade de contar histórias, e a percepção corporal e espacial ilusória do interator.

    O questionamento crítico do posicionamento do interior encerra uma série de questões de natureza prática: se o interator está em cena, de onde ele a vê? O que o ocupa o espaço diegético destinado a seu corpo carnal, visível ou não? Cabe um corpo ali? O que esse corpo está fazendo ali, em termos da história? Os personagens o vêem, ou fingem que o vêem? E, principalmente, como nos lembram Ross e Munt, os modos de se abordarem no roteiro, tanto em termos práticos quanto conceituais, tais relações diegéticas e espaciais.

    Além do ponto de vista, elementos dêiticos constituem uma novidade no ofício do roteirista ao se considerarem as narrativas imersivas. De maneira sintética, e ecoando o pensamento de Sherman e Craig, autores do seminal Understanding Virtual Reality (2003), Larsen apresenta o seguinte conjunto de definições referentes à dêixis de pessoa para uso no contexto da Poética de NIIs, que me proponho a analisar com maior profundidade: “a primeira pessoa é o mundo visto por meio dos olhos do protagonista; a segunda pessoa oferece os olhos de um assecla, e a terceira pessoa é um ponto de vista desencarnado, uma posição de câmera independente” (2018: p. 79).

    Por fim, a dissonância ludonarrativa, que consiste em uma tensão permanente entre os regimes de atenção voltados à narrativa e os voltados à interação ou ludicidade, também opera transformações no domínio da escritura audiovisual, ao se considerar a centralidade da experiência corpórea do interator em seu desenvolvimento. Nas palavras premonitórias de Janet Murray, “pouco a pouco estamos descobrindo as convenções de participação que se construíram na quarta parede desse teatro virtual os gestos expressivos que irão aprofundar e preservar o encantamento da imersão” (2003: p. 125).

    Em síntese, o simples deslocamento da posição referente à cena multiplica as possibilidades de seu posicionamento em referência ao discurso e às experiências decorrentes dessa miríade de opções disponíveis aos criadores de narrativas imersivas e interativas, uma modalidade criativa cujos processos criativos têm exercido influência crescente sobre a escritura audiovisual contemporânea.

Bibliografia

    DOOLEY, Kath. Storytelling with virtual reality in 360-degrees: A new screen grammar. In: St.in Australasian Cinema, 11:3, pp 161–71, 2017.
    GRAU, Oliver. Virtual Art: From Illusion to Immersion. Cambridge: MIT Press, 2003.
    LARSEN, Mads. Virtual Sidekick: Second-Person POV in Narrative VR. In: Journal of Screenwriting, n. 9, v. 1. Londres: Intellect Books, 2018,.
    MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: MIT Press, 2001.
    MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck:o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Unesp, 2003.
    ROSS, Miriam e MUNT, Alex. Cinematic virtual reality: Towards the spatialized screenplay. Journal of Screenwriting, 9:2, pp. 191–209, 2018. doi: 10.1386/jocs.9.2.191_1
    SANTAELLA, Lucia. Cultura e Artes do Pós-Humano: da Cultura das Mídias à Cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
    SHERMAN, William; CRAIG, Alan. Understanding Virtual Reality. Amsterdã: Elsevier, 2003.
    SOBCHACK, Vivian. Carnal thoughts: embodiment and moving image culture. Los Angeles: UCLA , 2004.