Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Lara Santos de Amorim (UFPB)

Minicurrículo

    Doutora em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (2002), doutorado Sandwich em Antropologia no Graduate Center, na City University of New York (2011). É professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia na UFPB, atuando na linha Imagem, Arte e Performance. Pesquisa e orienta na área de antropologia e cinema, memória, patrimônio e antropologia urbana. Publicou os livros Reinvenção da Tradição (2012) e Cinema e Memória- O Super 8 na Paraíba nos anos 1970 e 1980 (Org.) (2013).

Ficha do Trabalho

Título

    Memória e Esquecimento: o filme como dispositivo de memória coletiva

Seminário

    Cinema e Ciências Sociais: diálogos e aportes metodológicos

Resumo

    Propõe-se uma reflexão sobre memória e esquecimento a partir de abordagem que se situe entre antropologia e cinema. Entendendo a cultura como armazenamento de valores e o filme enquanto dispositivo de memória coletiva e suporte de informação em sua forma estética, pretende-se discutir como o filme atua como catalisador dessa memória, preenchendo rastros de esquecimento relacionados a traumas sociais e políticos. Propõe-se a análise de Setenta (2014) e Galeria F (2016) da diretora Emília Silveira

Resumo expandido

    De acordo com a antropóloga Mariza Veloso “tanto o patrimônio cultural, quanto a memória coletiva e seus suportes materiais – bibliotecas, museus, arquivos – devem estar enraizados em práticas culturais concretas, e é essa imersão no cotidiano que imprime aura e significação social e política a ambos, e que também os conecta com a cidadania – enquanto prática e exercício do direito de acesso aos bens patrimoniais e aos dispositivos da memória coletiva (2008, p. 137).
    Sabemos que o que sobrevive enquanto memória coletiva não é o conjunto de monumentos ou documentos que existiram, mas o efeito de uma escolha realizada pelos historiadores e pelas forças políticas e sociais que atuaram em cada época histórica (LE GOFF, 1995). Halbwachs entende que a memória individual está sempre relacionada à memória do grupo. No entanto, a afirmação da coercitividade da memória coletiva nem sempre é aceita por outros teóricos. Pollack, por sua vez, compreende a memória como um campo de forças sociais e políticas e sua história diversa e conflituosa. Enquanto um se refere à negociação entre memória coletiva e individual, o outro identifica o caráter destruidor, uniformizador e opressor da memória coletiva e nacional (MENEZES, 2005). Estamos nos referindo, portanto, a uma memória subterrânea, uma memória marginalizada que pode finalmente vencer a resistência da dominação da história oficial e revelar uma memória e uma identidade social que foi invisibilizada, silenciada ou mesmo excluída em meio a um processo seletivo de construção de uma “comunidade imaginada”, de uma Nação, ou de uma cultura nacional.
    A partir de tal perspectiva podemos nos perguntar, em diálogo com autores como Halbwachs, Pierre Nora e Paul Ricoeur, como a memória pode se tornar, ao operar a partir de um processo seletivo, uma arma política para as vítimas de guerra e genocídios, em que o esquecimento estabeleceu sua hegemonia? (SANTOS, 2013). E ainda, como o cinema, neste caso, mais especificamente dois filmes documentários dirigidos por Emília Silveira, Setenta (2014) e Galeria F (2016) acessam este imaginário coletivo reprimido sobre um momento político que versões oficiais da história optaram deliberadamente por esquecer. É possível argumentar então que, ao utilizar como matéria-prima arquivos, acervos e histórias de vida, os artefatos culturais produzidos pelo cinema (filmes) têm o poder de acessar esta memória subterrânea coletiva. E tornam-se prova de um passado que, embora esquecido por fontes oficiais, está disponível para aqueles que não se contentam com o esquecimento como a única narrativa possível de um passado político coletivo traumático.
    De acordo com o filósofo da fotografia Vilém Flusser, as imagens são mediações entre o homem e o mundo e têm o propósito de representar o mundo. O propósito da imagem seria ser o “mapa do mundo, mas passam a ser biombos”. As imagens devem servir de instrumentos para orientar o homem no mundo. Edgar Morin (1958) no livro O cinema e o homem imaginário, afirma que o cinema se apresentaria como um universo imaginário que concentra manifestação de desejos, sonhos e mitos do homem (XAVIER, 2014, p. 23). Já Bill Nichols (2016) refere-se ao documentário como um “tratamento criativo da realidade” e lembra que a intenção do diretor é de tratar de um tema que lhe seja caro. Assim, ao escolher levantar a memória de presos políticos que sofreram com a ditadura no Brasil em sua narrativa fílmica, a diretora acaba por acionar a qualidade atemporal da imagem de ultrapassar o tempo histórico, e para além da lembrança e do esquecimento, ligar passado, presente e futuro, deixando como legado um documento, um depoimento que pertence a uma memória coletiva, cujo imaginário poderá ser compartilhado entre aqueles que se sentirem parte de uma experiência social e política. Com essa reflexão pretende-se pensar também sobre o fato de que, no Brasil, parece haver uma resistência em se cultivar uma memória coletiva autocrítica sobre o que de fato ocorreu.

Bibliografia

    AMORIM, L. S. de. “Cinema e as condições de produção da imagem em Super-8 na Paraíba: aproximações possíveis entre acervo imagético e memória”. Em Cinema e Memória- O Super 8 na Paraíba nos anos 1970 e 1980 (Org.) (2013). João Pessoa: Editora da UFPB, 2013.
    FLUSSER, Vilém. A Fotografia como Objeto Pós-Industrial (1985). Publicado na ZUM, Revista de Fotografia. ZUM # 7, OUT. 2014. Instituto Moreira Salles, São Paulo.
    FREIRE, M., LOURDOU. (org.) Descrever o Visível. Cinema Documentário e Antropologia Fílmica. São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 2010.
    SANTOS, Myriam S. dos. ”História, memória e esquecimento”. Em Memória Coletiva e Identidade Nacional. São Paulo. Annablume, 2013.
    VELOSO, Mariza. “Patrimônio Cultural e Espaço Público – Notas reunidas”. Programa de Especialização em Patrimônio. Cadernos de estudos do PEP. 8ª Oficina PEP/IPHAN, Petrópolis, 2008 (publicação interna).
    XAVIER, Ismail (org). O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2014.