Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Hanna Henck Dias Esperança (UFSCar)

Minicurrículo

    Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Com apoio da bolsa CAPES, produziu a dissertação “Diretoras brasileiras e a representação da mulher em documentários dos anos 1980”. O intuito da pesquisa é estimular os estudos ainda incipientes acerca da produção de curtas e médias-metragens documentais realizados por mulheres no Brasil. Bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar).

Ficha do Trabalho

Título

    A mulher prostituta no documentário “Mulheres da Boca” (1982)

Seminário

    Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva

Resumo

    A comunicação tem como proposta discutir o documentário curto “Mulheres da Boca” (1982), dirigido por Cida Aidar e Inês Castilho. O filme tem como temática as prostitutas localizadas no centro de São Paulo, região que abrigava, na época, tanto a chamada “zona do meretrício” quanto o polo cinematográfico da Boca do Lixo. Assim, o documentário relaciona e transita entre a performance característica da prostituição e o universo ficcional do cinema da Boca.

Resumo expandido

    Com o processo de redemocratização no final dos anos 1970 e início da década de 1980, diversos movimentos sociais puderam se reorganizar politicamente em torno das suas pautas específicas. Foi nesse período transicional que as mulheres encontraram espaço para discutir e reivindicar objetivos particularmente feministas, ao mesmo tempo que:

    “outras forças sociais adquirem visibilidade no país, trazendo, com maior expressão, a defesa […] dos direitos sexuais e a interseccionalidade entre gênero e raça para a área pública, ressaltando essas pautas na agenda política do país. […] Após anos de divórcio entre a sociedade civil e o estado, a agenda dos direitos humanos e da igualdade das mulheres já não ecoava tão somente nas ruas, posto que feministas davam um primeiro passo em direção ao estado…” (PITANGUY, 2019, p. 84)

    Para a socióloga Jacqueline Pitanguy, o contexto privilegiou a atuação e articulação entre o movimento das mulheres e o Estado, resultando, em 1985, na criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), órgão federal autônomo que tinha como intuito assegurar os direitos femininos na nova Constituição. As demandas do CNDM abrangiam o acesso da mulher rural à titularidade de terras, a gratuidade dos métodos contraceptivos, a discriminação das estatísticas por sexo, raça e cor, além da criação de delegacias e albergues especializados. (PITANGUY, 2019) Esses são apenas alguns exemplos que refletiam o engajamento ativo dos grupos feministas com outros grupos sociais, como parte da compreensão da vivência feminina como algo plural e multifacetado, que abarcava mulheres fora do escopo branco de classe média. Assim, o período da década de 1980 envolve um primeiro passo à legitimação de outras vivências junto às políticas públicas e ao âmbito da representação, incluindo aquelas de figuras marginalizadas. Nesse sentido, a comunicação proposta tem como objetivo se debruçar sobre a análise do documentário “Mulheres da Boca” (Cida Aidar e Inês Castilho, 1982), curta-metragem que se insere no contexto aqui exposto por trabalhar a temática da mulher marginalizada através da prostituta. O filme, ao focar na prostituição ainda no início dos anos 1980, se articula a um movimento que dava seus primeiros passos em direção à visibilidade midiática e política, já que, como afirma Aparecida Fonseca Moraes (2020), foi apenas no fim da década que novas ideias sobre a prostituta passaram a circular nos meios de comunicação, nas organizações governamentais e no meio acadêmico e artístico. Ainda assim, Moraes atenta para o horizonte político e simbólico instaurado no processo de redemocratização do país, que permitiu que a discussão acerca da prostituição avançasse. Para ela, é preciso considerar “a diversificação das lutas pelo reconhecimento de direitos sexuais e, principalmente, a articulação dessas lutas com a reorganização de movimentos homossexuais e com a manifestação de novas identidades coletivas”. (MORAES, 2020, p. 257)
    É na chave de visibilizar uma percepção mais complexa da prostituta que o documentário de Aidar e Castilho se desenvolve. Na zona do baixo meretrício do centro de São Paulo, onde também se localizava o polo de produção cinematográfico da Boca do Lixo, “Mulheres da Boca” traça um paralelo entre o universo da prostituição e os filmes eróticos da Boca, permitindo uma desmitificação, através de uma estratégia que mistura realidade e ficção, dos estereótipos que envolvem a figura das prostitutas, enquanto também faz denúncias contundentes acerca da condição exploratória e violenta que elas vivenciam em seu cotidiano.

Bibliografia

    ABREU, Nuno Cesar de. Boca do Lixo: cinema e classes populares. 2002. 808 f. Tese (Doutorado em Multimeios) – UNICAMP, Campinas.
    GAMO, Alessandro; MELO, Luís Alberto Rocha. Histórias da Boca e do Beco. In: RAMOS, Fernão Pessoa; SCHVARZMAN, Sheila (Orgs.). Nova história do cinema brasileiro: Volume 2. São Paulo: Edições Sesc, 2018.
    GASPAR, Maria Dulce. Garotas de programa: um estudo sobre prostituição e identidade social. 1984. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – UFRJ, Rio de Janeiro.
    MORAES, Aparecida. Gabriela Leite e mudanças nas práticas discursivas sobre prostituição no Brasil. Estudos Históricos, n. 33, n. 70, p. 254-279, 2020.
    PASINI, Elisiane. Limites simbólicos corporais na prostituição feminina. Cadernos Pagu, v. 14, p. 181-200, 2000.
    PITANGUY, Jacqueline. A carta das mulheres brasileiras aos constituintes: memórias para o futuro. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.). Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2019.