Seminários Temáticos para o triênio 2020-2022

Cinema e Educação

Resumo

    Esta re-proposição emerge do fortalecimento e proliferação de práticas e pesquisas em torno da pedagogia das imagens, que atravessam diferentes áreas do conhecimento, territórios plurais, saberes diversos e tem estado presente nos encontros do seminário de Cinema e Educação do último biênio. Cinema e educação são expansões para além da escola, para além da projeção em sala escura. Cinema e educação se aproximam pelo que potencializam na criação de processos subjetivos, convocando sempre um gesto ético, estético e político. Isso porque a política se ocupa do que nos afeta, de como sentimos e do que pode ser experimentado, logo, de modos de ser e viver, de construção de relações e subjetividades. Neste sentido, o seminário visa potencializar o intercâmbio de trabalhos, práticas, experimentações com as imagens, com metodologias e dispositivos de engajamento consigo e com o real, formativas de singularidades, inventivas de mundos.

Introdução

    O entendimento de que a imagem é um modo de pensamento e veículo de uma inteligência sempre esteve presente na teoria do cinema. O cinema pensa o mundo. E nessa afirmativa talvez esteja a central justificativa para a realização de um seminário de trabalho na relação entre cinema e educação.
    Tomamos o pensamento não como um atributo mental, mas sensível, que atravessa o corpo. Poderíamos dizer que esse conhecimento que se corporifica é uma experiência, uma sabedoria que não se dá na lógica da razão, da consciência, mas de uma herança cultural. No entanto, desde a modernidade Benjamin já alertava para um outro tipo de experiência que o autor denomina como vivência, distanciando-se da anterior, que é baseada nas narrativas tradicionais e na oralidade (BENJAMIN, 2012).
    Nas vivências contemporâneas predominam a fragmentação e a instantaneidade, tendo como consequência o desconhecimento de nossas histórias, de nossas imagens, de nossa produção cultural e cinematografia, ou seja, de nossa memória (DUARTE, 2009). Como atuar com cinema e educação nesse contexto?
    Entendemos aqui o cinema e a educação em sentido amplo. O cinema não está restrito à arquitetura da sala escura, ele transita alterando os modos habituais de ser espectador, transformando a ambiência e as relações do espaço aonde chega. Hoje, com o maior acesso a dispositivos móveis de comunicação e funções audiovisuais, todos somos potenciais produtores de imagens. Cinema é um encontro, é um dispositivo, é memória.
    A educação igualmente não se limita aos muros das escolas e instituições formais de ensino, se apresenta para nós como uma experiência fundamentalmente de possibilidade de afirmação da igualdade entre os sujeitos, suas inteligências e potências de aprendizagem, tal como a experiência do cinema (RANCIÈRE, 2011).
    Ao longo dos últimos anos o Seminário vem reunindo trabalhos que permitem pensar de que maneira o cinema atravessa processos subjetivos, convocando sempre um gesto ético e político a cada exibição de filmes ou produção de imagens. São comunicações que se aproximam metodologicamente na hipótese de uma pedagogia das imagens e/ou da autonomia e emancipação, por meio da criação com o cinema, afirmando singularidades e diversidades (FREIRE, 1996).
    Portanto, é fundamental darmos continuidade às reflexões sobre os trabalhos com imagens e sons que tocam estudantes de níveis e cursos variados, indígenas, trabalhadores do campo, comunidades quilombolas; e que articulem estratégias para a implementação da lei 13.006 acerca do cinema nacional na Educação Básica, bem como as ações na educação não-formal, instituições ligadas à saúde pública e de centros culturais. O Seminário é um ponto de encontro das práticas e saberes para o desenvolvimento da Rede KINO (Rede Latino Americana de Educação, Cinema e Audiovisual).
    É na articulação e indissociabilidade dos domínios pedagógicos, estéticos e políticos, com a imagem para além da sala de aula, que se encontra nossa defesa deste Seminário.

Objetivo

    ● Manter-se como um seminário de referência para metodologias, análises, práticas e experimentações com cinema e audiovisual em contextos ampliados de educação e pedagogias;
    ● Construir uma rede de intercâmbio e aprendizagem com cineastas, pesquisadores, professores, educadores audiovisuais que atuam em diferentes territórios com o cinema, atravessados pela pedagogia das imagens, com metodologias e dispositivos de engajamento consigo e com o real, formativas de singularidades, inventivas de mundos;

    ● Contribuir para consolidação das pesquisas e práticas em cinema-educação no Brasil e na América Latina, especialmente, no cruzamento dos caminhos da Rede KINO (Rede Latino Americana de Educação, Cinema e Audiovisual).

Aspecto

    A multiplicidade dos meios de produção, distribuição e circulação audiovisual na sociedade moderna contribuíram para a expansão do “objeto cinema”, fazendo com que não tenhamos uma única definição do que outrora reconhecíamos como “sétima arte”. Amount e Marie (2012) propõem algumas: substituto do olhar; linguagem; escrita; pensamento; manifestação de afeto; simbolização do desejo; arte. Dentre estas, Fresquet (2013) aponta que a perspectiva do cinema como arte é a mais ausente no campo da educação.
    Nesse contexto, Bergala (2008), crítico, produtor e professor de cinema, na condição de consultor de um projeto de educação artística e cultural para as escolas francesas no início dos anos 2000, propôs uma metodologia para aprendizagem do cinema focada no gesto de criação. A “pedagogia da criação” de Bergala conjuga um olhar de espectador para as imagens em movimento juntamente com a análise criativa do que se vê. Trata-se de estabelecer uma relação estética com o filme compartilhando não apenas as emoções de personagens, mas as de seu criador, o que favorece a abordagem do filme como um processo de criação quando se contempla e quando se cria.
    É preciso reconhecer as contribuições que a metodologia da pedagogia da criação e seus principais dispositivos tiveram para a área de Cinema-Educação no Brasil, no desenvolvimento de variados grupos de pesquisa, práticas, oficinas etc. As proposições e provocações de Bergala, impulsionaram novos dispositivos criados por professores, oficineiros, pesquisadores. E novas perspectivas de diálogo também.
    A metodologia de Bergala para o cinema, por exemplo, encontra pontos de convergência nos estudos e propostas brasileiras de arte/educação, especialmente no que tange à Abordagem Triangular de Barbosa (2012) e às ações de ver, contextualizar e fazer. Ainda que com diferentes nomes, proporcionar momentos de visualização/apreciação, leitura/análise e fazer/criação são etapas presentes nas duas propostas. Em ambos os casos, a percepção da imagem (fixa ou em movimento) e a experiência de seu fazer são possibilidades de experiências formativas estéticas.
    Seguindo o movimento dessa tríade de ações com a criação/cinema/educação, vale destacar, não exaustivamente, mas para fins de análise, três perspectivas de desdobramentos dos trabalhos em cinema-educação atualmente, que conectam os trabalhos dos coordenadores proponentes deste seminário e também grande parte das pesquisas na área: 1) a exibição; 2) o fazer cinematográfico; 3) a pesquisa.
    Em primeiro lugar, podemos falar do acontecimento fílmico. Da experiência de sua exibição na construção de uma comunidade de cinema, quando pensamos em termos de curadoria do que exibimos, e de que ordenamentos do espaço e do tempo os filmes nos oferecem. Um olhar neste sentido aponta uma abordagem pedagógica da experiência do ver junto e o que ela envolve em termos de partilhar um sensível comum, formação de um novo sensorium, experiência potencialmente capaz de criar novos afetos, novos corpos, destruir modelos de verdade e construir novas verdades. Como diria Chimamanda Adichie, contrapondo-se ao perigo da história única (2009). Assim, aquilo que se exibe e a experiência de ver é em si uma dimensão política, educativa, formativa, porque construtora de subjetividade (DELEUZE, 2005; SAFATLE, 2015).
    No caso das oficinas e/ou projetos que desenvolvem práticas de criação com as imagens em movimento destacamos uma abordagem do fazer cinema e o que ela envolve em termos de pessoas e mundos que foram invisibilizados e que podem ou não serem vistos, histórias que foram deturpadas e podem ou não serem contadas, imaginários e realidades a serem forjadas, subjetividades que se agenciam e que se afirmam nesse fazer na criação de uma educação/de um cinema contra hegemônico, decolonial, transgressor, feminista (hooks, 2013).
    No último caso, o que tem acontecido é um número crescente de trabalhos que no contato cinema-educação, adotam um fazer cartográfico, tal como no documentário, no risco do real, na tentativa de se aproximar da relação cinema-educação além da perspectiva recognitivista da aprendizagem – que não é da ordem da causa-efeito, sujeito-objeto, mas de afetações em processos imprevisíveis, que o exercício cartográfico tem se mostrado o mais apropriado (MIGLIORIN, 2015; KASTRUP, PASSOS, 2012).
    Assim, em uma abordagem “teleológica” das metodologias, arriscamos dizer que a pesquisa em educação tem aprendido muito com o cinema e os cineastas, assim como o cinema e os cineastas têm aprendido com educadores audiovisuais de variadas áreas, no que se refere a ousadia, autonomia, valentia nos modos “marginais” de realização cinematográfica, que abrem processos subjetivos até então estagnados, na desconstrução e decolonização do pensamento, das imagens, “ficções visionárias”, de um modo “certo” de realizar e construir conhecimento com o cinema, alternativas, perturbações, fabulações de outro mundo possível (MOMBAÇA, 2017).

Bibliografia

    ADICHIE, Chimamanda. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

    AUMONT, J. & MARIE, Michel. Dicionário teórico crítico de cinema. 5˚ edição, Campinas, SP: Papirus, 2012.

    BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 2012.

    BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 2012.

    BERGALA, Alain. A Hipótese-Cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Booklink; CINEAD-LISE-FE/UFRJ, 2008.

    DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. Tradução de Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2005.

    DUARTE, Rosália. Cinema e Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

    FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

    FRESQUET, A. Cinema e Educação: reflexões e experiências com estudantes de educação básica, dentro e “fora” da escola. 1˚ edição, Rio de Janeiro: Autêntica, 2013.

    hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.

    KASTRUP, V.; PASSOS, E. Pistas do método da cartografia: pesquisa intervenção e produção da subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012.

    MIGLIORIN, C. Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2015.

    MOMBAÇA, Jota. Rumo à uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência. São Paulo: Fundação Bienal (32a. Bienal de São Paulo Incerteza Viva) e OIP oficina imaginação política, 2017.

    RANCIÈRE, Jacques. O Mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte, Autêntica editora, 2011.

    SAFATLE, Vladimir. Circuito dos Afetos: Corpos políticos, Desamparo, Fim do Indivíduo. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

Coordenadores

    Fernanda Omelczuk Walter
    Ana Paula Nunes
    Clarisse Maria Castro de Alvarenga