Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Rodrigo Carreiro (UFPE)

Minicurrículo

    Rodrigo Carreiro é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pernambuco, onde cursou Mestrado (2003) e Doutorado (2011) em Comunicação (Cinema). É bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2. Fez estágio pós-doutoral na Universidade Federal Fluminense (RJ), em 2018-2019.

Ficha do Trabalho

Título

    Sons do demônio em Possuídos

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Resumo

    O objetivo deste artigo consiste em realizar uma análise da banda sonora do filme Possuídos (Fallen, Gregory Hoblit, 1998), a fim de verificar a maneira como recursos sonoros são utilizados para solucionar um problema de representação proposto pelo roteiro: o vilão, uma entidade sobrenatural, não possui corpo físico e muda frequentemente de hospedeiro, dificultando que público e personagens possam identificá-lo visualmente com rapidez.

Resumo expandido

    O roteiro de Possuídos (Fallen, Gregory Hoblit, 1998), uma mistura de horror e filme de detetive, contém elementos narrativos que tornam o projeto um exemplo criativo de uso do som. A progressão narrativa dá atenção aos sentidos fisiológicos do corpo, graças à construção do vilão: Azazael, um demônio bíblico sem corpo físico. Para sobreviver, sua consciência precisa possuir corpos humanos. E o ser etéreo desenvolveu a capacidade de fazer isso através do tato. Ao tocar outra pessoa, Azazael pode mudar de hospedeiro, passando a habitar o corpo de quem foi tocado.
    A natureza do vilão deixa um desafio narrativo para os realizadores. Na maioria dos filmes, sua aparência é estável. Essa condição incorpórea é o elemento narrativo que abre oportunidades para o uso criativo do som.
    Aqui, pretendemos analisar os recursos sonoros utilizados pela equipe de pós-produção para solucionar o problema de representação (BORDWELL, 2009). Mostraremos como o filme utiliza a canção Time is on My Side, na versão gravada pelo Rolling Stones, para auxiliar o espectador a identificar o hospedeiro do demônio; discutiremos o uso recorrente de um termo coloquial e de uma língua morta do Oriente Médio como deixas auditivas para que plateia e personagens consigam identificar o corpo habitado por Azazael; e verificaremos como planos filmados do ponto de vista subjetivo acentuam a importância da música do compositor chinês Tan Dun para na construção do horror (CARROLL, 1999, p. 41).
    O principal problema de representação enfrentado pela equipe criativa de Possuídos consiste em encontrar maneiras de comunicar ao público em que corpo está o demônio Azazael. Como seu hospedeiro muda constantemente, o espectador – assim como o protagonista John Hobbes (Denzel Washington) – precisa realinhar a todo momento sua percepção da trama, para saber a qual corpo deve associar o vilão. A questão que se coloca, nesse caso, é a seguinte: como informar ao espectador, continuamente, a identidade física do demônio?
    Gregory Hoblit e a equipe criativa do filme encontraram soluções sonoras para esse problema. Em primeiro lugar, o demônio cantarola insistentemente a canção Time is on My Side. Esta é a principal deixa que o roteiro nos reserva para reconhecer o hospedeiro de Azazael – ele sempre cantarola ou assobia a melodia, cuja letra também deixa antever uma ironia: a morte do hospedeiro não será suficiente para impedir o demônio de matar. Ele tem o tempo a seu lado, como afirma a letra da canção.
    Além disso, no discurso verbal de Azazael, duas características semânticas denunciam o hospedeiro. Primeiro, o demônio pontua suas falas sussurrando palavras de um dialeto antigo, o sírio-aramaico. A segunda deixa verbal é o uso frequente do termo pal (em tradução livre, “amigo”).
    Este é o caso em Possuídos. Dono de personalidade observadora, o detetive percebe sem demora que diferentes pessoas se dirigem a ele e falam de maneira semelhante. Esta é uma das razões para que ele comece a desconfiar de um vilão de origem sobrenatural.
    Os planos POV que ilustram a visão subjetiva de Azazael possuem uma textura amarelada diferente do restante do filme. Eles são utilizados oito vezes, e apresentam uma sonoridade subjetiva, impregnada de ruídos de origem não diegética, às vezes misturando trechos da musical experimental do compositor chinês Tan Dun com efeitos sonoros, a ponto de torná-los indistinguíveis em certos momentos, característica do cinema contemporâneo (KASSABIAN, 2003; SERGI, 2006; OPOLSKI, 2013; SMITH, 2013).
    A mixagem é igualmente radical. Criando uma séries de pans sonoros rápidos, do início ao fim de cada plano POV, a mixagem se alia ao movimento de vôo efetuado pela câmera para sugerir como se move a entidade sobrenatural. O demônio ouve sons distorcidos (reverb pesado e eco), que se movimentam da esquerda para a direita, sem parar.

Bibliografia

    BORDWELL, David. Figuras traçadas na luz: a encenação no cinema. Campinas: Editora Papirus, 2009.
    CARROLL, Noël. A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração. Campinas: Editora Papirus, 1999.
    KASSABIAN, Anahid. “The Sound of a New Film Form”. Popular music and film. Ian Inglis (Org.). London: Wallflower Press, p. 91-101, 2003.
    OPOLSKI, Débora. Introdução ao Desenho de Som: uma Sistematização Aplicada na Análise do Longa-metragem Ensaio Sobre a Cegueira. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013.
    SERGI, Gianluca. “In defense of vulgarity”. Scope, v. 5, n. 1, 2006. Disponível em http://www.scope.nottingham.ac.uk/article.php?id=129&issue=5. Acesso em 29/03/2021.
    SMITH, Jeff. “The Sound of Intensified Continuity”. The Oxford Handbook of New Audiovisual Aesthetics (orgs. John Richardson, Claudia Gorbman e Carol Vernallis). New York: Oxford University Press, 2013, p. 331-356.
    THOM, Randy. “Designing a movie for sound”. Iris Magazine, Iowa, n. 27, 1999, p. 9-20.