Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Luis Felipe Gurgel Ribeiro Labaki (PPGMPA-ECA-USP)

Minicurrículo

    Luis Felipe Labaki é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA-USP. Em 2016, defendeu no mesmo programa seu mestrado, intitulado “Viértov no papel: um estudo sobre os escritos de Dziga Viértov”. Traduziu do russo para o português textos de Viértov, Esfir Chub, Artavazd Pelechian e Daniil Kharms. Em 2017, foi co-curador da retrospectiva “100: De Volta à URSS” na 22ª edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários.

Ficha do Trabalho

Título

    O homem com a câmera (1929) como um filme-diário

Resumo

    Ainda que Dziga Viértov não realizasse filmes-diário em um sentido estrito, parte de sua obra flerta com a forma diarística. Menções a diários em seus filmes, escritos e projetos não-realizados, bem como uma reiterada intenção de autorrepresentação dos kinocs nos trabalhos realizados pelo grupo, sugerem a construção de um fragmentário “diário profissional coletivo”. Nesse sentido, “O homem com a câmera” (1929) é aqui analisado pelo prisma de seu subtítulo “Excerto do diário de um cinegrafista”.

Resumo expandido

    Ainda que o cineasta soviético Dziga Viértov (1896-1954) não realizasse filmes-diário em um sentido estrito, parte de sua obra da década de 1920 pode ser vista como atravessada por uma noção, ainda que difusa, de diário. Ela se expressaria tanto por meio de menções diretas a diários em seus filmes e escritos quanto por meio de uma contínua intenção ora concretizada, ora apenas planejada, de autorrepresentação dos kinocs nos trabalhos realizados pelo grupo – uma prática que sugere a possibilidade de vermos ao longo de filmes, esboços e projetos não-realizados a construção de um fragmentário “diário profissional coletivo”. Nesse sentido, “O homem com a câmera” (1929) é analisado pelo prisma de seu subtítulo “Excerto do diário de um cinegrafista”, uma fórmula cuja importância, historicamente, foi relativizada talvez em demasia pelos estudos viertovianos.

    Um dos possíveis motivos para essa sub-valorização pode ser uma impressão de que o subtítulo talvez não devesse ser tomado como um elemento com força estruturante. É o que sugere Hicks (2007) ao considerá-lo apenas um dentre diversos “modelos genéricos” evocados por Viértov para se referir à obra. O cineasta de fato foi um prolífico criador de sub-gêneros para seus “cine-objetos”, associando seus filmes a outras práticas artísticas (como a ‘sinfonia’ ‘Entusiasmo: Sinfonia de Donbass’, de 1930) e a termos de outros campos, como o vocabulário dos serviços de inteligência (como em ‘O Cine-Olho em sua primeira missão de reconhecimento: A vida apanhada de surpresa’, de 1924). Escrevendo retrospectivamente sobre seus trabalhos, Viértov com frequência associaria um mesmo filme a diferentes gêneros, mas essa certa intercambialidade não significa que devamos desconsiderar o papel que, uma vez inscrito na cartela inicial de um filme, cada um desses subgêneros pode desempenhar na apreensão da obra, apresentando ao espectador um possível “modo de leitura”.

    Ainda que não tenha destacado o subtítulo “Excerto do diário de um cinegrafista” nos principais artigos que escreveu à época de lançamento de “O homem com a câmera”, registros de pronunciamentos de Viértov feitos antes e depois de sessões do filme revelam que o cineasta se referiria repetidas vezes ao caráter de “excerto de um diário” do filme, discutindo inclusive sua importância para a estruturação da obra. Um exame dos cadernos de trabalho, diários e demais documentos do cineasta preservados no RGALI (Arquivo Estatal Russo de Literatura e Arte) nos permite perceber ainda como a ideia de “excerto de um diário”, bem como a intenção de incluir o cinegrafista como personagem, esteve presente também durante a produção de “O décimo primeiro ano”(1928) e “A sexta parte do mundo” (1926). É possível, porém, recuar ainda mais: em “Cine-Olho” (1924), há a inclusão de cartelas que emulam a escrita do diário de um pioneiro, e a representação explícita dos membros do grupo Cine-Olho – Viértov entre eles – não só marca diferentes edições da série “Kino-Pravda” (1922-1925) como aparece em uma série de projetos não-realizados do cineasta.

    Assim, “O homem com a câmera” pode ser visto como o momento em que esse fragmentário diário coletivo encontrou sua mais plena expressão, em uma obra marcada pela colaboração entre Viértov, Elizaviêta Svílova, Mikhail Kaufman e ainda outros cinegrafistas. Não por acaso, o crítico Khrisanf Kherssónski diria, ainda em 1929, que o filme seria “inteiramente autobiográfico para Viértov, tanto em sua trama como em sua linguagem”. Poderíamos acrescentar que, ainda que uma dimensão autobiográfica de fato não estivesse no centro absoluto de sua pesquisa, Viértov conclui uma de suas mais famosas fórmulas cinematográficas com um verbo conjugado na primeira pessoa do singular (VIÉRTOV, 1929): “Montar, extrair com a câmera o mais característico, o mais lógico: organizar os fragmentos extraídos da vida em uma ordem semântica-visual rítmica, em uma fórmula semântica-visual, em um extrato de: VEJO!”.

Bibliografia

    HICKS, Jeremy. Dziga Vertov: Defining Documentary Film. Londres: I.B. Tauris, 2007.
    JAMES, David E. Diário em filme/ Filme-diário: prática e produto em Walden, de Jonas Mekas. In: MOURÃO, Patrícia (org.). Jonas Mekas. São Paulo: USP, 2013, p.165-206.
    MACKAY, John. Dziga Vertov: life and work. Volume 1 (1896-1921). Boston: Academic Studies Press, 2018.
    MICHELSON, Annette. The Man with the Movie Camera: From Magician to Epistemologist. Artforum 10, nº7 (Março de 1972), p.60-72
    PETRIČ, Vlada. Constructivism in Film: The Man with the Movie Camera, a Cinematic Analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
    TSIVIAN, Yuri (org.). Lines of resistance: Dziga Vertov and the Twenties. Pordenone: Le Giornate del Cinema Muto, 2004.
    VIÉRTOV, Dziga. Dziga Viértov. Iz Nasliêdia. Tom 1. Dramaturguítcheski Ópyty. Moscou: Eisenstein-Tsentr, 2004
    VIÉRTOV, Dziga. Dziga Viértov. Iz Nasliêdia. Tom 2. Statí i Vystupliênia. Moscou: Eisenstein-Tsentr, 2008.