Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Regina Lucia Gomes Souza e Silva (UFBA)

Minicurrículo

    Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa (especialidade em Cinema), professora no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia onde também é coordenadora do Grupo de Pesquisa Recepção e Crítica da Imagem – GRIM. Tem experiência na área de Comunicação com ênfase em Estudos de Recepção, Análise e Crítica de Cinema e Audiovisual.

Coautor

    Wanderley de Mattos Teixeira Neto (UFBA)

Ficha do Trabalho

Título

    Resistência e Memória: A Política e a Recepção da Crítica a Aquarius

Resumo

    Através das críticas nacionais e estrangeiras de Aquarius (2016) e a partir dos estudos históricos contextualistas de Janet Staiger e David Bordwell, objetivamos compreendê-las como práticas receptivas do filme de Kleber Mendonça Filho em seu contexto lançamento, levando em consideração o momento político do Brasil em 2016 e o ato do cineasta no Festival de Cannes. Percebemos que a obra foi encarada como um estudo de personagem, mas também como uma metáfora do posicionamento do seu cineasta.

Resumo expandido

    Em 2016, o Brasil passou por um emblemático momento político, o processo de impeachment movido contra Dilma Rousseff, mobilizando um cenário de opiniões polarizadas. Naquele ano, Kleber Mendonça Filho disputava a Palma de Ouro no Festival de Cannes com seu segundo longa-metragem de ficção, Aquarius, três anos depois da bem-sucedida recepção do seu filme anterior, O Som ao Redor (2013). Durante a sua passagem pelo evento, o realizador e seu elenco seguraram cartazes que denunciavam àquele processo político como golpe de estado. O ato do diretor e sua equipe deu início a uma reação de adesões e rejeições em diversas esferas públicas a Aquarius antes mesmo que o filme fosse exibido comercialmente nos cinemas.
    A cobertura mundial dos acontecimentos políticos do Brasil em 2016, a visibilidade do Festival de Cannes e a notoriedade do cineasta pareciam preparar um cenário incomum de recepção a Aquarius, uma percepção reforçada pela não nomeação do filme como candidato brasileiro a uma vaga na categoria filme estrangeiro do Oscar. Toda esta trajetória do longa nos motivou a pensar sobre a recepção da crítica nacional e internacional de Aquarius e na maneira como esse contexto histórico foi articulado por esta instância na compreensão da obra.
    A análise levou em consideração críticas brasileiras e estrangeiras por entender que dada a projeção do filme e do ato da equipe do longa em Cannes, o contexto histórico-cultural do lançamento de Aquarius revela uma variante na recepção que extrapola limites territoriais. Entre os veículos nacionais, foram escolhidas críticas da Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Cinética e Veja e como representantes internacionais, a Variety, The Hollywood Reporter, L.A. Times, New York Times, The Guardian e El País. A seleção levou em consideração o potencial de repercussão de seu conteúdo, compondo aquilo que Mattias Frey (2015) compreende como autoridade, ou seja, a capacidade de um discurso ser formulado e ser reconhecido como uma fala legítima sobre a obra.
    Para analisar as críticas consideramos o sistema téorico-conceitual dos “Estudos Históricos da Recepção nos Media” explorado, sobretudo, por Janet Staiger (1992; 2000; 2005) e David Bordwell (1991) que entendem que os diferentes modos de recepção relacionam-se a condições históricas específicas, moldadas por processos interpretativos que escapam à análises meramente imanentistas dos textos. Dessa forma, a crítica de cinema é vista como instância de recepção cujos vestígios são impressos nos discursos públicos dos críticos. Além disso, também avaliamos a perspectiva que José Luiz Braga (2006) traz a respeito da recepção, entendendo-a como uma etapa de produção de respostas sociais sobre conteúdos midiáticos, compreendendo a crítica em sua dimensão sistêmica.
    Nossas conclusões apontam para a presença nos discursos de críticos brasileiros e estrangeiros, em que se destaca a protagonista Clara (Sônia Braga), enquadrando sua trajetória no longa como uma metáfora da resistência e da memória, e também a demasiada ênfase na discussão sobre a construção narrativa do filme. Segundo os críticos, o posicionamento de Mendonça Filho em Cannes encontra eco no filme quando nele se percebe um discurso do realizador sobre o cerceamento de direitos enfrentado por sua protagonista. Existe, contudo, nos textos brasileiros, um esforço de sublinhar a possibilidade do espectador apreciar o longa independente de compartilhar o ponto de vista político do seu realizador, ou seja, um empenho em não reduzir o filme às polêmicas suscitadas no contexto cultural de seu lançamento. Já para a crítica internacional Aquarius foi visto como um filme que, por se apresentar como um estudo de personagem, possibilitaria ao espectador (não brasileiro) encará-lo como uma narrativa que aborda temas universais, ainda que a partir de contextos particularmente brasileiros (a especulação imobiliária na orla de Recife, o trabalho doméstico etc).

Bibliografia

    BARROS, Laan Mendes. Recepção, mediação e midiatização: Conexões entre teorias europeias e latino-americanas. In: MATTOS, Maria Ângela; JANOTTI JUNIOR, Jeder; JACKS, Nilda (org.). Mediação e Midiatização. Brasília, Salvador: Edufba (Compós), 2012;
    BORDWELL, David. Making meaning: inference and rhetoric in the interpretation of cinema. USA : Harvard University Press, 1991;
    BRAGA, José Luiz. A Sociedade enfrenta a sua Mídia: Dispositivos Sociais de Crítica Midiática. São Paulo: Paulus, 2006.
    FREY, Mattias. The Permanent Crisis of Film Criticism: The anxiety of authority. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2015.
    STAIGER, Janet. Interpreting films: studies in the historical reception of american cinema. Princeton: Princeton University Press, 1992.
    STAIGER, Janet. Perverse spectators: the practices of film reception. N.Y: New York University Press, 2000.
    STAIGER, Janet. Media Reception Studies. N.Y: New York University Press, 2005.