Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Fabio Camarneiro (UFES)

Minicurrículo

    Fabio Camarneiro é professor no curso de Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Suas áreas de interesse são o cinema brasileiro, o cinema experimental e as relações entre arte, política e cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    A reinvenção do passado: as páginas teóricas de Julio Bressane

Resumo

    Em seus textos, Julio Bressane elege o ato de ler, citar ou traduzir como possibilidades de se reinterpretar a própria História e de se reinventar uma tradição para o cinema brasileiro. O Brasil – por seu aspecto “negativo”, a relativa “ausência” de uma tradição cinematográfica – configuraria assim território fértil para tal empreitada, a partir de um cinema que tenta “antever” o passado, recriando, nesse processo, uma tradição cinematográfica, baseada no signo da invenção.

Resumo expandido

    Nos quatro livros lançados até agora por Julio Bressane, os temas giram em torno de suas influências no cinema, na música, na literatura ou na filosofia. De maneira recorrente, temos referências a autores do cinema moderno ou da “escola francesa do pré-guerra” (Bressane, 1996, p. 90) e uma frase, atribuída a Abel Gance, reaparece amiúde: “cinema é a música da luz”.
    A partir dessa relação entre cinema e música, a tradução entre diferentes linguagens torna-se um dos elementos centrais dos textos do cineasta. Mas, ao olharmos mais atentamente, “tradução” é aqui muitas vezes entendida de uma maneira mais livre: não como a mera passagem de uma linguagem a outra, mas sim como a busca de elementos cinematográficos presentes em outras artes. Assim, ao tratar do músico Vassourinha, fala-se em um “lento travelling, a voz termina em um plano geral”. (Bressane, 1996, p. 9) Sobre o pintor Benedito Lacerda, música e imagem novamente se encontram amalgamadas – seria um “flautista-pintor”. (1996, p. 15) Ao evocar o poeta Edgar Braga, a aproximação é entre palavra e desenho: não se saberia “onde termina o texto e começa o traço”. (1996, p. 17)
    Assim, em Bressane, o cinema torna-se espaço por excelência não especificamente de uma “tradução” entre linguagens, mas sim de encontros e espelhamentos entre elas. Um cinema que opera nos interstícios entre uma linguagem e outra, nos espaços vazios, nos (des)vãos dessas linguagens. Segundo o cineasta, trata-se de “trabalhar no vazio do texto”. (Bressane; Avellar; Sarno, 1997, p. 12) Uma espécie de “tradução” que serve como comentário crítico ao texto original e que, nesse sentido, se aproxima do ato da leitura e da citação. Algo similar ao projeto dos escritores Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, que imaginavam uma crítica literária que seria, ela mesma, a repetição, palavra por palavra, da obra original. (MANGUEL, 2017)
    Além disso, em Bressane, os atos de ler, citar e traduzir são entendidos como possibilidades de reinterpretação da própria História. Citando Walter Benjamin, o cineasta lembra que “há uma diferença entre ler e ler copiando”. (Bressane, 2000, p. 76) Suas leituras das outras artes e do próprio cinema são a tentativa de se reinventar a própria tradição do cinema brasileiro, que Bressane quer marcar a partir do signo da invenção. Assim, Limite, de Mario Peixoto, torna-se o marco inaugural desse cinema, a inaugurar “uma outra e nova mentalidade (…) porque já, entre nós, arte alusiva, paródica ou de consciência passada do cinema. Já é cinema do cinema, ou seja, implica a criação e recriação da imagem do filme cinematográfico”. (Bressane, 1996, p. 36-37) Francisco Elinaldo Teixeira complementa que: “Limite torna-se, no pensamento cinematográfico de Bressane, ‘baliza’ constitutiva do ‘experimental do cinema brasileiro’, ‘estaca fundadora’ de um ‘cinema de poesia’.” (Teixeira , 2003, p. 23)
    O Brasil – por seu aspecto “negativo”, a relativa “ausência” de uma tradição cinematográfica – configuraria território fértil para a fundação dessa tradição. Recorrendo à imagem do deserto, Bressane afirma que o “Brasil é ele mesmo um gigantesco e assustador signo rupestre”. (Bressane, 2000, p. 86) Em outras palavras, o encontro entre um “espaço vazio” e um “traço ancestral” que os artistas em geral (e os cineastas em particular) precisariam saber “traduzir” para o momento presente, em uma operação não muito distante ao delírio místico das artes divinatórias. Segundo a expressão do cineasta, uma “cinemancia”. (Bressane, 1996, p. 84)
    O cineasta propõe a leitura, a citação e a tradução como possibilidades de se “antever” um passado, recriando, nesse processo, um cinema, uma tradição do experimental e o próprio Brasil em relação a suas influências estrangeiras.

Bibliografia

    BRESSANE, J.; AVELLAR, J. C.; SARNO, G. Conversa com Julio Bressane: Miramar, Vidas secas e o vazio do texto. Cinemais, 6, 7-42, 1997.
    BRESSANE, J. Alguns. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1996.
    BRESSANE, J. Cinemancia. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 2000.
    BRESSANE, J. Fotodrama. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 2005.
    BRESSANE, J. Deslimite. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 2011.
    TEIXEIRA, F. E. O terceiro olho: ensaios de cinema e vídeo (Mário Peixoto, Glauber Rocha e Julio Bressane). São Paulo, SP: Perspectiva, 2003. (Estudos; 199)