Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Mariana Ferreira Valentin da Silva (CEFET-MG)

Minicurrículo

    Mariana Ferreira Valentin da Silva é mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens (POSLING) do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) com bolsa DPPG-CEFET-MG. Possui graduação em Letras (Tecnologias de Edição) pelo CEFET-MG (2018). Atualmente desenvolve pesquisa sobre as obras dos diretores Wim Wenders e Yasujiro Ozu sob orientação da Profa. Dra. Mírian Sousa Alves na Linha I – Literatura, Cultura e Tecnologia do POSLING.

Ficha do Trabalho

Título

    A sobrevivência dos vaga-lumes na cidade: uma análise de Tokyo-ga

Resumo

    Este trabalho explora as reflexões construídas em Tokyo-ga (1985), de Wim Wenders, sobre a permanência de imagens genuínas no mundo moderno visualmente saturado. Contrastando as ideias apresentadas no filme com as teorias de Pier Paolo Pasolini e Georges Didi-Huberman, nota-se que o trabalho da construção do espaço imagético de Tokyo-ga conecta as potências de Ozu a Wenders e mantém imagens que sobrevivem ao mundo da reprodutibilidade.

Resumo expandido

    Lançado em 1985, após o aclamado longa Paris, Texas (1983), o filme Tokyo-ga (1985) é um diário cinematográfico no qual o diretor alemão Wim Wenders apresenta uma jornada de quinze dias à cidade de Tóquio, Japão. Nessa viagem, o cineasta inicia uma busca às imagens de Tóquio mostradas nos filmes do grande mestre do cinema japonês Yasujiro Ozu. Através do seu “diário de viagem”, Wenders defende que nunca antes o cinema esteve tão perto da sua essência e do seu propósito: “apresentar uma imagem utilizável, verdadeira e válida do homem em nosso século, na qual ele pode não apenas reconhecer a ele mesmo, mas a partir da qual, acima de tudo, ele possa aprender sobre ele mesmo” (TOKYO-GA, 1985).

    Durante a viagem, Wenders encontra um amigo, o cineasta Werner Herzog, no topo da Torre de Tóquio. Enquanto todos ao seu redor observam a vista da cidade através de grandes lentes, Herzog conversa com Wenders e afirma que “imagens verdadeiras” quase não são mais possíveis ali, pois Tóquio estava invadida por prédios e, para conseguir novas imagens, era necessário procurar bem, talvez longe dali, em lugares de difícil acesso para o diretor estrangeiro.

    A tensão que Wenders e Herzog percebem na busca por “imagens verdadeiras” numa cidade saturada de informações visuais pode ser interpretada a partir da resistência presente nos lampejos dos vaga-lumes que Didi-Huberman defende em Sobrevivência dos vaga-lumes (2011). Ao retomar as luzes na obra de Dante, Didi-Huberman explica a diferença entre a grande luz (luce) paradisíaca e as pequenas luzes (lucciole) na vala infernal. Enquanto a luce é, no paraíso, a grande luz que “se expandirá por toda parte em sublimes círculos concêntricos: será uma luz de cosmos e de dilatação gloriosa.” (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 12), os lucciole são as pequenas luzes que, no inferno, vagam fracamente, “como se uma luz pudesse gemer – numa espécie de bolsão sombrio.” (p. 12). Em uma releitura moderna, as imagens genuínas que resistem ao mundo saturado da reprodutibilidade são lucciole, pequenas luzes vaga-lumes. As lucciole são imagens que sobrevivem aos tempos difíceis de guerra, tirania, fascimo, intolerância e saturação visual do mundo capitalista, são imagens que carregam a resistência de um grupo e sua cultura.

    Em Tokyo-ga, através das sequências capturadas na cidade, Wenders apresenta imagens críticas que estimulam o espectador a refletir sobre as aproximações e os distanciamentos culturais entre o Japão e o Oeste, imagens pensantes, imagens que transformam a percepção sobre a resistência à invasão cultural estadunidense. Wenders utiliza recursos da linguagem cinematográfica para apresentar suas reflexões em uma forma de filme-ensaio, sem se prender aos formatos tradicionais dos documentários ou dos longas de ficção.

    O ensaio visual em Tokyo-ga é guiado pela voiceover do diretor que convida o espectador a contemplar as imagens do Japão nos anos 80 sem a pretensão de dar palavras finais sobre a cultura japonesa e ciente de seu olhar ocidental. Além disso, Wenders incorpora as imagens de Era uma vez em Tóquio (1953), de Yasujiro Ozu, em seu filme sem nunca tentar imitar as conhecidas composições de quadro ou o ângulo fixo da câmera parada das obras do diretor japonês. Com um movimento de câmera, as imagens de Tokyo-ga muitas vezes parecem ter sido capturadas através de uma câmera de mão, instável, ágil, mas precisa em seus movimentos.

    Como ao capturar vagões de trem em movimento, os paralelos visuais criados por Wenders não pretendem copiar a obra de Ozu a fim de imitar seus efeitos na história do cinema, mas sim de reforçar a potência das imagens que sobrevivem, se movimentam e se transformam em outras luzes de saber vaga-lume. A simbologia do trem em movimento, tão marcante em toda a história do cinema, transporta os espaços da cidade de Tóquio em épocas distintas e, nessa transposição, une as imagens lucciole de Wenders e Ozu.

Bibliografia

    AMORE e rabbia. Direção de Marco Bellocchio, Bernardo Bertolucci, Jean-Luc Godard, Carlo Lizzani, Pier Paolo Pasolini e Elda Tattoli. Produção de Carlo Lizzani. Roma/Paris: Castoro Film, Anouchka Film, 1969. 102 min. son. color.

    BERGALA, A. O homem que se levanta. In: NAGIB, L.; PARENTE, A. Ozu: O extraordinário cineasta do cotidiano. São Paulo: Marco Zero, 1990.

    DIDI-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

    CORRIGAN, T. O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas, SP: Papirus, 2015.

    MACHADO, A. O Filme-Ensaio. Concinnitas, Rio de Janeiro, ano 4, v. 2, n. 5, p. 63-75, dez. 2003.

    PASOLINI, P. P. O artigo dos vaga-lumes. In: Escritos corsários. São Paulo: Editora 34, 2020

    TOKYO-GA. Direção de Wim Wenders. Produção de Chris Sievernich e Wim Wenders. Alemanha Ocidental: Wim Wenders Stiftung, Gray City, Chris Sievernich Filmproduktion, 1985. 85 min. son. color.