Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriel Filgueira Marinho (ESPM)

Minicurrículo

    Documentarista com graduação em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB), com habilitação em Audiovisual e mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente, é professor da ESPM. – Escola Superior de Propaganda e Marketing.

Ficha do Trabalho

Título

    A paixão de JL: os arquivos pessoais na construção de microhistórias

Resumo

    O documentário “A paixão de JP” é constituído quase integralmente de arquivos. Nele, o diretor interage imagens das obras do artista plástico José Leonildo com um conjunto de gravações sonoras do mesmo, realizadas como um diário pessoal entre 1990 e 1993.
    Ao apostar em arquivos dessa natureza, o diretor Carlos Nader afirma sua opção pelos registros de natureza familiar.

Resumo expandido

    O longa-metragem “A paixão de JP”, lançado em 2014, se insere na tradição dos documentários de arquivo. Isso porque a utilização dessa ferramenta narrativa não se percebe de forma eventual ao longo do filme. Em vez disso, seus quase noventa minutos de duração são constituídos de recursos visuais e sonoros produzidos por terceiros e cuja as circunstâncias de realização são alheias aos objetivos de seus realizadores.
    Na percepção de Jey Leyda, esses são filmes de compilação pois se caracterizam pela articulação de partes independentes conferindo à elas uma unidade narrativa e estética somente na fase de montagem (LEYDA, 1971). Ou seja, o autor está na ilha de edição e não atrás da câmera. Já para Jean-Claude Bernardet, esses filmes operam ações de ressignificação de conteúdo a partir da migração de planos ou outras unidades narrativas (BERNARDET, 2004). Nesse caso, faz parte do processo criativo do cinema de arquivo subverter as intenções originais de captação da imagem.
    Embora as percepções de Leyda e Bernardet se diferenciem em alguns pontos, os fenômenos descritos por ambos estão presentes nessa cinebiografia do artista plástico José Leonilson (1957-1993), o que reafirma seu lugar dentro dessa tradição cinematográfica. No entanto, a natureza dos arquivos utilizados pelo diretor Carlos Nader difere das opções normalmente adotadas por outros realizadores, interessados na construção da figura pública de seus personagens. Isso sugere um recorte pouco comum no cinema de arquivo, sendo essa a opção de “A paixão de JP”: as histórias privadas, os espaços íntimos e narrativas de fluxo-livre.
    No recorte de Carlos Nader, o personagem biografado não é o artista nasceu em Fortaleza e se mudou ainda criança para São Paulo. Tão pouco ficamos sabendo quem foram seus professores, suas influências e os locais onde morou ou expôs seus trabalhos. Por fim, também é sonegado ao público suas relações com o contexto político e social de sua época.
    Por outro lado, o José Leonilson do filme é um homem atormentado pela descoberta de sua sorologia positiva para o vírus HIV em 1991, que lida com questões pessoais a respeito de seus relacionamentos amorosos, orientação sexual, o dilema de contar aos familiares sobre esses temas, o medo da doença significar a impossibilidade de novas relações afetivas e, por fim, o medo da morte.
    A opção desse recorte se expressa a partir da escolha da natureza dos arquivos que compõem o longa-metragem. O diretor se valeu do acesso a um conjunto de gravações caseiras do artista, registradas em um estilo de diário pessoal. Um arquivo produzido entre 1990 e 1993 e que, ao que tudo indica, não possuia pretensão de se tornar público. Mas não faltam registros de José Leoníldio em situações públicas. Por que não usá-las?
    Mesmo no campo visual, o filme é quase exclusivamente dominado por imagens das obras do artista biografado. Com essa escolha, diretor sonega ao público conteúdos recorrentes nas cinebiografias documentais. Não conhecemos, por exemplo, quais eram seus principais espaços de circulação, quem eram seus grupos de convivio (amigos e familiares), nem ao menos temos imagens do rosto de Leonílson.
    Os arquivos pessoais não estão imunes a uma intencionalidade ou a um projeto de monumentalização (LE GOFF, 2003). Mas possuem uma mise-en-scène e agenciamentos próprios. Ao explorar essas características, o diretor Carlos Nader estabelece aproximações com os filmes do cineasta húngaro Petér Forgàcs, reconhecidamente identificado com o cinema de arquivo mas especializado em arquivos familiares e pessoais (NICHOLS e RENOV, 2011). Como Nader nesse filme, Forgàcs evita as macrohistórias e grandes narrativas no lugar de recortes extremamente pessoais e íntimos.
    A partir desse longa-metragem, esse trabalho pretende discutir as diferenças entre o estatuto dos arquivos públicos e os arquivos gerados e agenciados por esferas familiares? E, consequentemente, como essas diferenças se expressão narrativamente em “A paixão de JL”

Bibliografia

    LEYDA, Jay. Films beget films: a study of the compilation film. New York: Hill and Wang Edition, 1971
    RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal… o que é mesmo documentário? São Paulo: editora Senac. 2008
    BERNARDET, Jean-Claude. “A migração de imagens” in TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org). Documentário no Brasil: tradição e transformação. São Paulo: Summus, 2004
    BARON, Jaimie. The Archive Effect: Found Footage and the Audiovisual Experience of History. London e New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2014.
    NICHOLS, Bill e RENOV, Michael (org). Cinema’s alchemist: the films of Péter Fórgcas. Mineápolis: University of Minnesota Press, 2011
    SAID, A.P; SEIDL, E.M. Sorodiscordância e prevenção do HIV: percepção das pessoas em relacionamentos estáveis e não estáveis in Revista Interface. Botucatu. V. 19 n. 54. 2015
    LE GOFF, Jaques. História e Memória. Campinas: editora da Unicamp, 2003.