Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    leandro pimentel abreu (UERJ)

Minicurrículo

    Doutorado em Tecnologias da Comunicação e Estéticas pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRJ e Pós-doutorado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor adjunto da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Realizou estágio no grupo de pesquisa AIAC/Arts des images & Art Contemporain, na Universidade Paris 8. Especialização em História da Arte e da Arquitetura no Brasil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Ficha do Trabalho

Título

    O testemunho, a montagem e as margens do arquivo

Seminário

    Interseções Cinema e Arte

Resumo

    Nos registros de testemunhos, a ênfase nas pausas da fala aparece como um dos recursos para realçar aquilo que permanece restrito à experiência íntima. No trabalho Entre l’ecute et la parole, da artista Esther Shalev-Gerz, e no filme Nuremberg, de Christian Delage, o processo de montagem evidencia a memória que foge a uma narrativa. Ao destacar os gestos e os silêncios nas montagens, o texto busca uma reflexão sobre as imagens e os arquivos como lugares de produção de memória.

Resumo expandido

    As técnicas de montagem e colagem das vanguardas modernas podem ser sintetizadas no gesto de recolhimento de fragmentos colocados em uma moldura. Ao recombinarem-se, potencializavam um tipo de memória recalcada que se manifestava a partir das novas relações que se estabeleciam. Seria preciso ultrapassar a significação, atravessar as fronteiras que distinguem o que pode ou não ser lembrado, arrancar os documentos desses limites e colocá-los em um outro lugar no qual fosse possível ver os traços de eventos passados. Sem a ansiedade da representação, essas imagens voltam-se para o presente. Assim como os testemunhos, que buscam atualizar no gesto e na fala uma experiência, a montagem possibilita que o acontecimento salte do continuum da história progressiva, como diria Walter Benjamin.
    O testemunho circula em um lugar ambíguo entre os recursos memoriais. Sua representação do passado ocorre por narrativas, artifícios retóricos e imagens. Para Paul Ricœur, o testemunho “resiste não somente à explicação e à representação, mas até à colocação, a ponto de manter-se deliberadamente à margem da historiografia e de despertar dúvidas sobre a sua intenção veritativa.”(Ricœur, p. 170, 2008). Nos registros de testemunhos, a performatividade dos corpos no esforço de construção de uma narrativa ganha uma outra camada, que se manifesta na fotografia, na montagem e na apresentação, que se manifestam de forma singular nos trabalhos contemporâneos que flertam com o potencial mnemônico dos silêncios, lacunas e intervalos presentes nas imagens e nos arquivos.
    Um bom exemplo do potencial do uso desses espaços intersticiais nas imagens de arquivo é o filme-ensaio de Christian Delage. Cineasta e historiador, teve acesso ao material bruto filmado por John Ford no julgamento dos crimes nazistas em Nuremberg. A partir desse arquivo, Delage produziu o longa Nuremberg, les nazis face à leurs crimes, no qual se propõe a investigar as imagens e as condições em que foram realizadas, tendo como apoio o depoimento das testemunha presentes no decorrer do julgamento.
    No contato com o material da filmagem, Delage procurou dar uma maior atenção às hesitações, aos tropeços da fala e aos silêncios, aquilo que normalmente seria descartado na montagem. Os gestos corporais e os momentos de pausa passaram a ter interesse particular. Buscou-se uma leitura daquilo que não foi verbalizado mas que surge com potência nessas lacunas, em que o desejo de comunicar se afasta e o testemunho ocorre por meio de uma simples presença, produzindo um ruído nesse local, em que os papéis e as falas de cada um pareciam estar definidos desde o início.
    O trabalho de Delage remete à instalação Entre l’écoute et la parole: Derniers Témoins, Auschwitz-Birkenau 1945/2005, apresentada em 2010 pela artista Esther Shalev-Gerz. Em três telas, com uma defasagem de sete segundos entre as imagens projetadas em cada uma delas, aparecem em câmera lenta e sem som, os rostos. Não há falas, somente os silêncios e as pausas ao longo dos depoimentos dos sobreviventes dos campos de concentração. As imagens são em um plano relativamente fechado no rosto e a mesma imagem aparece em cada tela com uma decalagem de sete segundos, o que faz com que os gestos projetados em câmera lenta se prolonguem ainda mais. Ao destacar as marcas no rosto, as expressões da face e os gestos, a artista busca apontar essa presença viva da memória no discurso. Uma inscrição da memória no corpo, mais do que em uma fala concatenada por uma narrativa.
    Os dois trabalhos, o filme-ensaio de Delage e a instalação de Shalev-Gerz, buscam enfatizar o gesto e aquilo que não está dito de modo explícito. Essa sobrevivência, que ocorre por meio de uma memória manifesta, independente da capacidade de verbalização do que ocorreu, torna-se perceptível a partir da montagem na qual são inseridas legendas, títulos, silêncios ou narrações, possibilitando ao espectador, a experiência do silêncio eloquente da imagem.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. Moyen sans fin, notes sur la politique. Paris: Rivage Poche, 2002a.
    DELAGE, Christian. The place of filmed witness: from Nuremberg to the Khmer Rouge trial. http://cardozolawreview.com/Joomla1.5/content/31-4/DELAGE.31-4.pdf (acessado em 06/04/2017)
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Images malgré tout. Les éditions de Minuit. Paris, 2003.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
    FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. São Paulo: Forense Universitária, 2007.
    HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória. Rio de janeiro: Aeroplano Editora, Rio de Janeiro, 2000.
    LISSOVSKY, Mauricio. “4 + 1 dimensões do arquivo”. In: Mattar, Eliana (org.) Acesso à informações e política de arquivos, Rio de Janeiro, 2004, p. 47-63.
    RICŒUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução: Paul François. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
    SHALEV-GERZ, Esther. The Contemporary Art of Trusting Uncertainties and Unfolding Dialogues. 2014.