Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Joice Scavone Costa (FACHA)

Minicurrículo

    Joice Scavone é graduada e mestre em Cinema pela Universidade Federal Fluminense, coordenadora do ENPSC, curadora dos curtas da I BIS. Dirigiu e roteirizou o média-metragem “Fome” e foi curadora da retrospectiva completa “Fritz Lang – O horror está no horizonte” no CCBB, realizados por sua produtora Raio Verde Filmes. Atualmente leciona nas FACHA e AIC do Rio de Janeiro.

Ficha do Trabalho

Título

    Não-sincronia: a dublagem criativa

Seminário

    Teoria e Estética do Som no Audiovisual

Resumo

    Em 2013 – em meio ao mercado cinematográfico que vê na dublagem uma solução para a acessibilidade a filmes estrangeiros ou técnica para correção de problemas na captação de som direto – dois diretores brasileiros pensam a técnica da dublagem como uma referência histórica do cinema de invenção e um recurso estético cinematográfico que diferencia a materialidade da voz de seus personagens em “Doce Amianto” (Parente; dos Reis, 2013).

Resumo expandido

    No Brasil, encontramos textos que debatem sobre a dublagem desde meados dos anos 1930, quando a passagem definitiva do cinema de Hollywood para o “sonoro” exigiu que o mundo determinasse como os diálogos proferidos pelas estrelas seriam compreendidos por aqueles que não soubessem inglês. Fernando Morais da Costa (2008) chama de “deseducação auditiva” o que seria a condição do público de um país periférico que teve que se habituar a legendas que “desviam sua atenção do que deveria ser a porção auditiva da percepção de um filme, transferindo-a para a visão” ou a dublagens, onde ocorre “uma simplificação da construção sonora do filme. Demais sons, que não os diálogos, são aglutinados e têm seu volume reduzido, para que não se corra o risco de perturbar a clareza da voz”. Assim, a técnica da dublagem apareceu como uma “adaptação forçosa” para resolver o problema do filme falado em idioma estrangeiro. E, desde o seu início, parecia empobrecer a percepção auditiva do espectador frente à obra.

    Os filmes fallados “invadiram” o circuito exibidor brasileiro e os desenvolvimentos técnicos tentaram dar cabo da “deseducação auditiva” supracitada por Fernando Morais da Costa. A banda internacional – também conhecida como M&E (Music and Effects) – foi uma das soluções encontradas. Ela consiste na versão da trilha sonora de um filme mixada sem as vozes (falas, diálogos, vozerios). “Contendo apenas música e ruídos (ambientes, efeitos especiais e foley), a banda internacional é realizada para permitir a dublagem do filme em outras línguas” (MARQUEZ, 2011).

    A adaptação da língua não é o único motivo para dublar um filme. Normalmente, a dublagem é também utilizada por editores de som para corrigir um erro da captação, ela é chamada de dublagem ADR1. Esta intervenção do editor de som não deve ser perceptível ao longo do filme e deve-se buscar que na mixagem o diálogo dublado seja confundido com o som direto. Como Débora Opolski (2017) chama atenção em seu trabalho, a voz pode ser um importante instrumento para a dramaturgia do filme. A atenção dada à entonação, ritmo, altura, clareza ou não clareza pode modificar absolutamente o modo que o personagem e o texto são apreendidos no filme.

    A habituação de ver a “coabitação de um corpo, de uma voz e de uma dicção articulada” é uma herança da linguagem do teatro. Optar entre falar e mover-se aproximou o cinema mudo – “se um ator ‘fala’, ele não se move e a palavra tem que ser veiculada, do exterior do corpo do ator” e “se não fala, a pantomina reenvia a linguagem para o corpo do ator” – do cinema verborrágico. Mas Daniel Deshays (2017) questiona a origem da importância dada ao sincronismo e a automática padronização do filme sincronizado como sinal de qualidade do trabalho sonoro de um filme.

    O uso da dublagem em “Doce Amianto” (Parente; dos Reis, 2013) é poético. A referência ao Cinema Marginal não é uma “piada interna”, pois a voz da personagem dessincronizada com a imagem corrobora para a sensação de não pertencimento, de artificialidade, de não realidade. A voz grossa e desafinada no corpo de mulher é tão estranha quanto bela e nos faz mergulhar na mescla entre sonho (imaginação) e realidade. Em primeiro plano, a fala nos cola diretamente aos corpos e o estranhamento é constante, a ponto de ser naturalizado e comprado pelo espectador através da empatia alcançada pela “logorreia” citada por Aumont (2008).

    É essa a vontade dos realizadores. A materialidade do som dublado escancara a falta de condições monetárias, mas também se evidencia como opção estética. O mesmo recuso é observado em “Diva” (Clara Bastos, 2016) nos momentos de performance musical de alguns personagens, quando o enquadramento próximo dos lábios evidencia a falta de sincronismo. O uso deliberado desse recurso nos faz relacionar ambos filmes com performances da “Chanchada” e do “Cinema Marginal”, momentos que – mesmo diante da precariedade técnica dos períodos – foram de intensa criação na história do cinema brasileiro.

Bibliografia

    APOLONIO, Catarina. “O Som de ‘Relato Selvagens’ – Parte IV” In: Artesãos do Som. São Paulo: 5 de janeiro de 2015. Disponível em: http://www.artesaosdosom.org/?p=2812
    AUMONT, Jacques. O Cinema e a Encenação. Rio de Janeiro: Edições Texto & Grafia, 2008.
    BROWN, Clarence. “O Esperanto” (tradução). In: Revista Cinearte, número 143. Rio de Janeiro: O Malho, 21/11/1928, p.38
    COSTA, Fernando Morais da. O som no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Sette Letras, 2008.
    FREIRE, Rafael de L. “Versão brasileira Contribuições para uma história da dublagem cinematográfica no Brasil nas décadas de 1930 e 1940” In: Ciberlegenda (UFF. Online), v. 1, 2011, pp. 7-18
    MARQUEZ, Bernardo. A dublagem da banda internacional. In: Artesãos do som. São Paulo: 6 de novembro de 2011. Disponível em http:// www.artesaosdosom.org/?p=968
    NAVES, Silvia B. “Dublagem x Legendagem” In: Revista Caipira número número 33. Rio Claro: Cine Kino, Novembro de 2011, pp. 19-23.