Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Eduardo dos Santos Oliveira (UFC)

Minicurrículo

    Eduardo dos Santos Oliveira é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC). Tem interesse nas áreas de artes visuais, estudos interseccionais de gênero, sexualidade e performance.

Ficha do Trabalho

Título

    Uma mulher com uma câmera: performatividade e o cinema de Naomi Kawase

Resumo

    Partindo da materialidade de imagens produzidas pela realizadora japonesa Naomi Kawase, mais especificamente do corpo do filme Em Seus Braços (Ni Tsutsumarete, 1992), buscamos construir um diálogo entre conceitos oriundos do cinema e noções dos estudos da performance a fim de perceber na constituição de seus planos alguns caminhos que levam a uma experiência com a obra pautada na ideia de performatividade.

Resumo expandido

    Uma mulher filma a própria imagem sendo transmitida por um aparelho de televisão. É Naomi Kawase, em certo momento do filme Em Seus Braços (Ni Tsutsumarete, 1992). A tela é superfície pela qual também podemos ver seu reflexo, além de uma terceira reprodução de seu rosto, sobreposta na montagem. Ela acaricia a face e passeia a mão pelos cabelos. “Vou ligar para ele. Deveria chamá-lo de papai? O que devo fazer? Eu quero vê-lo. Eu realmente quero isso?”, é o que ouvimos sua voz over dizer, enquanto seu corpo performa junto com aquelas imagens. A diretora inscreve seu corpo de modo visível no campo filmado, mas, tal como em outros momentos da projeção, parte de sua efígie nos escapa, seu rosto está desfigurado e sua figura parece desmanchar-se diante de nós.

    Essa tomada possibilita que observemos a circunscrição e a presença de Naomi Kawase no material fílmico a fim de complexificar particularidades da constituição dos planos de Em seus braços e lastrear nossas considerações para outras realizações da mesma diretora, como Caracol (Katatsumori, 1994) e Céu, Vento, Fogo, Água, Terra (Kya Ka Ra Ba a, 2001). A dinâmica da cena torna evidente que a realizadora não está interessada em nos oferecer respostas, mas em nos convidar a habitar o lugar das imprecisões, das dúvidas, dos riscos e dos imprevistos junto a ela. De estatutos completamente distintos – uma imagem televisiva; outra cinematográfica; uma terceira, um reflexo, puro efeito da montagem –, essas imagens entrelaçam-se e justapõem-se, fazendo com que algo novo surja no espaço da tela. Trata-se da irrupção de uma espécie de imagem performativa, que age no espaço entre ela mesma e quem se põe diante do filme. Uma imagem cuja intenção não é a de descrever um acontecimento ou gerar afirmações sobre um fato, mas a de (re)constituir e (re)elaborar realidades, de fabricar para o filme uma nova forma de mise-en-scène e nela inscrever um novo corpo.

    Gestos filmados, repetições encenadas, fabulações gravadas, situações forjadas a partir de (e com) imagens: é justamente nesse agenciamento entre filmagem, investigação e montagem que propomos localizar o trabalho da performance e a força performativa de Naomi Kawase. Se a noção de performance nos parece apropriada para nos aproximarmos do filme que nos convoca, é porque, em seu sentido ontológico, ela cria o real, como explica a pesquisadora Elena Del Rio: “enquanto a representação é mimética, a performance é criativa e ontogenética. Na representação, a repetição dá à luz o mesmo; na performance, cada repetição encena seu próprio e único evento” (DEL RIO, 2008, p. 4). Assim, é possível dizer que o que nos interpela nos filmes da realizadora Naomi Kawase é que não há, neles, uma apreensão direta do real, mas, sim, sua (re)invenção a partir da ação performativa dos corpos filmados, sobretudo do corpo da própria realizadora.

    Contudo, mais do que performance, farei uso de forma recorrente do termo performativo para me dirigir às obras de Naomi Kawase no decorrer da exposição. Tentarei aproximar a noção de performatividade de Em seus braços, tendo em vista que o filme abre caminhos para problematizações do corpo para além de esquemas de codificação e não para condições pré-existentes. Dessa maneira, nosso principal objetivo aqui torna-se, portanto, o de perceber como as ações performativas de Naomi Kawase constituem e se materializam na tessitura desse filme. Certo, seu cinema é feito de ausências: algo parece sempre escapar, fugir do campo filmado, sublinhando, nesse jogo “dentro-fora”, a articulação entre o campo e o extracampo, o visível e o invisível. Em seus filmes, a diretora investe o olhar à procura de brechas, de fissuras no cotidiano, na localização de veleidades temporais, construindo, a partir da inscrição de seu corpo na imagem, uma experiência sensível com o mundo que a rodeia.

Bibliografia

    AUSLANDER, Philip. A performatividade da documentação de performance. In: Performatus. Ano 2, Nº 7, 2013. Disponível em: Acesso em 10/02/2017.

    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder: A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

    DEL RÍO, Elena. Deleuze and the cinemas of performance: Powers of affection. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2008.

    FISCHER-LICHTE, Erika. The transformative power of the performance: A new aesthetics. Trad: Saskya Iris Jain. Londres: Routledge, 2008.

    GREINER, Christine. Leituras do corpo no Japão e suas diásporas cognitivas. São Paulo: n-1 edições, 2015.

    LOPEZ, José Manuel. Sólo consigo expressarme a través del cine: Entrevista com Naomi Kawase (2001-2008). In: LÓPEZ, José Manuel (Org.). El cine en el umbral. Madri: T&B Editores, 2008.

    MAIA, Carla e MOURÃO, Patrícia (org.): O cinema de Naomi Kawase. Rio de Janeiro: CCBB RJ, 2011.