Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Alzuguir Gutierrez (USP)

Minicurrículo

    É pesquisadora e professora de cinema. Publicou artigos em revistas especializadas de diversos países. Ministrou cursos em instituições como USP, UFSCar, UNESP e Memorial da América Latina. Durante o doutorado e o pós-doutorado realizou estágios de pesquisa na universidade Stanford (EUA) e no Ibero-Amerikanisches-Institut (Alemanha), com o apoio da FAPESP. Escreveu o livro ”Brecht/cinema/América Latina” (no prelo), resultado de pesquisa de pós-doutorado recém concluída.

Ficha do Trabalho

Título

    Romper a superfície da imagem: Brecht e o cinema

Seminário

    Cinema Comparado

Resumo

    A proposta da comunicação é realizar uma análise de ”O processo dos três vinténs”, mais consistente ensaio sobre cinema do homem de teatro Bertolt Brecht. Trata-se da reflexão elaborada a partir do processo movido contra a produtora que comprara os direitos de adaptação cinematográfica de ”A ópera dos três vinténs”. A proposta aqui é a observação do ensaio no contexto mais amplo das ideias de Brecht e dos debates a respeito do cinema que mobilizaram a intelligentsia literária alemã de então.

Resumo expandido

    A história é conhecida: ao fazer o contrato para adaptação cinematográfica de ”A ópera dos três vinténs”, Brecht havia incluído uma cláusula em que buscava garantir que a versão final do roteiro passasse por seu crivo. Como esta cláusula não foi respeitada, Brecht entra com processo na justiça. A partir disto, publica o texto que considera uma ”experiência sociológica”, envolvendo a indústria cinematográfica, os tribunais e a imprensa. O objetivo é provar que, embora na teoria a justiça defenda o direito à propriedade intelectual, na prática não o faz, pois o capital fala mais alto do que o idealismo da lei. A ironia da situação é que Brecht vai aos tribunais por um direito com o qual ele mesmo não concorda, apenas para provar a discrepância entre a ideologia burguesa e a realidade do capital.
    Quando se inicia o processo, a imprensa confere grande publicidade ao caso, destacando seu caráter histórico – uma publicação afirma tratar-se de um documento de época: a luta entre o ideal de uma obra de arte contra os 800 mil marcos já investidos no filme. Após perder o processo, Brecht entra num acordo com a produtora: ele recebe pagamento pelo trabalho já investido no roteiro, retoma o direito de adaptação da obra após tempo determinado, e se estabelece que o filme deveria ser divulgado como ”versão livre a partir da ópera de Brecht e Weill”, com o que os artistas se eximiam de qualquer responsabilidade sobre a obra cinematográfica. A imprensa reage ao acordo com desapontamento: a impressão geral é a de que, ao não ir adiante com o processo, Brecht teria se deixado comprar. Film-Kurier expressa sua decepção com os artistas, que teriam se revelado ”gente de negócios”, e alerta a imprensa para ser mais cuidadosa ao assumir a defesa de ideais artísticos (apud Bock e Berger, 1978).
    O ”experimento sociológico” de Brecht trata, de acordo com Bürguer (1978), do lugar da arte na sociedade capitalista tardia. Brecht contrapõe o conceito invulnerável de arte alimentado pelo ”humano” ao interesse de uso do capital. A autonomia da arte a nada corresponde na prática: provocado por Brecht, o tribunal assume a tarefa de revelar a nulidade do conceito. Bürguer valoriza a contribuição de Brecht em revelar a autonomia como conceito institucionalizado e a arte como mercadoria. A partir do cinema, Brecht observa o caráter mercadoria de toda arte sem exceção. Para ele, trata-se de um processo progressista por destruir o conceito de arte autônoma, com o que o modo de produção capitalista destrói a própria ideologia burguesa, o que se configura num pré-requisito para o surgimento de uma nova arte. Brecht clama pela necessária superação da arte ”irradiante”
    O texto também pode ser visto como resposta aos debates que a intelligentsia alemã entabulava naquele período a respeito do cinema. De acordo com Heller (1985), ao primeiro momento proletário do cinema os intelectuais alemães reagiram com um misto de recusa e fascínio. Sua relação com o cinema estava atravessada pela crise do papel dos intelectuais na sociedade. Numa postura paternalista, alguns deles viam no cinema uma possibilidade de superação de seu isolamento, um meio de comunicação com as ”massas”. A intervenção de Brecht nos debates da época é uma provocação aos intelectuais, cujas posições se baseavam numa oposição idealista entre espírito e matéria, arte e mercado. Brecht se diferencia dos pensadores de então, que se concentravam na ”essência” do cinema e na busca de uma estética da linguagem cinematográfica, ao colocar seu foco na materialidade da produção e em suas consequências para a arte como um todo (Gersch, 1975).
    A proposta desta comunicação é realizar uma análise de ”O processo dos três vinténs”, mais consistente ensaio sobre cinema do homem de teatro Bertolt Brecht, no contexto mais amplo de suas ideias e dos debates a respeito do cinema que mobilizaram a intelligentsia literária alemã no período da República de Weimar.

Bibliografia

    BOCK, H.M. e J. Berger (Hg) (1978). Photo: Casparius. Berlin: Stiftung Deutsche Kinemathek/Landesbildsstelle Berlin/Berliner Festspiele GMBH/Staatliche Kunsthalle Berlin.
    BRECHT, B. (2005). O processo do filme A ópera dos três vinténs. Porto: Campo das Letras.
    BÜRGER, P. (1978). ”Kunstsoziologische Aspekte der Brecht-Benjamin-Adorno Debatte der 30er Jahre”. In P Bürguer (Hg). Seminar: Literatur- und Kunstsoziologie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, pp.11-20.
    GERSCH, W. (1975). Film bei Brecht. Bertolt Brechts praktische und theoretische Auseinandersetzung mit dem Film. Berlin: Henschel.
    GILES, S. (1998). Bertolt Brecht and critical theory – marxism, modernity and the threepenny lawsuit. Bern: Lang.
    HELLER, Heinz-B. (1985). Literarische Intelligenz und Film. Tübigen: Max Niemeyer Verlag.
    LINDNER, B. (2003). ”Der Dreigroschenprozess”. In J. Knopf (org). Brecht Handbuch v.4. Stuttgart/Weimar: Verlag J.B.Metzler, pp.134-155.