Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Leite Chiaretti (USP)

Minicurrículo

    É mestre em Teoria e História do Cinema pela Université Paris 8 e doutoranda do programa Meios e Processos Audiovisuais da ECA – USP onde desenvolve, sob orientação de Ismail Xavier, pesquisa comparativa sobre a noção de instabilidade nos cinemas de John Cassavetes e Jacques Rivette. Em 2016, organizou os catálogos das mostras “Um filme, cem histórias: Abbas Kiarostami” (co-assinado por Fábio Savino) e “Robert Morin: Reinventando o Quebec”.

Ficha do Trabalho

Título

    Estender o instante: a longa-duração em Out 1 de Jacques Rivette

Resumo

    Nesta comunicação iremos empreender um gesto duplo de análise: de um lado, identificaremos a radicalização do método de criação nesta versão “Out 1 – Noli me tangere” (1970, 12h40) em relação à obra de Rivette, e de outro, compararemos Out 1 a filmes longos ou episódicos que influenciaram o cineasta, tais como “Fantômas” [1913], “Les Vampirs” [1915], “Tih Minh” [1918] de Louis Feuillade e “Petit à petit” (1968-1970) de Jean Rouch.

Resumo expandido

    Entre 1950 e 2009, Rivette realizou cerca de 30 longas e cinco curtas, se levarmos em consideração os três episódios da série Cinéastes de notre-temps – Jean Renoir le Patron (1967), e as duas versões de Out 1 e de La Belle Noiseuse (1990-91). Tendo em vista este arco temporal de quase 60 anos, podemos dividir sua carreira, para fins de esquema, em quatro momentos. O primeiro, que se encerraria com La Religieuse, traz ainda um modo de produção relativamente tradicional, fundado em roteiros prévios; no segundo que vai da série documental sobre Jean Renoir até Céline et Julie vont en bateau, o cineasta radicaliza o seu modo de fazer cinema, abrindo-se para a criação coletiva e renunciando ao roteiro prévio; o terceiro compreende os filmes realizados durante os anos cinzentos do governo Giscard, ou seja, de Duelle (1976) a Le Pont du Nord (1981), em que Rivette recusa o seu tempo presente e se volta para uma espécie de mitologia atemporal; o quarto e último é marcado pela longeva parceria com o roteirista, cineasta e crítico Pascal Bonitzer, com quem Rivette co-assina os roteiros de todos os longas seguintes. Nesta comunicação daremos ênfase às questões levantadas por L’Amour fou (1968), em que o cineasta inaugura um método marcado pela cumplicidade total com os atores radicalizado por Out 1, onde Rivette acaba por abandonar as fronteiras entre o diante e o atrás das câmeras, talvez o único filme inteiramente improvisado pelos atores no momento das filmagens e não por acaso, o seu filme mais longo.
    Em linhas gerais, o método rivettiano de Out 1 consiste em registar os encontros e aventuras dos atores que se arriscam num presente prolongado pela duração. A origem do filme está em um argumento vago baseado na Histoire des 13 de Balzac. Apesar de o princípio de sociedade secreta presente no romance de Balzac ser um dos motes da narrativa, Rivette já confessou que à época da concepção do argumento e das filmagens ele havia lido apenas o seu prefácio. Como diria Jean-André Fieschi, neste filme “o roteiro não é mais um programa a ser executado, uma partitura a transcrever, mas uma espécie de uma vasta “armadilha” ficcional, ao mesmo tempo aberta e rigorosa, com o objetivo de orientar a improvisação (dos atores e dos técnicos), de submetê-la a passagens obrigatórias ou abandoná-la numa deriva”. Na entrevista a Eisenchitz, Fieschi e de Gregorio, Rivette descreve Out 1 como um projeto que não era preciso nem arquitetado, “uma espécie de magma de desejos mais ou menos antigos, que coagulou daquela forma.”.
    No momento em que produzia Out 1, Rivette ficou muito marcado por uma exibição para amigos de uma versão longuíssima (cerca de 10h) do copião de Petit à petit (Jean Rouch, 1968-70) e chegou a declarar que a duração de 12 horas e 40 minutos de Out 1 – Noli me tangere sofreu influência da obra monumental de Rouch. Além de Petit à petit, Rivette também evoca os filmes Méditerranée (Jean-Daniel Pollet, 1963), Alguma coisa de outro (O necem jinem, Vera Chytilová, 1963) e La Vie conjugale (díptico de André Cayatte, 1964), bem como os filmes seriados de Feuillade, que teriam inspirado seu projeto. Nesse sentido, pretendemos conjugar a radicalização do seu método marcado pela longa-duração, e compará-lo a outras experiências cinematográficas que também se relacionavam de maneira estendida com o tempo.

Bibliografia

    AUSLANDER, Phillipe. From Acting to Performance: essays in modernism and postmodernism. Londres: Routledge, 1997.
    EISENCHITZ, B.; FIESCHI, J.A.; DE GREGORIO, E.. “Entretien avec Jacques Rivette”. In: La Nouvelle Critique, Nouvelle serie, nº 63, abril de 1973.
    GIUFFRIDA, Daniela (org). Jacques Rivette: La règle du jeu. Turim: CCF de Turin/Museo nazionale del cinema di Torino, 1992.
    KOEPNICK, L. On Slowness: Toward an Aesthetic of the Contemporary. New York: Columbia University Press, 2014.
    ROSENBAUM, Jonathan. “TIH-MINH, OUT 1: On the Nonreception of Two French Serials”, In: Jonathan Rosenbaum.net, publicado em 03 de março de 2017.
    VV.AA. 1895 – Revue d’Histoire du Cinéma, Hors-série Louis Feuillade, outubro 2000.