Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Alexandre Silva Guerreiro (UFF)

Minicurrículo

    Doutorando em Comunicação no PPGCOM/UFF. Mestre em Comunicação pela UFF. Bacharel e Licenciado em História pela UERJ. Bacharel em Comunicação Social (Cinema) pela UFF. Professor Docente I na SEEDUC/RJ desde 1998. Produtor executivo no Cineduc. Diretor, produtor e roteirista de obras audiovisuais. Produtor e Curador de Mostras e Festivais. Coordenador de Produção da 8ª e 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul e do Inventar com a Diferença, realizados pela UFFe SDH.

Ficha do Trabalho

Título

    Encenações humanistas: de Ken Loach aos Irmãos Dardenne

Resumo

    A encenação no cinema adquire, com alguns realizadores, traços de um humanismo ético. Contudo, as especificidades de cineastas como Ken Loach e os irmãos Dardenne apresentam similitudes e rupturas que colocam em xeque uma visão redutora do que seja ética e humanismo no cinema. Através do cruzamento desses conceitos, propomos uma reflexão sobre mise-en-scène (MOURLET, 2008; RIVETTE, 1961) e humanismo ético-sociológico (PEGORARO, 2005), considerando as proposições de uma encenação humanista.

Resumo expandido

    A encenação no cinema adquire, com alguns realizadores, traços de um intenso humanismo. É o caso de alguns filmes de cineastas como Ken Loach, com uma vasta filmografia dedicada a enfocar personagens com problemas sociais, ou como os irmãos Dardenne, que constroem suas narrativas apoiando-as nos dilemas morais de seus personagens que, com frequência, vivem num certo limite social. Daniel e Sandra, protagonistas dos filmes Eu, Daniel Blake, (Ken Loach,2016) e Dois dias, uma noite (Jean-Pierre e Luc Dardenne, 2014) funcionam como faróis de um cinema preocupado com questões humanas no mundo atual.
    Para além do realismo social, repensar o conceito de humanismo na contemporaneidade é uma chave importante para analisar as contribuições desses cineastas, bem como as estratégias de encenação no que diz respeito a uma perspectiva ética de seus filmes. Propomos, aqui, uma reflexão sobre a forma como esses cineastas logram alicerçar encenações humanistas, tomando como objeto de estudo os filmes supracitados. Para isso, um aprofundamento dos conceitos de mise-en-scène, humanismo e ética se torna necessário para considerarmos de que forma essas encenações são construídas.
    O conceito de mise-en-scène encontra, em Michel Mourlet e Jacques Rivette, entre outros, uma conexão embrionária com questões éticas. Para Mourlet (2008), a mise-en-scène está no encontro entre o mundo e o artista mas, para que esse encontro ocorra satisfatoriamente, é preciso que o artista altere e reconstrua o mundo, e essa re-construção deve se dar sem enquadramentos insólitos ou movimentos de câmera gratuitos. Sobre o conceito de mise-en-scène, Oliveira Jr. (2013) lembra que Michel Mourlet considera que a arte está atrelada a uma determinada perspectiva do fazer cinematográfico. (OLIVEIRA JR., 2013, p.51).
    Não há unanimidade em torno do conceito de mise-en-scène que foi, por vezes, tratado com certo radicalismo, a exemplo da crítica de Jacques Rivette (1961) a um travelling de Kapô (Gillo Pontecorvo, 1960). No entanto, em alguma medida, Rivette e Mourlet divergem sobre mise-en-scène: este, elabora um pensamento que coloca a mise-en-scène no universo da fenomenologia e do formalismo; aquele, atrela, inexoravelmente, o trabalho do metteur en scène às questões éticas. Não se trata apenas de reproduzir o mundo sem os extremos de que nos fala Mourlet, mas de colocar no filme a visão de mundo do encenador.
    A partir dessa discussão sobre ética e mise-en-scène, de que maneira podemos refletir sobre os filmes de Ken Loach e dos irmãos Dardenne no que se refere ao humanismo? Antes, é preciso dizer de que humanismo estamos falando, já que se trata de um termo com um vasto campo de significações, que nos remete tanto à Antiguidade quanto ao marxismo ou ao existencialismo, sendo fundamental pensar numa definição que não esteja atrelada a nenhuma dessas correntes, muito menos a qualquer religião. Para Pegoraro (2005), é preciso considerar uma nova formulação, a saber, o humanismo ético-sociológico, “um humanismo que visa tornar-se realidade, costume e convivência social” (PEGORARO, 2005, p.16), que vai ao encontro dos cineastas aqui considerados pois tem como fim a mudança da realidade.
    Podemos conceber, então, que Loach e os Dardenne utilizam seus filmes como ferramentas de mudança social, porém, isso é feito por eles de maneira bastante diversa. As jornadas de Daniel e Sandra atestam essa diferença: enquanto Daniel sucumbe em sua luta, Sandra cumpre uma trajetória ascendente já que, mesmo sem o ambicionado emprego, é uma escolha moral que edifica sua jornada. Entre a morte e a superação, os tratamentos dos problemas sociais que encontramos em Loach e nos Dardenne são díspares, ainda que exista, nos dois casos, a busca de um humanismo ético-sociológico e de um cinema como fonte de reflexão para transformação social. Nesse sentido, as encenações humanistas em questão apresentam pontos de convergência e divergência que merecem ser analisados.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. O Cinema e a encenação. Lisboa: Texto&Grafia, 2008.
    BORDWELL, David.. Figuras traçadas na luz – a encenação no cinema. Campinas: Papirus, 2009.
    CARDULLO, Bert. Committed Cinema: the films of Jean Pierre and Luc Dardenne – essays and interviews. Inglaterra: Cambridge, 2009.
    DARDENNE, Luc. Sur l’affaire humaine. Paris: Seuil, 2012.
    LEIGH. Jacob. The Cinema of Ken Loach: art in the service of the people. Londres: Wallflower, 2002.
    MOSLEY, Phillip. The cinema of the Dardenne brothers – Responsible realism. Nova York: Columbia UP, 2013.
    MOURLET, Michel. Sur un art ignore – la mise en scène comme langage. Ramsay, 2008.
    NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e anti-humanismos. Petrópolis: Vozes, 1981.
    OLIVEIRA JR. Luiz Carlos. A Mise en scène no cinema – do clássico ao cinema de fluxo. Campinas: Papirus, 2013.
    PEGORARO, Olinto. Introdução à ética contemporânea. Rio de Janeiro: UAPÊ, 2005.
    RIVETTE, Jacques. De l’abjection. Cahiers du Cinéma. n.120, junho de 1961.