Seminários Temáticos para o triênio 2020-2022

Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Resumo

    Este seminário pretende explorar a multidisciplinaridade da Direção de Arte dentro do audiovisual, percebendo este campo como condensador de diversas outras matérias como arquitetura, artes visuais, teoria das cores, semiótica, dentre outras. Considerando a abrangência da direção de arte, pensamos em sua presença enquanto cenário, figurino, paisagem, ambiente sensorial e as mais diversas materialidades da imagem no cinema, no audiovisual, e nas modalidades denominadas cinema expandido. A nossa proposta está focada em compreender a importância da direção de arte na criação das atmosferas, os aspectos sensoriais provocados pelos elementos materiais e visuais, a contribuição para o desenvolvimento da narrativa, construção dos personagens e dos ambientes, revelar suas materialidades e destacar impactos da paisagem e dos ambientes na narrativa e suas relações com os corpos, tanto os imersos no espaço fílmico, quanto os imersos nos espaços espectatoriais.

Introdução

    Praticamente inexistente nos créditos da cinematografia nacional até meados dos anos 1980, sendo El Justicero (Nelson Pereira dos Santos, 1967) a primeira produção mapeada, a direção de arte apresenta-se atualmente como um campo de trabalho consolidado no Brasil. As especialidades envolvidas na atividade são diversas e sua formação é multidisciplinar. Intrinsecamente ligada à estrutura de produção de cinema em moldes industriais, a prática da direção de arte se consolida de formas diversas de acordo com arranjos regionais e configurações particulares dos mercados de produção. A despeito da sua grande importância na estruturação material (espacial e visual) ao nível profílmico da imagem, a área da direção de arte historicamente recebeu pouquíssima atenção por parte, tanto da crítica, quanto dos estudos cinematográficos, como apontam Charles e Mirella Affron no livro Sets in Motion (1995). Gradativamente, tanto no Brasil como no cinema mundial, a direção de arte passa a ser notada não apenas no cinema comercial, onde ela é mais evidente, mas de forma abrangente, também em produções independentes, autorais e experimentais. A direção de arte pode evidenciar conteúdos latentes nos roteiros (eventualmente até agregando questões não previstas originalmente), usando conceitos de semiótica, simbologia, fundamentos da linguagem visual, produção de presença e afetos, ajudando na materialização do roteiro em universos diegéticos, proporcionando experiências sensíveis e contribuindo para a construção das atmosferas no cinema. No contexto dos estudos acadêmicos observa-se uma escassa produção nacional que observe de forma específica os aspectos inerentes ao que se compreende por direção de arte no cinema e no audiovisual. Diante da importância deste campo para a construção da imagem, e seguindo o exemplo de outras associações de pesquisadores pelo mundo, esse grupo, cujas linhas de pesquisa permeiam o universo da direção de arte, observou a necessidade de criar um seminário temático específico, visando gerar um ambiente de troca e construção de conhecimento dentro da área. Visto que, durante anos, as pesquisas em direção de arte foram sendo dissolvidas em outros seminários sem grandes diálogos, e que desde 2016 sucessivas proposições de mesas pré-constituídas dedicadas à direção de arte encontraram público nos Encontros da SOCINE, ressaltando que no último encontro (2019) foi possível constituir duas mesas com público fiel e interessado pelo diálogo e visibilidade da direção de arte. Diante disso, defendemos essa proposta, entendendo a SOCINE como um espaço articulador fundamental no apoio à constituição deste que é um campo em expansão no Brasil. Sob a abrangência dos estudos de direção de arte uma nova perspectiva de análise audiovisual poderá dialogar com o amplo conjunto de reflexões que ocorrem na Sociedade. Da mesma forma, a criação de tal espaço tende a contribuir significativamente com a práxis do campo, criando um ciclo virtuoso de prática e reflexão.

Objetivo

    Pensar a produção audiovisual sob a perspectiva da direção de arte.
    Observar o campo da direção de arte, do ponto de vista histórico, técnico e estético.
    Contribuir para o aprofundamento acerca do estatuto da função e sua consolidação no cinema brasileiro.
    Contribuir com reflexões de base científicas para a ampliação de referenciais teóricos para as cadeiras acadêmicas de direção de arte em Cinema e Audiovisual.
    Demonstrar a participação da Direção de Arte na construção da imagem.
    Identificar os limiares das funções no pró-filmico.
    Compreender a importância da direção de arte na criação da atmosfera filmica.
    Observar os aspectos sensoriais provocados pelos elementos visuais e materiais e sua
    contribuição para o desenvolvimento da narrativa, construção dos personagens e dos ambientes.
    Observar a relação entre os ambientes, as paisagens e os corpos.
    Analisar os objetos e seus aspectos semióticos, narrativos e afetivos.

Aspecto

    Metáforas visuais, caracterização dos personagens, ambientes que se transformam narrativamente, cenografia, texturas, cores e paisagens são algumas das possibilidades utilizadas pela direção de arte para desempenhar sua função de suporte da narrativa. “O ambiente é não apenas o espaço em que se passam as ações do filme como também um conjunto de mensagens que contribuem para a construção de uma personalidade e de uma situação, um mapa cujos conteúdos ajudam o espectador a entender quem são aquelas pessoas e o que vivem, mesmo que não se lembre dos detalhes que compõem o cenário ou sequer reparem neles. É a ambientação que traz informações sobre quem habita aquele espaço, seus gostos, qual estrutura familiar e a classe social em que se insere. O mobiliário e os objetos que habitam um determinado lugar se estruturam de maneira simbólica e subjetiva. São uma sobreposição de tempos, afetos e memórias, vestígios de quem nele mora. Penso que fazer um cenário é um trabalho de invenção cartográfica.” (JUNQUEIRA, Thales in BUTRUCE, Débora; BOUILLET, Rodrigo. 2017, p.151). Inicialmente, pensando em conceituar a direção de arte, pode-se dizer que: “Quando falamos em direção de arte, estamos referindo-nos à concepção do ambiente plástico de um filme, compreendendo que este é composto tanto pelas características formais do espaço e objetos quanto pela caracterização das figuras em cena. A partir do roteiro, o diretor de arte baliza as escolhas sobre a arquitetura e os demais elementos cenicos, delineando e orientando os trabalhos de cenografia, figurino, maquiagem e efeitos especiais. Colabora, assim, em conjunto com o diretor e diretor de fotografia, na criação de atmosferas particulares a cada momento do filme e na impressão de significados visuais que extrapolam a narrativa.” (HAMBURGER, Vera. 2014, p.18). O campo de estudos específico da direção de arte é escasso, tendo em vista os estudos de cinema e audiovisual no Brasil. Com a ampliação dos cursos de pós graduação em cinema e audiovisual, nota-se o aumento da direção de arte como objeto de pesquisa. Evidenciam-se as pioneiras dissertações de Luiz F. Pereira, “A direção de arte: construção de um processo de trabalho” (USP, 1993), Debora Butruce “A Direção de Arte e a Imagem Cinematográfica: Sua inserção no processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990” (UFF, 2005) e Elizabeth Jacob “Um lugar para ser visto: a direção de arte e a construção da paisagem no cinema” (UFF, 2006), que também defendeu a tese “Espaço e visualidade: a construção da imagem em Luiz Carlos Ripper” (UNIRIO, 2009). Já em obras publicadas no Brasil, olhares que privilegiam a direção de arte se resumem a poucos títulos, dentre eles: “Arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro”, Vera Hamburger, 2014, “Design e Linguagem Cinematográfica: Narrativa Visual e Projeto”, de Ludmila A. Machado, 2012 e “Direção de Arte e Transmidialidade”, organizado por Kátia Maciel e Amaury Fernandes, 2018. Igualmente importantes para a difusão do campo foram as mostras organizadas na Caixa Cultural – RJ: “Cenógrafos de Cinema”, 2007, com catálogo editado por Débora Butruce e “A Direção de Arte no Cinema Brasileiro”, 2017, idealizada por Butruce, juntamente com Rodrigo Bouillet. No exterior, apesar deste campo já se encontrar um pouco mais desenvolvido, a bibliografia disponivel é composta, em sua maioria, por abordagens históricas do exercécio da função e da trajetória de seus principais profissionais, relatos ilustrados de produções, ou manuais sobre a prática da atividade, cujo título paradigmático é “The Filmmaker’s Guide to Production Design”, Vincent LoBrutto (2002). Para além desse material, que não se aprofunda em questões teóricas nem dialoga com os estudos cinematográficos, algumas propostas de teorização do campo da direção de arte são os livros: “Production Design in the Contemporary American Cinema” de Bervely Heisner (2004), que reflete sobre a contribuição da direção de arte na narrativa fílmica; “Sets In Motion”, de Charles e Mirella Jona Affron (1995), que propõe a existência de diferentes nuances na construção do discurso filmico; e “Pretty Pictures: Production Design and the History Film”, de Charles Tashiro (1998), que propõe a direção de arte como composta por círculos afetivos que se expandem a partir dos corpos em cena. Abordagens teóricas contemporâneas têm evidenciado a importância de se examinar a dimensão afetiva e o engajamento sensorial da experiência diante da obra audiovisual, como aponta Vivian Sobchack, que agrega uma abordagem fenomenológica aos seus estudos cinematográficos. (SOBCHACK, 2004: 55 apud ELSAESSER; HAGENER, 2018: 133). Na esteira de tais preocupações, pensamos a direção de arte como matéria multidisciplinar, atravessada por aspectos estéticos, imagéticos e sensíveis, cuja contribuição para a narrativa fílmica e seus desdobramentos sensoriais e afetivos refletem na relação entre espectadores e a materialidade das imagens.

Bibliografia

    AFFRON, Charles; AFFRON, Mirela Jona. Sets in motion: art direction and film narrative. New Brunswick, New Jersey: Rutgers University Press, 1995.
    BARSACQ, Leon. Le décor du film: 1985-1969. Paris: Henri Veyrier, 1985.

    BUTRUCE, Débora Lúcia Vieira. A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação em Comunicação, Imagem e Informação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.

    BUTRUCE, Débora; BOUILLET, Rodrigo (orgs.). A direção de arte no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2017

    ELSAESSER, Thomas; HAGENER, Malte. Teoria do cinema: Uma introdução através dos sentidos. Campinas, SP: Papirus, 2018.

    FERNANDES, Amaury; MACIEL, Kátia Augusta. Direção de Arte e Transmidialidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2018.

    GIL, Inês. A atmosfera no cinema: O caso de A Sombra do Caçador de Charles Laughton entre onirismo e realismo. Braga: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.

    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, Stimmung: Sobre um potencial oculto da literatura. Rio de Janeiro: Contraponto: Editora PUC Rio, 2014.

    HAMBURGER, Vera. Arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro. São Paulo: Ed. SENAC e Edições Sesc, 2014.

    HEISNER, Bervely, Production Design in the Contemporary American Film. A Critical Study of 23 Movies and Their Designers. North Carolina: McFarland, 2004

    JACOB, Elizabeth M. Um Lugar para Ser Visto: a direção de arte e a construção da paisagem do cinema. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2006.

    JACOB, Elizabeth M. ESPAÇO E VISUALIDADE:A construção plástica do Brasil na obra cinematográfica de Luis Carlos Ripper, Tese de Doutorado, Universidade do Rio d Janeiro, 2009.

    TASHIRO, C. S. Pretty Pictures: Production Design and the History Film. Austin: University of Texas Press, 1998.

    SANTOS NETO, Benedito Ferreira dos. Três reflexões sobre a direção de arte no cinema brasileiro. 2019. 138 f. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Visual) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.

Coordenadores

    Iomana Rocha de Araújo Silva
    Nívea Faria de Souza
    Elizabeth Motta Jacob