Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Jamer Guterres de Mello (UAM)

Minicurrículo

    Jamer Guterres de Mello é pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, onde desenvolve pesquisa sobre as videoinstalações do artista e cineasta alemão Harun Farocki. É doutor em Comunicação e Informação pela UFRGS, realizou estágio de Doutorado Sanduíche na Universitat Autònoma de Barcelona, sob a supervisão de Josep Maria Català Domènech e é mestre em Educação, também pela UFRGS.

Ficha do Trabalho

Título

    Produção e destruição: a guerra e o método dialético de Harun Farocki

Mesa

    Figurações da violência no documentário

Resumo

    Este trabalho procura investigar o método dialético e arqueológico de produção do cineasta Harun Farocki, mecanismo que busca desvelar o que há de violento no intervalo entre as imagens, em relações que normalmente não aparecem em sua dimensão figurativa mais superficial. Em “Reconhecer e Perseguir” (2003) é possível identificar uma reciprocidade entre a indústria do consumo e os aparatos de guerra e, ainda, perceber que a guerra é cada vez mais feita a partir das imagens e das mídias.

Resumo expandido

    Este trabalho tem como objetivo investigar o modo como o método dialético e arqueológico praticado pelo cineasta alemão Harun Farocki no filme “Reconhecer e Perseguir” (2003) permite identificar uma reciprocidade entre produção e destruição, entre a indústria do consumo e os aparatos de guerra e, ainda, perceber que a guerra é cada vez mais feita à distância, a partir das imagens e das mídias.
    Farocki desenvolve sua obra tentando recuperar o caráter impessoal dos dispositivos técnicos e institucionais de produção, distribuição e consumo das imagens, reiterando o seguinte questionamento: como é possível ver, ler e apreender as imagens do mundo a partir do que elas nos mostram, mas também a partir daquilo que elas ocultam? Para ele, uma confiança ingênua na capacidade demonstrativa das imagens seria incapaz de perceber a condição residual de violência que subjaz aos modos específicos de representação (FERNANDEZ, 2014). Se trate da violência direta ou simbólica, o que seria um “conteúdo” da violência permanece excluído no fluxo imagético convencional dos meios audiovisuais como a televisão ou o cinema.
    O que Farocki chamou de “desgosto das imagens” – a exata inversão de uma fascinação acrítica a todo o poder demonstrativo das imagens – poderia ser interpretado, em consequência, como o reconhecimento explícito de nossa impotência frente ao que podem as imagens (FERNANDEZ, 2014). O que o cineasta se esforça para desvelar é o que há de violento no intervalo entre as imagens, em relações que normalmente não aparecem em sua dimensão figurativa mais superficial. O método de Farocki pode ser pensado como um diagrama que produz agenciamentos e conexões entre imagens que a princípio seriam desconexas. Para ele, não há uma crítica às imagens que se encontre fora das imagens.
    Em “Reconhecer e Perseguir”, cujo título é inspirado no livro “Vigiar e Punir”, de Michel Foucault, Farocki utiliza diferentes séries de imagens que mostram o processo de avanço tecnológico das câmeras acopladas a bombas, desde 1942, na Segunda Guerra Mundial. A evolução destes dispositivos passa pelas bombas teleguiadas e controladas por imagens em computador, chegando aos mísseis inteligentes, guiados por microsensores e equipados com câmeras de alta tecnologia. No interior dessas séries dialéticas (RANCIÈRE, 2015), são intercaladas outras imagens, que mostram o avanço tecnológico da indústria, como, por exemplo, em uma linha de montagem de automóveis, onde uma câmera e o tratamento de sua imagem são utilizados para escolher o local exato da colocação de uma peça, sem qualquer ação humana. Para Farocki, esses são exemplos de um novo tipo de imagem reduzida a algoritmos e operações técnicas, baseadas em processos calculáveis. “Reconhecer e Perseguir” denuncia como as operações industriais e militares são delegadas cada vez mais às máquinas, ao mesmo tempo em que o controle dessas operações é cada vez mais delegado às imagens.
    Esta proposta de estudo se baseia em alguns pressupostos teóricos como as novas configurações do estatuto do olhar a partir da visão subjetiva, descrita por Jonathan Crary (2012), a artificialidade cinemática da máquina de guerra e sua capacidade de se projetar como um espetáculo, segundo Paul Virilio (2005); a condição do rastro como sobreimpressão da violência e da perpetração da dominação, segundo Jeanne Marie Gagnebin (2009); além dos estudos específicos sobre as estratégias e métodos colocados em prática por Farocki.
    O trabalho é parte de uma investigação mais ampla sobre a obra do cineasta, que tem sido apresentada em processo nos últimos encontros da Socine, em torno de temas como a montagem de tempos heterogêneos e descontínuos que dá a ver um sintoma que se expressa no arquivo; os limites do visível e do enunciável em uma relação de tensão entre as diversas camadas do arquivo; e a possibilidade de criação de imagens capazes de superar os modelos de representação da realidade na relação entre cinema e videoinstalação.

Bibliografia

    BELLOUR, Raymond. A foto-diagrama. In: MOURÃO, M. D.; BORGES, C.; MOURÃO, P. (orgs.). Harun Farocki: por uma politização do olhar. São Paulo: Cinemateca Brasileira, 2010, pp. 134-147.
    CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
    DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
    FAROCKI, Harun. Desconfiar de las imágenes. Buenos Aires: Caja Negra, 2013.
    FERNÁNDEZ, Diego (org.). Sobre Harun Farocki: la continuidade de la guerra a través de las imágenes. Santiago: Metales Pesados, 2014.
    GAGNEBIN, Jeanne M. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006.
    PANTENBURG, Volker. Farocki/Godard – Film as Theory. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2015.
    RANCIÈRE, Jacques. Les incertitudes de la dialectique. Trafic, Paris, n. 93, 2015, pp. 94-101.
    VIRILIO, Paul. Estética da desaparição. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.
    VIRILIO, Paul. Guerra e cinema: logística da percepção. São Paulo: Boitempo, 2005.