Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Álvaro Andrade Alves (UFMG)

Minicurrículo

    Álvaro Andrade Alves é jornalista (UFBA) e mestrando em Comunicação (UFMG). É também poeta, roteirista e diretor de cinema e TV. Criou a série Cine Barato (Prime Box Brasil, em pré-produção). Estudou cinema no Cfp-Sica (Argentina) e na EICTV (Cuba), e participou de cursos com diretores e pesquisadores como Avi Mograbi, Trin T. Min-ha e Nicole Brenez. Foi ainda repórter de cultura no jornal Correio, em Salvador, e analista de conteúdo na Disney Latinoamérica, em Buenos Aires, na Argentina.

Ficha do Trabalho

Título

    A imagem política em Leona Assassina Vingativa: três suspeitas

Resumo

    Atento à proposição da crítica Nicole Brenez, de que é imprescindível buscar “novas formas de expressão” entre os filmes feitos por pessoas comuns e publicados na internet, esse trabalho se propõe a pensar os vídeos Leona Assassina Vingativa, publicados no Youtube em 2009. O trabalho parte do conceito de imagem política e da noção de figuras do engajamento, do pesquisador Cezar Migliorin, para entender a potência desses vídeos para intervir no visível e no enunciável (RANCIÈRE, 2004: 241).

Resumo expandido

    A principal tarefa a ser realizada por um investigador de cinema hoje, segundo a crítica e pesquisadora Nicole Brenez, é tentar descobrir, entre os filmes feitos por pessoas comuns e publicados na internet, “novas formas de expressão”. É ela também quem dá as pistas para uma aproximação desse material, ao entender como “artes fílmicas” tanto o “cinema, no sentido tradicional, mas também de vídeo e digital”. Isso possibilita olhá-lo – tendo em conta suas especificidades – através de modelos de análise pensados inicialmente no campo do cinema.

    A partir dessa provocação e da compreensão de “práticas artísticas” como “maneiras de fazer que intervêm na distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas relações com maneiras de ser e formas de visibilidade”, (RANCIÈRE, 2005: 17), proponho pensar acerca da imagem política (MIGLIORIN, 2011: 17) em Leona Assassina Vingativa, conjunto de vídeos amadores feitos por adolescentes da periferia de Belém (PA) e publicados no YouTube em 2009. A potência destes pequenos filmes parece concentrar-se justamente na possibilidade de desestabilizar o campo do audiovisual, ao pôr em xeque noções que estão na base de sua compreensão, como a de autoria, de diálogo consciente com uma tradição e de intencionalidade artística.

    Criada por iniciativa de Leona, então com 11 anos, os vídeos têm mais de 3 milhões de visualizações e foi um dos webhits daquele ano. São uma paródia do que seriam os capítulos finais de uma novela, um jogo filmado com precariedade e improviso, e os atores são jovens meninos gays e de periferia, a maioria negros. Sujeitos “excluídos pela ordem que produz não-imagens que tanto reforçam as significações do mundo” (MIGLIORIN, 2011: 15), representando sobretudo personagens femininas. Se entendemos, com Rancière, a política como “uma intervenção sobre o visível e o enunciável”, a força dessas imagens residiria nessa capacidade singular de intervir sobre um repertório já codificado de signos visuais e sonoros, desafiando preconceitos e rompendo com a invisibilidade imposta pelos meios hegemônicos.

    Para falar do que seria uma espécie de imagem necessária, o pesquisador Cezar Migliorin lança mão da ideia da existência de uma dignidade fílmica, do crítico de cinema Serge Daney. Esse conceito nasce de “uma crença na imagem e na possibilidade de o cinema fazer-se político no gesto de fazer uma imagem”, em um mundo repleto de clichês no qual faltam imagens, apesar do seu crescimento exponencial nos espaços e mídias (MIGLIORIN, 2011: 15). A essa imagem buscada, Migliorin dá o nome de “imagem política”, conceito chave da proposta.

    No entanto, é partindo da noção de engajamento que surge um modelo no qual é possível visualizar mais claramente o fenômeno empírico escolhido. O engajamento percebe o presente em sua possibilidade de tensionar sua própria mudança. O que há de real é essa mistura de desejo e variação na fabricação do mundo, já independente da veracidade ou da centralidade de uma ordem narrativa, de um personagem ou comunidade, dando à noção de engajamento uma dimensão coletiva e social e não exclusivamente individual (MIGLIORIN, 2011: 18).

    Esse engajamento se ativa, por assim dizer, nas figuras do engajamento. Migliorin as define como centralidades ou tendências dentro dos filmes que podem ser classificadas como “modos de conectar tempos e forças e inventar intensidades de variação do presente com sujeitos e comunidades frequentemente assujeitados pela ausência ou invariabilidade da luz que os toca”. O autor identifica quatro modos, ou figuras, das quais apenas uma interessa a esta proposta, as figuras da ficcionalização.

    Essa proposta usa o conceito de figuras do engajamento pelo prisma de três hipóteses: a da ficcionalização, já pensada para documentários, e outras duas – as do improviso e da paródia – que todavia não se pode chamar assim, mas que parecem servir a esta análise e talvez sirvam de aporte para pensar, de modo incipiente, o engajamento na ficção como um todo.

Bibliografia

    BRENEZ, N. “Cada filme é um laboratório” – Entrevista com Nicole Brenez. Revista Cinética. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/entrevista-com-nicole-brenez/. Acesso em 7 set. 2015.
    FERRAZ, M. C. F. Apud CAMPELLO, C. M. O ressentimento, o esquecimento e o riso: as metamorfoses da memória dos idosos numa perspectiva nietzschiana. Rio de Janeiro, 2008.
    FELDMAN, I. “A Ascensão Do Amador: Pacific Entre O Naufrágio Da Intimidade E Os Novos Regimes De Visibilidade”. Ciberlegenda. Niterói, 2012.
    MIGLIORIN, C. “Figuras do Engajamento: O Cinema Brasileiro Recente”. Devires. Belo Horizonte, 2011.
    MOUILLEC, G. “A Improvisação Como Gesto Político: O Cinema De Rabah Ameur-Zaïmeche”. Cat. 3° Colóquio Cinema, Estética e Política. Niterói, 2014.
    PEREIRA, P. P. “A teoria queer e a Reinvenção do corpo”. Cad. Pagu no.27. Campinas. 2006.
    RANCIÈRE, J. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Ed. 34, 2005.
    RANCIÈRE, J. Aux bords du politique.