Seminários Temáticos para o triênio 2020-2022

Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Resumo

    Na última década, publicações sobre roteiro e escrita audiovisual têm apontado para a necessidade de investigar as formas de criação textual que antecedem a materialização da obra, considerando os aspectos singulares que definem este trabalho não só como uma etapa na realização do filme ou da série, mas como uma forma de expressão com questões teóricas e práticas próprias. Tais pesquisas se encontram em um território fronteiriço entre os estudos de audiovisual, de literatura e de processos de criação, sempre dialogando em termos teórico-metodológicos, a fim de se constituir como um espaço próprio de reflexões sobre a experiência audiovisual. O ST Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual pretende, portanto, aglutinar essas pesquisas contemporâneas, valorizando a amplitude de recortes teórico-metodológicos e de objetos empíricos, para, com isso, consolidar um campo interdisciplinar de estudos ainda intermitente na nossa tradição brasileira de pesquisas em Audiovisual.

Introdução

    Embora ainda pouco explorado na pesquisa acadêmica, o roteiro é elemento central na cadeia produtiva do cinema e da televisão. Em geral, é sua materialização o primeiro indício do filme, muitas vezes exigência para os editais de fomento e os fundos de desenvolvimento e coprodução internacional. No contexto das séries televisivas, o papel do roteiro ganha ainda mais destaque, já que a tradição do showrunner, mistura de roteirista-chefe com produtor executivo, assume a autoria nesta esfera de produção e oferece unidade estilística, tanto na escrita quanto na dramaturgia da série.
    Se é assim, por que o roteiro goza de um lugar flutuante e incerto tanto na pesquisa acadêmica quanto na sua condição de forma expressiva particular? Isso é parcialmente explicado por seu caráter textual híbrido, ao mesmo tempo instrução técnica e codificação narrativa, obra autônoma e potência de obra futura, que lhe confere uma posição singular enquanto objeto de estudo. Além disso, a leitura de roteiros enquanto prática cultural segue a passos lentos, levemente acelerados nos últimos anos com algumas coleções editoriais e através de sites de fãs e comunidades de roteiristas. Essa situação espelha a gradual popularização das publicações de teatro no século XVII (CHARTIER, 2002), em edições repletas de justificativas que conclamavam a emergência de um novo público leitor.
    A partir desse debate, os Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual, enquanto um recorte temático dentro do campo dos Estudos de Cinema e Audiovisual, têm se desenvolvido bastante na última década. A natureza intermidiática das suas investigações (GONÇALO, 2016; SILVA, 2016) posiciona as pesquisas em um território fronteiriço entre os estudos de literatura, de processos de criação e, claro, de cinema e televisão, recuperando de cada campo um ferramental teórico-metodológico específico, a fim de se constituir, ao cabo, como um espaço próprio de reflexões sobre a experiência audiovisual. Autores como Maras (2009; 2016), Price (2013), Millard (2013), MacDonald (2013), Beker (2013), Batty (2014), Nelmes e Selbo (2015), Varotsis (2015) e Wreyford (2018), em publicações específicas, na última década, sobre roteiro e escrita audiovisual, têm apontado para a necessidade de investigar as formas de criação textual que antecedem a materialização da obra, considerando os aspectos singulares que definem este trabalho não só como uma etapa na teleologia que aporta no filme ou na série, mas como uma forma de expressão com questões teóricas e práticas próprias.
    É, portanto, seguindo na esteira deste debate crescente, que justificamos a necessidade deste Seminário Temático, um espaço de articulação de pesquisas sobre roteiro e escrita audiovisual, em variados recortes teórico-metodológicos, capazes de gerar nucleação de projetos de pesquisa em rede, de diferentes instituições, e assim consolidar um campo interdisciplinar de estudos ainda ausente da tradição brasileira de pesquisas em Cinema e Audiovisual.

Objetivo

    Geral

    Fomentar a produção acadêmica sobre os Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual, aglutinando pesquisas e promovendo articulações estratégicas para o desenvolvimento do campo.

    Específicos

    Propiciar o encontro de pesquisadores de Roteiro e Escrita Audiovisual, em um ambiente de livre trânsito de perspectivas, garantindo a amplitude de olhares para o fenômeno;
    Favorecer a diversidade teórica, metodológica e institucional, bem como a pluralidade de objetos empíricos, sempre privilegiando a qualidade e a pertinência das propostas;
    Incentivar a circulação da produção intelectual resultante do ST, com publicações específicas e divulgação em redes sociais;
    Promover a associação de pesquisadores e roteiristas autores, através de convite para participação nas atividades do ST;
    Estimular a criação de uma rede de pesquisadores de roteiro, nos moldes da Screenwriting Research Network (SRN), principal rede internacional do campo, encorajando, ainda, a colaboração interinstitucional.

Aspecto

    Os Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual, na sua dimensão teórico-metodológica, têm se desenvolvido a partir de uma dupla negação: de um lado, contrapõem-se às publicações meramente operacionais, sobretudo dos manuais de roteiro, com sua linguagem normativa e tautológica em favor de uma poética clássica dominante, os quais historicamente se caracterizaram como a fonte bibliográfica principal na formação de roteiristas e interessados em escrita audiovisual. De outro lado, os Estudos se opõem à tradição moderna da história do cinema, sobretudo à política e teoria do autor, que submeteram o roteiro a uma posição hierárquica inferior ao erigir a mise-en-scène como instância de materialização formal da autoria fílmica. Dessa dupla negação, portanto, surge a necessidade de compreender o roteiro, na ampla variedade de métodos e processos de criação, como uma forma de expressão única, capaz de iluminar as escolhas audiovisuais específicas que, posteriormente, se materializam em sons e imagens.
    Isso não quer dizer, em princípio, que a aparente natureza textual do roteiro signifique a importação irrefletida dos métodos de investigação literária para a compreensão do fenômeno. Ao contrário, o caráter literário do roteiro não subsume uma constituição que introduz, na materialidade textual da página, uma formatação única, capaz de indicar, por convenção, a representação audiovisual da dramaturgia proposta. Além disso, outras formas de escrita audiovisual recorrem a referências imagéticas, como o storyboard e a dramaturgia de animação, que envolvem processos criativos específicos, desde a concepção, passando pelo workflow da equipe, até a relação com a direção e a montagem. Observar as condições e as características dessas práticas audiovisuais, considerando a sua relação teórica com a tradição mais ampla dos Estudos de Cinema e Audiovisual, constitui um percurso ainda pouco desbravado na academia brasileira, que o Seminário Temático aqui proposto busca estimular.
    No horizonte possível propostas ao ST, quatro eixos teórico-metodológicos podem ser destacados a partir da sua relação com as apostas predominantes das pesquisas contemporâneas:

    – História do roteiro e dos modos de escrita audiovisual: investigação das formas textuais ou lítero-imagéticas que, historicamente, se desenvolveram no campo do cinema e do audiovisual, considerando ainda o modo como filmes e séries representam o processo criativo de escrita audiovisual (MARAS, 2009; PRICE, 2013);

    – Métodos e processos de criação: estudo dos procedimentos e das escolhas criativas, de modo tanto sincrônico quanto diacrônico, que orientam a escrita dos roteiristas e sua relação com a produção concreta da obra audiovisual (SALLES, 2006, 2016; MACDONALD, 2013; BATTY, 2014);

    – Contextos de produção e representatividade profissional: exame das lógicas produtivas, considerando o papel dos roteiristas na cadeia do audiovisual, bem como das questões de representatividade de gênero, raça, classe, etc., nas dinâmicas de inserção profissional (BEKER, 2013; NELMES & SELBO, 2015; WREYFORD, 2018);

    – Poéticas do roteiro e estilística autoral: análise do estilo particular de roteiristas, através da investigação da escrita audiovisual, de sua relação com as formatações industriais, de estudos comparativos entre texto escrito e obra audiovisual, e da análise das matrizes de gênero e das convenções narrativas (SAYAD, 2008; JOHANN, 2015; BANKS, 2015; GONÇALO, 2016).

    Esses quatro eixos se articulam de modo dinâmico, com vistas a garantir os atravessamentos e os saltos interpretativos necessários para o bom cumprimento das pesquisas. Além disso, esses eixos se conectam diretamente aos temas e às orientações teórico-metodológicas dos proponentes deste ST, privilegiando com isso a variedade de abordagens possíveis para proposição: Marcel Vieira, doutor pela UFF e, atualmente, professor adjunto da UFPB, desenvolve uma pesquisa intitulada, financiada pelo CNPq – Edital Universal 2018, em que investiga as dinâmicas de escrita colaborativa, em Salas de roteiristas, de produtoras independentes brasileiras com Núcleos Criativos financiados pela Ancine. Carolina Amaral é doutora pela UFF, onde atualmente desenvolve pelo PPGCINE a pesquisa de pós-doutorado “Conforto Narrativo: melodrama, crise e catarses de ficções seriadas televisivas” (Faperj, PDR10 2019), na qual relaciona o conceito de catarse ao estudo do melodrama familiar televisivo, no contexto histórico atual brasileiro e estadunidense. Maria Caú é formada em Cinema e Doutora em Literatura Comparada pela UFRJ, com pesquisa sobre o personagem escritor e o processo literário no espaço fílmico, particularmente no cinema de Woody Allen. Todos os proponentes do ST são, além de pesquisadores, roteiristas profissionais, conhecendo a fundo a dinâmica de criação audiovisual. Foi, portanto, a partir desses atravessamentos teórico-práticos, que os membros se articularam para, no presente ST, aglutinar uma rede de pesquisadores sobre o tema.

Bibliografia

    BANKS, Miranda J. The Writers: A History of American Screenwriters and Their Guild. New Brunswick, New Jersey, London: Rutgers University Press, 2015.
    BATTY, Craig (ed.). Screenwriters and Screenwriting: Putting Practice into Context. London: Palgrave MacMillan, 2014.
    BEKER, Marilyn. The Screenwriter Activist: Writing Social Issue Movies. New York & London: Routledge, 2013.
    CHARTIER, Roger. Do palco à página: publicar teatro e ler romances na época moderna: séculos XVI – XVIII. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002.
    GONÇALO, Pablo. O cinema como refúgio da escrita: Roteiro e Paisagens em Peter Handke e Wim Wenders. São Paulo: Annablume, 2016.
    JOHANN, Ana. A construção do poético no roteiro cinematográfico. Curitiba: Edição da autora, 2015.
    MACDONALD, Ian W. Screenwriting Poetics and the Screen Idea. London: Palgrave MacMillan, 2013.
    MARAS, Steven. Screenwriting: History, Theory, Practice. New York: Wallflower Press, 2009.
    MILLARD, Kathryn. Screenwriting in a digital era. London: Palgrave MacMillan, 2013.
    NELMES, Jill, SELBO, Jule. Woman Screenwriters: An International Guide. London: Palgrave MacMillan, 2016.
    PRICE, Steven. A History of the Screenplay. London: Palgrave MacMillan, 2013.
    SALLES, Cecília Almeida. A complexidade dos processos de criação em equipe: Uma reflexão sobre a produção audiovisual. Universidade de São Paulo, 2016. [Relatório de Pós-doutorado].
    SILVA, Marcel Vieira Barreto. O roteiro seriado: a estilística intermidiática no piloto de Mad Men. In: ROCHA, Simone, PUCCI JR., Renato. Televisão: Entre a metodologia analítica e o contexto cultural. São Paulo: Editora a lápis, 2016.
    VAROTSIS, George. Screenplay and Narrative Theory: The Screenplectics Model of Complex Narrative Systems. London: Lexington Books, 2015.
    WREYFORD, Nathalie. Gender Inequality in Screenwriting Work. London: Palgrave MacMillan, 2018.

Coordenadores

    Marcel Vieira Barreto Silva
    CAROLINA OLIVEIRA DO AMARAL
    Maria Castanho Caú