Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Guilherme de Souza Castro (UAM)

Minicurrículo

    Doutorando e Mestre em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM), graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), cineasta e jornalista. Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/3926496105625611 e endereço para acessar produções audiovisuais e textos: www.guilhermecastro.org.

Ficha do Trabalho

Título

    A TRANSGRESSÃO DO CORPO NO CORPO DO FILME CASTANHA

Resumo

    O artigo aborda as configurações cinematográficas nas formas de documentário do LM Castanha (Davi Pretto, 2014), frente à teoria da Produção de Presença, de Gumbrecht, e à teoria Queer, de Butler. É possível relacionar a não essencialidade que fundamenta ambas as teorias (de gênero e de estética) e compreender que as estratégias do Documentário Direto e do Poético são formas de produção de presença que favorecem uma narrativa em fluxo, como transgressão de queernesse no próprio corpo do filme.

Resumo expandido

    Castanha (LM, 1h35, 2014), de Davi Pretto, é um Documentário sobre João Carlos Castanha, experiente ator de teatro e cinema e performer drag na noite gay de Porto Alegre. Com temática LGBTTT , predomínio do tom intimista, melancólico e invernal, em enquadramentos bem elaborados, o filme constrói o drama familiar entre João Carlos, a mãe Cecília Castanha e, ainda, vistos pouco e ao longe, um sobrinho marginal e drogado (vivido por um ator) e o ex-marido de Cecília (provavelmente pai de Castanha), que ela visita em um asilo de idosos. João Carlos e Cecília conversam, com afetos, e fazem a gestão desse núcleo familiar não convencional. As personagens são configuradas em sério, em ambientes internos, com som e luz naturais, diurna, moderada e fria ou, com tratamento similar mas noturno, nos ambientes de trabalho, camarins e espetáculos drags de Castanha.
    Há um paralelo entre a identidade de gênero, conforme explicado pela teoria Queer, e a forma narrativa de Castanha. O filme não pretende uma representação conclusiva, pois a construção dos planos e a disposição da montagem permitem o sentido em fluxo, variável, a partir da estratégia de documentário predominantemente na forma direta, mas também amparado na poética visual e na dramatização.
    Buscando perceber se há e qual é o desenho de queernesse que se apresenta no próprio corpo do filme, a análise se interessa pelas formas expressivas de Castanha enquanto produção de presença: não há um sentido prévio, unificado e separado da medialidade, mas sentidos possíveis em fluxo que ganham expressão num campo de imaginário. “O efeito de tangibilidade que surge com as materialidades de comunicação” se refere a todo o tipo de comunicação e ao “que está ao alcance tangível de nossos corpos” (GUMBRECHT, 2010, p. 38). A abordagem estética sensualista aponta o crescente interesse pelo Stimmung, que seria como efeitos corporais ligados aos “ambientes e atmosferas absorvidos pelas obras literárias enquanto forma de ‘vida’, ambientes com substância física, que nos toca como se por dentro” (GUMBRECHT, 2014, p. 32).
    O queer, com o qual Castanha dialoga, também diz respeito ao sentido pela produção de presença, quando afirma que os atos e gestos dos corpos humanos no espaço (performances) “criam a ilusão de um núcleo interno e organizador do gênero, ilusão mantida discursivamente com o propósito de regular a sexualidade nos termos da estrutura obrigatória da heterossexualidade reprodutora” (BUTLER, 2015, p. 235). Em cenas de documentário, sobre o corpo magro e com aspecto frágil de João Carlos surge Maria Helena Castanha e outros tipos – sempre drags ferinas e desbocadas. O travestimento é percebido como a subversão da ordem cogente do corpo, que “revela um dos principais mecanismos de fabricação através dos quais se dá a construção social de gênero” (NEWTON, E. Apud BUTLER, 2015, p. 236). Os filmes do New queer cinema constroem, geralmente com o lindo, camp e maravilhoso (no que Castanha difere com estratégias sérias), ambientes LGBTTT em que a forma do corpo do filme sugere e cria em si mesma um modo de ser queer.
    Será possível afirmar que as formas clássicas narrativas, como a mise-en-scène convencional da ficção e o documentário expositivo, operem com a construção de efeitos de produção de sentido na medida em que são discursos fechados. De outra feita, tal como em Castanha, as formas poéticas e os modos diretos e abertos de documentários de observação, que se apresentam como objetos vivos, em movimento e fluídos, são compreendidos, nesse texto, como efeitos de sentido enquanto produção de presença.
    A desconstrução das categorias fixadas de gênero, conforme a teoria queer, também se aplica ao corpo do filme e possibilita efeitos de vertigem e deriva como experiências de cinema próximas da vida. O queernesse é a atitude de não assimilação presente no corpo de Castanha enquanto documentário de observação e de poesia visual cujo sentido é sempre em fluxo.

Bibliografia

    BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. RJ: Civilização Brasileira, 2015.
    DUARTE FILHO, Ricardo. O camp e o lindo no cinema queer brasileiro contemporâneo. Compós, 2016.
    FURTADO, Jorge; XAVIER, Ismail, e COUTINHO, Eduardo. In: O Cinema do Real. Organizadores Maria Dora Monteiro e Amir Labak. SP: Cosacnaify, 2005.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. RJ, Contraponto: Ed. PUC Rio, 2010.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, stimmung: sobre um potencial oculta da literatura. RJ: Contraponto/PUC-Rio, 2014.
    HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Lisboa: Edições 70, 1989.
    LINS, Consuelo e MESQUITA, Cláudia. Filmar o Real. RJ: Jorge Zahar Editor, 2008.
    LOPES, Denilson. Madame Satã. Catálogo New Queer cinema. 2015.
    LYRA, Bernadette. A Nave Extraviada. SP: ANNABLUME: ECA-USP, 1995.
    SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. BH: Autêntica, 2012.
    SIETY, Emmanuel. El plano en el origen del cine. Barcelo