Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Fabiano Grendene de Souza (PUCRS)

Minicurrículo

    Coordenador e docente do curso de Produção Audiovisual da PUCRS. Doutor em Comunicação Social pelo PPGCOM da mesma instituição. Fez estágio de doutorando na Sorbonne Nouvelle – Paris 3, sob orientação de Michel Marie. É editor da revista Teorema, desde 2002. É autor do livro “Caio Fernando Abreu – o Eterno Inquilino da Sala Escura” (Sulina, 2011). Escreveu e dirigiu oito curtas-metragens e os longas “A Última Estrada da Praia” (2010) e “Nós Duas Descendo a Escada” (2015).

Ficha do Trabalho

Título

    As janelas e as portas de Clara: a questão do espaço em “Aquarius”

Resumo

    A comunicação aborda como o filme “Aquarius” (2016), de Kleber Mendonça Filho, trabalha a questão do espaço, mais especificamente os elementos porta e janela. Para tanto, examina as aparições de cada motivo, levando em conta as esferas narrativas, afetivas e de encadeamento de imagens e sons.

Resumo expandido

    Em “Aquarius” (2016), de Kleber Mendonça Filho, pode-se perceber uma série de preocupações com a questão do espaço, principalmente no que tange ao apartamento da protagonista Clara (Sonia Braga). No filme, ela é a última moradora do último prédio de “estilo antigo” na Avenida Boa Viagem. A partir do momento em que ela recebe a oferta de uma construtora pelo apartamento, surge o embate entre Clara e a empresa, que ambiciona modernizar a orla.

    Se existem diversas questões que norteiam tal problemática, é interessante perceber como o filme explicita a relevância de diversos elementos do apartamento de Clara, como, por exemplo, portas e janelas.

    De forma geral, tal apartamento é formado por objetos que procuram criar um ambiente de memórias e afetos. “Aquarius” emana a proposição de Gaston Bachelard (1988, p.27), para quem “é graças a casa que um grande número de nossas lembranças estão guardadas”. No apartamento, um disco traz um artigo de jornal escondido dentro da capa, um livro carrega uma dedicatória carinhosa e sincera, e uma cômoda remete a tempos passados.

    Neste contexto, a janela aparece de maneira polissêmica. Por exemplo, no prólogo, é através das janelas que se vê o mar de Recife, as ondas brancas ao fundo da festa. Porém, no decorrer do filme, a janela vai assumir outros contornos. Em nosso percurso, partimos das abordagens do filme paradigmático quanto ao uso desse elemento: “Janela Indiscreta” (Rear Window, 1954), de Alfred Hitchcock. Como lembra Meirelle Berton (2004), este filme proporcionou estudos em que a janela foi interpretada como representação da tela cinematográfica e emblema do voyeurismo humano, muitas vezes opondo os papéis masculino e feminino. Já em “Aquarius” nos interessa analisar a janela, buscando proposições inspiradas também em Jacques Rancière (2013, p. 172-173). Desta forma, examinaremos o sentido narrativo (como os personagens são cientes ou não de determinadas ações que podem ser vistas da janela) e como ele implica em uma carga emocional, evidenciando associações harmônicas e desarmônicas: de um lado, há o conflito de Clara com os homens da construtora, que passam a ser presença constante em seu raio de ação. Por outro, existe a identificação de Clara com o que acontece na orla, com o movimento que ela aprecia tanto. Além destes aspectos, é preciso ressaltar como a janela é vista através das articulações de imagem e som, que oscilam entre uma representação que dialoga com o citado Hitchcock (construção baseada em ponto de vista e determinante) e representações que fazem a janela adquirir novos significados, como o de monitor de câmera de vigilância.

    Já a questão da porta apresenta outras conotações, a começar pelo fato de que é um elemento que, ao contrário do caráter horizontal da janela, tem uma geografia vertical: enquanto a janela pode ser ligada ao mar, a porta se relaciona com os prédios. Mas há nuances, pois podemos encontrar diversas portas que circundam Clara: a porta de entrada do edifício Aquarius, as portas dos apartamentos vazios, a porta da casa de Clara e as portas das peças de seu apartamento, como a que separa a sala da cozinha. Como guia da nossa reflexão, podemos destacar algumas relações que surgem na porta do apartamento de Clara. Por vezes, esta é um território de combate, ruptura, rusga; um instrumento para delimitar o espaço que será defendido pela protagonista. O primeiro diálogo-confronto entre Clara e a equipe da construtora dá-se justamente na porta: a protagonista dentro do apartamento; os funcionários, fora, como se existisse uma linha que separasse os antagonistas. Aqui o filme parece dialogar com determinadas tradições do cinema de suspense, nas quais a porta, como lembra Eduardo Geada (1987, p.27) pode ser associada ao medo. A partir dessa ideia, explicitaremos outros aspectos narrativos, emocionais e cinematográficos que se relacionam com o elemento da porta, culminando em uma comparação com as construções baseadas no motivo da janela.

Bibliografia

    AGEL, Henri. L´espace cinématographique. Paris: Jean-Pierre Delarge, 1978.
    BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
    BELTING, Hans. “A janela e o muxarabi: uma história do olhar entre Oriente e Ocidente”. In: ALLOA, Emmanuel. Pensar a imagem. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. p. 115-137.
    BERTON, Mireille. Fenêtre sur cour, la petite lucarne et l’Amérique des années 50 : notes sur la construction du (de la) téléspectateur(trice). Décadrages. (online), 3, 2004. Disponível em: http://decadrages.revues.org/556.
    GEADA, Eduardo. O Cinema Espetáculo. Lisboa: Edições 70, 1987.
    RANCIÉRE, Jacques. A fábula cinematográfica. Campinas, SP: Papirus, 2013.
    ROHMER, Eric. L´organization de l´espace dans le Faust de Murnau. Paris: Cahies du Cinéma, 2000.
    WAJCMAN, Gérard. Fenêtre. Chroniques du regard et de l’intime. Paris: Editions Verdier, 2004.