Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim (UFRJ (grupo CNPq))

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação pela UFRJ (com período sanduíche na Universidade Paris 3 sob orientação de Michel Chion) e em Música pela UNIRIO. Pós-doutora em Música pela UFRJ, graduada em Comunicação (habilitações Jornalismo e Cinema) e mestre em Letras pela UFF. Foi professora substituta da Escola de Comunicação da UFRJ e do curso de Cinema da UFF. Autora do livro “A música no cinema de Robert Bresson”, membro do Conselho Deliberativo da SOCINE e coordenadora do GP Cinema da Intercom

Ficha do Trabalho

Título

    Música “nacional” em adaptações de livros brasileiros no Cinema Novo

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Resumo

    Analisamos o uso de música clássica preexistente em “Menino de Engenho” (Walter Lima Jr, 1965) e “Capitu” (Paulo César Saraceni, 1968), ambos adaptações de obras literárias brasileiras, como uma prática estilística do que Claudia Gorbman chamou de “música de autor”. Há nesses filmes do Cinema Novo uma característica nacional quanto ao uso da música, com presença marcante de Villa-Lobos em “Menino de Engenho”, e, em “Capitu”, constrói-se um panorama de diversos compositores brasileiros.

Resumo expandido

    O Cinema Novo brasileiro tinha, entre seus objetivos, revelar um Brasil não apresentado costumeiramente nas telas e a realização de filmes que não tivessem como modelo Hollywood, empregando uma “estética da fome”. Na temática, isso se deu muito com filmes sobre populações rurais do Nordeste brasileiro. No caso da música, usa um procedimento estilístico comum aos anos 60 (presente na Nouvelle Vague, por exemplo – ver Alvim, 2017a; ver também Hubbert, 2014): o emprego frequente de música preexistente. Há um lado prático nisso: não seria necessário pagar toda uma orquestra e, muitas vezes, como o nome das peças não era indicado, nem mesmo a gravadora.
    Retomando o conceito de Claudia Gorbman (2007) de “música de autor”, gostaríamos de discutir a música como um todo dos filmes “Menino de Engenho” (Walter Lima Jr, 1965) e “Capitu” (Paulo César Saraceni, 1968) como passível de ser enquadrada no conceito. Para Gorbman (2007), uma das características da “música de autor” é ser escolhida pelo diretor do filme de acordo com seu gosto musical. Gorbman parte do conceito e cria uma lista de diretores melômanos do cinema contemporâneo, porém, tal lógica de controle sobre a música (por exemplo, com uso de obras preexistentes entre outros procedimentos) já existia no Cinema Moderno, como observado pela autora em artigo anterior.
    Os dois referidos filmes fazem parte de um momento do Cinema Novo em que os diretores, diante da dificuldade de público e com a situação política de ditadura militar, passaram a realizar adaptações literárias, privilegiando, segundo seu ideário, obras clássicas da Literatura brasileira, como é o caso dos livros de José Lins do Rego e de Machado de Assis, em que se baseiam os filmes de Lima Jr e Saraceni, respectivamente. Mais ainda, observamos que a trilha musical de “Capitu” é feita com obras de compositores clássicos brasileiros, como que fazendo um “panorama nacional”, além da presença marcante de obras de Villa-Lobos (compositor de faceta nacionalista) em “Menino de engenho”.
    No caso de Walter Lima Jr, a posição do diretor em relação à música de filme é mais clara que a de Saraceni. Embora considerado de uma “segunda geração” de diretores do Cinema Novo (CARVALHO, 2009), Lima Jr foi assistente de Glauber Rocha em “Deus e o diabo na terra do sol” (1964), e foi quem teria sugerido a Glauber a inclusão das peças de Villa-Lobos no filme, contribuindo para construir toda uma “alegoria da pátria” (GUERRINI JR, 2009). Lima Jr vem de uma família de músicos amadores e disse que gostaria de ser músico se não fosse cineasta (GUERRINI JR, 2009). Em “Menino de engenho”, além da predominância de Villa-Lobos, há música de Alberto Nepomuceno, compositor também considerado “nacionalista”, e canções originais de Pedro Santos, cuja letra foi escrita pelo próprio Walter Lima – algo, para Gorbman (2007), característico de uma postura autoral. As músicas entram repentinamente no filme e, por vezes, finalizam sequências, com cortes bruscos, semelhantemente ao estilo dos filmes de Godard.
    No caso de Capitu, há um maior panorama de “música clássica brasileira”, só com peças preexistentes e incluindo composições do Padre José Maurício, Joaquim Manoel da Câmara, Elias Álvares Lobo, Carlos Gomes, Villa-Lobos e Lorenzo Fernandes. Encontramos as peças dos compositores da época de D. João (José Maurício e Joaquim Manuel) e de Pedro II (Álvares Lobo) numa série de discos produzidos em 1965. O uso estilístico no filme é semelhante ao de Menino de Engenho. Já a peça de Carlos Gomes é ouvida num momento-chave do filme, em performance diegética. Embora na primeira vez em que Saraceni usou música de Villa-Lobos, em “Arraial do Cabo” (1959), a ideia tenha sido de Mário Carneiro (ALVIM, 2017b), o diretor voltou a utilizar peças do compositor em “O desafio” (1965) e volta a fazê-lo em “Capitu”.

Bibliografia

    ALVIM, L. A música clássica preexistente no cinema de diretores da Nouvelle Vague – anos 50 e 60. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2017a.
    ______. Música e som em três documentários brasileiros curta-metragem de 1959: nacionalismos, tradição, modernismos e identidade brasileira. Doc On-Line, v.22, 2017b.
    CARVALHO, M. do S. Cinema Novo Brasileiro. In: MASCARELLO, F. (org.) História do Cinema Mundial. 5. ed. Campinas: Papirus, 2009.
    GORBMAN, C. Auteur music. In: GOLDMARK, D.; KRAMER; L., LEPPERT, R. (Org.). Beyond the soundtrack: representing music in cinema. Los Angeles: University of California Press, 2007.
    GUERRINI JR, I. A música no cinema brasileiro: os inovadores anos sessenta. São Paulo: Terceira Margem, 2009.
    HUBBERT, J. The Compilation Soundtrack from the 1960 to the Present. NEUMEYER, D. (Ed.). The Oxford Handbook of Film Music Studies. Oxford: Oxford University Press, 2014.

    Discos: “Música na corte Brasileira” (4 volumes), 1965