Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Érica Ramos Sarmet dos Santos (UFF)

Minicurrículo

    Pesquisadora de comunicação e roteirista. Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), é bacharel em Estudos de Mídia pela mesma instituição. Integra desde 2009 o NEX – Núcleo de Estudos do Excesso nas Narrativas Visuais, grupo de pesquisa vinculado ao PPGCOM/UFF. É também fundadora do cineclube Quase Catálogo, dedicado a filmes dirigidos por mulheres.

Ficha do Trabalho

Título

    Estratégias de representação do desejo lésbico

Seminário

    Cinema Queer e Feminista

Resumo

    Este artigo propõe discutir, à luz das discussões feministas contemporâneas, as diferentes estratégias de representação do desejo lésbico por cineastas lésbicas, tendo como ponto de partida a teorização dos conceitos de indiferença sexual e indiferença social propostos por Teresa De Lauretis. Para isso, atenho-me ao tratamento distinto dado por quatro diretoras à encenação do ato sexual entre mulheres: Chantal Akerman, Donna Deitch, Dees Rees e Maria Beatty.

Resumo expandido

    Em janeiro de 2017, a 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes foi marcada por intensas discussões que circundaram a questão da mulher no cinema. Um dos debates mais interessantes deu-se de modo paralelo ao festival, sobre o filme “Baronesa” (2017, 73’, MG), de Juliana Antunes, vencedor do Troféu Barroco de Melhor Filme. No debate, a diretora foi questionada sobre a sequência de abertura de “Baronesa”, um plano fixo fechado na cintura dançante de uma mulher negra ao som de funk, que num leve tilt up, percorre seu corpo até chegar ao rosto e lá permanece até o fim dos longos 3 minutos de duração, quando retorna à cintura da personagem que sai de quadro. Sugere-se que a mulher está sozinha em um cômodo, enquanto observa seu próprio corpo no ritmo da dança. A questão colocada por uma espectadora, a roteirista e educadora Francine Barbosa, foi da hipersexualização da mulher negra. “Gosto muito do filme, me tocou muito em vários momentos (….), mas ao mesmo tempo tem alguns momentos muito específicos que eu ficava me perguntando se talvez eles não fizessem eco, mesmo que involuntariamente, com algumas representações das mulheres negras no mundo, não só no cinema (…) O primeiro plano (…) à primeira vista não tinha visto nenhum desdobramento desse plano no restante do filme. Por que a escolha desse plano, e por que a escolha desse plano para abrir o filme?”

    A resposta da diretora: “A câmera acompanha a cintura de uma garota dançando essa música. Filmei porque acho uma delícia e reafirmo isso. Eu tenho um posicionamento enquanto mulher gay que eu tenho desejo por esse corpo. Veja bem, nós moramos durante um mês no bairro Juliana e eu morei outros cinco na Vila Mariquinha. Enquanto morei lá, além de fazer o filme eu tinha fome, sede, sono, desejo. E eu me interessei por essas mulheres que eu filmei e convivi de diversas maneiras (….) Uma mulher pode e deve filmar corpos de mulheres e homens com desejo. Certo? (….) percebi, ao frequentar os bailes, que as mulheres tinha plena libertação sexual através do funk. Era o único momento, únicas situações que eu via que esses corpos, que essas mulheres estavam de fato exercendo sua sexualidade que é muito oprimida em outras situações. Então eu filmei por isso.”

    A discussão seguiu por outro caminho, mas a minha mente voltava àquele impasse dito como afirmação. Uma mulher pode e deve filmar corpos de mulheres com desejo? Como é possível representar o desejo lésbico, e como fazer isso no contexto do feminismo contemporâneo, que a todo momento coloca a questão da objetificação sobre a produção e circulação de imagens de mulheres, ainda partindo do pensamento heterossexual? Como pensar, teorizar e sobretudo filmar esse desejo considerando diferenças em relação às novas conceituações de gênero, bem como noções de raça, classe, cultura e identidade, sem contudo cairmos na armadilha da representação “bem comportada” do sexo e da sexualidade lésbica? A partir da articulação entre os conceitos de indiferença sexual e indiferença social, De Lauretis analisa como escritoras e artistas lésbicas buscaram “escapar do gênero, negá-lo, transcende-lo ou executá-lo em excesso”, inscrevendo o erótico em modos de representação “enigmáticos, alegóricos, realísticos ou camp” para tentar dar conta desses paradoxos entre carne (flesh) e linguagem. Inspirada por sua teorização, buscarei neste artigo analisar quatro estratégias distintas de abordar a encenação do ato sexual entre mulheres, postas nos filmes Je, tu, il, elle (1974), de Chantal Akerman; Desert Hearts (1985), de Donna Deitch; The Elegant Spanking (1995), de Maria Beatty e Pariah (2011), de Dees Rees.

Bibliografia

    DE LAURETIS, Teresa. Sexual Indifference and Lesbian Representation. Theatre Journal, Vol. 40, No. 2 (May, 1988), pp. 155-177

    DE LAURETIS, Teresa. Aesthetic and Feminist Theory: Rethinking Women’s Cinema. New German Critique, No. 34 (Winter, 1985), pp. 154-175

    BECKER, Edith et al. “Lesbians and film”. Jump Cut: A Review of Contemporary Media, nº 24-25, 1981, p. 17-21.

    LORDE, Audre. Uses of the Erotic: The Erotic as Power, in: LORDE, Audre. Sister outsider: essays and speeches. New York: The Crossing Press Feminist Series, 1984. p. 53-59.