Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Isabel Veiga (UFRJ)

Minicurrículo

    Mestranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, sob orientação de Ieda Tucherman. Graduada em Comunicação Social – Cinema pela UFF. Realizadora, pesquisadora e produtora de cinema. Dirigiu os curta-metragens “partedois – do outro lado do rio” (2010) e “Mamulengos” (2012). Produziu, coordenou e fez curadoria de diversas mostras e festivais de cinema. Ministrou oficinas de formação em audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Meio complexo, corpo performático em “Holy Motors” (Leos Carax, 2012)

Resumo

    No filme “Holy Motors” (Leos Carax, 2012), entramos no domínio da complexidade, isto é, no plano do acentramento, da heterogeneidade e da performance. Nesse movimento de ruptura com um sistema simbólico de representação o filme faz emergir um corpo dotado de novas propriedades e materialidades, cujo trabalho é encenar sequencialmente onze papéis em diferentes contextos. Em um deles, o protagonista encontra seu duplo. O que acontece quando substituímos o mesmo pelo mesmo?

Resumo expandido

    Em Holy Motors, entramos no domínio da complexidade: um plano acentrado, heterogêneo, enigmático. Segundo o físico Luiz Alberto Oliveira, “Complexo ou complicado é o que está dobrado junto, o que está redobrado. O que uma dobra faz? Tomemos uma superfície; ao se dobrar essa superfície, regiões antes separadas são postas em contato, e surge aí uma nova dimensão”. Observamos, no filme em questão, essa nova dimensão se constituir de uma circulação entre homens, máquinas e animais que aponta para o universo da cibercultura. Um regime não-naturalista que abre uma nova possibilidade para a figuração do corpo no cinema.

    Na narrativa acompanhamos um dia de trabalho na vida de Mr. Oscar (Denis Lavant). No interior de uma limusine, Mr. Oscar toma conhecimento dos encontros agendados e das personagens que viverá naquele dia. A limusine tem função não apenas de meio de transporte de um encontro a outro mas principalmente de espaço transformativo, verdadeiro camarim no qual Mr. Oscar tem à sua disposição todos os aparatos necessários para efetuar suas transfigurações. O protagonista encena sequencialmente onze papéis em diferentes contextos em que cada figura implica uma presença singular e independente, e portanto, uma nova experiência figurativa e performativa.

    Se no início poderíamos vislumbrar uma cadeia linear em que o camarim-limusine seria um centro de constância, que diante de tanta multiplicidade nos apresentaria ao menos dois sujeitos estáveis, Mr. Oscar e Céline (sua motorista e espécie de secretária), essa garantia cai por terra quando o personagem matador, vivido por Mr. Oscar, encontra seu duplo. A partir dessa cena, o filme faz surgir uma nova questão figurativa. O que acontece quando substituímos o mesmo pelo mesmo (vítima e o matador)? Até esse momento, o filme mantinha a lógica de sucessão dos encontros agendados e executados sem maiores problemas. A partir de então o filme adquire uma lógica labiríntica em direção a uma esfera acentrada. Perguntamo-nos: qual a natureza ontológica desses seres? A que tempo estão atrelados? Seriam puras imagens? Apenas formas que pensam? As noções de identidade e unidade constitutivas do sujeito individual são a partir de então esfaceladas, dando início a um jogo ainda mais complexo que nos instiga a problematizar a lógica de organização dessa economia figurativa. A partir da aparição do duplo de Mr. Oscar, são as noções clássicas de corpo, organismo, carne, indivíduo e sujeito que são ressignificadas (inclusive no interior do próprio filme).

    Não se trata, portanto, de procurar soluções para os enigmas colocados, mas a partir dos problemas instaurados entender de que maneira o filme faz variar o modo de aparição do corpo no cinema, nos apresentando um corpo hábil e mutante, ao mesmo tempo dotado de presença e do peso da finitude. Um corpo performativo capaz de atravessar diferentes regimes espaço-temporais e que ao mesmo tempo atualiza um futuro cibernético onde a fisicalidade e a gestualidade são convocados como algo que não podemos correr o risco de perder.

Bibliografia

    CORBIN, Alain, COURTINE, Jean-Jacques, VIGARELLO, Georges (org.) (2011). História do Corpo: as mutações do olhar. O século XX. Petrópolis/RJ: Vozes

    DE BAECQUE, Antoine (1996). Le lieu à l’oeuvre. Fragments pour une histoire du corps au cinéma. In: Vertigo, número 15. p. 8-30

    IGLESIAS, Eulália (2012). Entrevista Leos Carax: “Los mutantes debemos reinventarnos”. In: Caimán, número 10, p. 17

    OLIVEIRA, Luiz Alberto (2003). Biontes, bióides e borgues. In: NOVAES, Adauto. O homem-máquina: a ciência manipula
    o corpo. São Paulo: Companhia das Letras

    OLIVEIRA Jr., Luiz Carlos (2013). A mise en scène no cinema: do clássico ao cinema de fluxo. Campinas/SP: Papirus