Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Fernanda Omelczuk Walter (UFSJ)

Minicurrículo

    Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Educação – DECED – da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Coordenadora do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência – PIBID – no curso de Pedagogia (Cinema na Escola). Membra do Grupo de Pesquisa em Educação, Filosofia e Imagem – GEFI/UFSJ – e do CINEAD/UFRJ – Cinema para Aprender e Desaprender do Laboratório de Educação Cinema e Audiovisual – LECAV.

Ficha do Trabalho

Título

    Se o relatório fosse do Victor? Exercícios para uma Educação Selvagem

Seminário

    Cinema e educação

Resumo

    O texto compartilha a tentativa de criar relações inventivas com o filme O garoto Selvagem de François Truffaut junto à disciplina “Psicologia da Educação”. Serão analisados dois trabalhos audiovisuais realizados após a proposta de imaginação sobre como seria o filme se o relatório de base para o roteiro fosse do Victor e não do Dr. Itard. Nesse contexto, vislumbro a aprendizagem de cinema como política inventiva alternativa ao modelo desenvolvimental historicamente dominante nessa disciplina.

Resumo expandido

    Psicologia e Educação entrelaçam-se em O Garoto Selvagem (1969) de François Truffaut. Teorias, conceitos e personagens famosos do campo, como as premissas de Lev Vigotski e os trabalhos de Philippe Pinel, materializam-se em cenas que nos conduzem ao nascimento das primeiras relações entre essas duas áreas.
    O filme de Truffaut- construído a partir de dois relatórios* oficiais elaborados por Jean Pierre Itard, médico pesquisador que acompanhou pessoalmente a educação do menino após sua captura, nos convida à analises interdisciplinares, que atravessam a teoria do bom selvagem, polêmicas acerca da inteligência, a educação como gesto civilizatório, a desnaturalização do fenômeno psicológico, o encontro com a alteridade…
    Ele é surdo? Mudo? Qual seu nível de inteligência? Foi “justo” retira-lo da floresta e obriga-lo a viver na cidade? Ele aprendeu a falar? Ele viveu até quanto anos? No contexto de uma disciplina obrigatória para futuros professores essas perguntas iniciais já poderiam satisfazer um curso que tivesse como fundamento apenas referências desenvolvimentais e cognitivistas – as quais hegemonicamente caracterizam a área (KASTRUP, 2005).
    Mas comprometidos em construir experiências inventivas com a sétima arte, com o conhecimento psi e com a própria formação, propomos o exercício de criação cinematográfica imaginando que o filme tivesse como inspiração não o relatório do Dr. Itard, mas um “relatório” do Victor.
    A proposta se expressa em três hipóteses que compreendemos atravessar as imagens produzidas pelas alunas: 1) a experiência da educação acontece no encontro com a alteridade e para isso é preciso esvaziar-se, esquecer o “eu”, aprender a ver com o outro, ver o outro, para rever-se (CASTRO, 2011; LARROSA, 2016); 2) a aprendizagem inventiva envolve desaprendizagens, a formulação de perguntas e acolhe a imaginação como exercício intrínseco à construção do conhecimento (FRESQUET, 2013; KASTRUP, 2005); 3) o exercício cria uma rota de fuga na relação com o cinema e com o saber, já que desloca o olhar dos alunos para os bastidores – um convite à análise da criação e ao fazer com autoria (BERGALA, 2008).
    Essas hipóteses se expressam na tentativa de ambos os filmes em criar rupturas com a narrativa linear: imagens interrompidas; planos fixos independentes e experimentais, que articulados com a música criam tensões, jogos rítmicos e sensações. As alunas arriscam uma relação inventiva com a câmera, com o pensamento e com o conhecimento, desenvolvendo intuitivamente uma atitude etnográfica, pois ultrapassam a subjetividade organizada que caracteriza nosso modo de existência.
    Se desconhecemos a linguagem de Victor, como encontra-lo? Essa é uma pergunta que as imagens desconexas e embaralhadas e o som distorcido do filme de Renata nos fazem, abrindo a possibilidade da Educação “descondicionar” nossa humanidade (CASTRO, 2011, p.895).
    Ainda neste filme, a aluna emprega com precisão o recurso da paralisação da imagem (retornando o filme a sua condição fotográfica) entrelaçando, com uma cena estática em vermelho, a captura de Victor e a interrupção de seu tempo e modo de vida. Que tipo de violência atravessa o fazer pedagógico? O que a escola interrompe? E o que inaugura?
    No segundo trabalho Giulia reflete sobre o que pode se abrir em reinvenção no encontro com a alteridade. Se no filme Dr. Itard fica entusiasmado com Victor fazendo tarefas banais pela primeira vez, Giulia é quem aprende a (re)ver com Victor – como se fosse a primeira vez – cenas ordinárias do cotidiano: a chuva, poças d’agua, detalhes de árvores e insetos “[…] Diante de tantas tecnologias e pressa, deixamos de lado o que há de “garoto selvagem” em nós. Estas foram algumas das lições as quais aprendi com Victor”, escreve a aluna no corpo do e-mail enviado com o trabalho.
    *O filme conta a história real de um menino com cerca de 11 anos encontrado nos bosques de Aveyron, sul da França no final do século XVIII e a tentativa do Dr. Itard em socializa-lo.

Bibliografia

    BERGALA, Alain. A Hipótese-Cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Booklink; CINEAD-LISE-FE/UFRJ, 2008.

    CASTRO, Eduardo Viveiros de. O medo dos outros. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2011, v. 54 nº 2.

    FRESQUET, Adriana. Cinema e Educação: reflexões e experiências com estudantes de educação básica, dentro e “fora” da escola. 1° edição, Rio de Janeiro: Autêntica, 2013.

    KASTRUP, Virgínia. Politicas Cognitivas na formação do professor e o problema do devir mestre. Revista Educação e Sociedade: Campinas, vol. 26, n. 93, p. 1273-1288.Set./Dez. 2005.

    LARROSA, Jorge. Abecedário com Jorge Larrosa. Direção: Adriana Fresquet. Rio de Janeiro: LECAV, 2016. DVD. 70 min. cor.

    O GAROTO SELVAGEM. Direção: François Truffaut. França. 1969.