Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Andrea França Martins (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Doutorado em Comunicação pela Escola de Comunicação da UFRJ. Pós-doutorado na Universidade de Reading (Inglaterra). Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio. Pesquisadora do CNPq.

Ficha do Trabalho

Título

    A jovem passante, a fotogenia e a retomada de imagens

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    Passeio Público é um curta gestado durante as aulas no curso de cinema na PUC-Rio; um experimento inspirado no conceito de fotogenia como ferramenta ótica e poética capaz de mobilizar a atenção do espectador. O trabalho de montagem com imagens do Rio de Janeiro na década de 1920 ressaltou os aspectos “fotogênicos” da cidade em processo acelerado de modernização; destacou a aparição dos corpos e a relação entre eles: do cinegrafista e da jovem passante, do espectador e dos trabalhadores pobres.

Resumo expandido

    Segundo Leo Charney, uma das características da modernidade histórica seria o “deslize” – a experiência de ser incapaz de fixar ou circunscrever um sentido estável de presente (1998). Essa concepção no modo de lidar com o tempo marca uma nova temporalidade que teria tido um importante papel diante da emergência do cinema. Charney relaciona o aparecimento do deslize com um período onde a ideia da fotogenia foi elaborada. A percepção moderna teria se caracterizado por uma experiência efêmera do tempo-espaço causada pelas atrações e distrações da modernidade. Tentando agarrar o momento, o sujeito moderno percebeu que o presente é sempre já passado. A ideia do deslize mostraria que a modernidade gerou um novo modo de percepção não apenas distraído, mas sobretudo escorregadio.

    Passeio Público é um curta de 15 minutos que se inspira no poema “A uma passante” (Baudelaire) para trabalhar a visualidade e a plasticidade das imagens do Rio de Janeiro feitas na década de 1920. É o corpo de uma jovem passante no centro da cidade, seu olhar “escorregadio” para câmera do cinegrafista Alberto Botelho e para o futuro espectador (nós), que mobiliza questões de montagem, ritmo, narração. É esse fragmento de plano que, ralentado e repetido na edição, ressalta o corpo que passeia pela avenida (ao lado de sua mãe?) e o encontro flamejante de olhares – da jovem, do cinegrafista, do espectador.

    A noção de fotogenia, termo cunhado por Louis Delluc e teorizado posteriormente por Jean Epstein, permitiu olhar as velhas imagens da cidade carioca sabendo que elas também nos olham; nos fez lembrar que houve um tempo onde o cinema era sobretudo uma “máquina de visão” a oferecer vistas maravilhosas, frequentemente de uma perspectiva das alturas, e instantes mágicos (Vivian Paci, 2006). Passeio Público passeia pelas imagens entusiastas da cidade urbana e moderna, reenquadra, ralenta e repete, na forma de “atrações”, os momentos onde há uma confluência dos corpos (na cena e fora da cena); faz ver aqueles homens que estão na cena mas que não fazem parte do jogo cinematográfico que se processa diante deles: trabalhadores pobres cujos corpos estão absortos em atividades braçais, alheios à presença da câmera, indiferentes ao projeto modernizador excludente.

    O curta, gestado durante as aulas de Teoria e Crítica de cinema, é um convite para pensar a prática audiovisual como forma de pesquisa acadêmica. É um modo de analisar criticamente as imagens, operando uma escrita (da cidade moderna, dos sujeitos ordinários, do cinema das atrações) com e através das imagens. Arrisca-se a hipótese, na dinâmica da pesquisa e da retomada de materiais diversos, que as sobras de “A cidade do Rio de Janeiro” (Alberto Botelho, 1924) somente existem porque o filme foi levado do Brasil ao tornar-se um presente de aniversário oferecido ao príncipe italiano Umberto Di Savoia em visita oficial ao país. Imagens que poderiam estar desaparecidas ou consideradas inexistentes retornam ao Brasil nos anos 1970 na forma de retalhos do que um dia foi o filme. Impossibilitado de conhecer a capital federal, o jovem príncipe é recebido com pompas oficiais na cidade baiana e presenteado com imagens da cidade carioca.

    A pergunta feita por Passeio Público é: o que vemos nessas imagens dos anos 20? O que mostram as tomadas de jardins simétricos e palmeiras tropicais enfileiradas? A proposta da palestra é apresentar tais questões relatando o processo de realização do curta e exibindo paralelamente suas imagens e procedimentos de linguagem em power point.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. Pode um filme ser um ato de teoria?, in Revista Educação e Realidade, nº 33 (1), jan/jun pp 21-34, 2008.
    BARON, Jamie. The Archive Effect: Found footage and the Audiovisual Experience of History. London e NY: Routledge, 2013.
    BOURRIAUD, Nicolas. The exform. London: Verso, 2016.
    CHARNEY, Leo. Empty Moments: Cinema, Modernity and Drift, Durham, N.C.: Duke University Press, 1998.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Images malgré tout. Paris: Les éditions de Minuit, 2003.
    PACI, Vivian. The Attraction of the Intelligent Eye. In: STRAUVEN, W. (org). Cinema of attractions reloaded. Amsterdã: Amsterdam University Press, 2006.