Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Henrique Codato (UFC)

Minicurrículo

    Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL, 2001); mestrado em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB, 2004), e em Literatura Comparada pela Universidade de Genebra (Unige – Suíça, 2007); doutorado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 2013). Atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutoramento no Instituto de Comunicação e Artes (ICA) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Ficha do Trabalho

Título

    Vida e Morte em “Cemitério do Esplendor”, de Apichatpong Weerasethakul

Resumo

    A partir da noção do duplo em sua acepção psicanalítica, mas considerando-a também do ponto de vista da antropologia, da filosofia e da literatura, e com o auxílio de alguns importantes autores que se dedicaram a pensar a morte – Roland Barthes, Georges Bataille, Edgar Morin, Jacques Derrida, André Habib – proponho examinar como o binômio morte/vida opera como força motriz para o filme “Cemitério do Esplendor”, tanto no âmbito da narrativa, quanto em seus aspectos formais e visuais.

Resumo expandido

    Para Jean-Louis Comolli (2008), durante muito tempo a humanidade acreditou que poderia ganhar as atenções e os favores dos deuses – e dos demônios, ele acrescenta – por meio de toda sorte de rituais, sacrifícios, feitiços e sacrilégios; de estátuas, marionetes e imagens. Entretanto, milhares de anos mais tarde e depois de mais de um século da invenção do cinema, entendemos melhor que não eram exatamente os deuses que era preciso amansar; mas, sim, o próprio homem e suas paixões. De fato, como bem lembra Comolli (2008, p. 208), o cinema herda das antigas magias o papel de “conjurar e domesticar o desconhecido”. Para ele, “a utopia do cinema é nos fazer reencontrar os mortos que voltam, vivos, diante de nossos olhos, na tela que nos fixa tanto quanto a fixamos” (COMOLLI, 2008, p. 211).
    Ao narrar a criação do universo em “Metamorfoses”, Ovídio nos apresenta uma série de histórias que mostram como a morte aparente pode ser apenas uma espécie de passagem para outra vida. Assim, homens se transformam em rios, estrelas, flores e pedras; Phoenix, o pássaro mágico, renasce das cinzas; estátuas e seres inanimados ganham alma e sentimentos; enfim, os episódios mitológicos narrados por Ovídio apontam para uma relação bastante intricada entre vida e morte, na qual uma não pode ser entendida simplesmente como a antítese da outra, mas como elementos que se atravessam mutuamente, cujas fronteiras parecem muito mais fluidas e permeáveis do que aquelas construídas pelo racionalismo cartesiano.
    Ora, se na modernidade o cinema se tornou, por excelência, o constituinte imaginário que serve de palco/de tela para nossas negociações com o amor e a morte, tal como defende a filósofa Marie-José Mondzain (2002, p. 44), é porque ele sintetiza “uma história das técnicas que assumem o lugar dos mitos” (COMOLLI, 2008, p. 23). De fato, se a morte parece ser o mais poderoso vetor para a arte cinematográfica, talvez seja porque o cinema, entre todas as artes, é aquela que mais bem consegue registrar o tempo que passa, como aposta Laura Mulvey (2006).
    Chamado de “Ovídio do século XXI” por Dominique Païni, o cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul traz como uma de suas principais obsessões a temática da vida após a morte. Suas narrativas sublinham a dimensão espiritual do mundo e lançam sobre a cultura tailandesa, de base religiosa budista e fortemente influenciada pela tradição animista Khmer, um olhar bastante singular que embaralha os limites entre realidade e ficção, entre vida e morte.
    Maxime Scheinfeigel (2008) supõe que o caráter anímico que preenche o cotidiano dos tailandeses se encontraria substancialmente presente também no cinema de Weerasethakul por meio do imbricamento de crenças e saberes arcaicos que o aparato cinematográfico permite colocar em cena. Para ela, tanto a magia quanto o cinema concebem o mundo a partir de sua duplicidade, da manifestação de um mundo que é outro (aquele dos mortos), mas, ainda assim, o mesmo mundo (este dos vivos).
    A partir da noção do duplo tomado em sua acepção psicanalítica – “o duplo é o inquietante mensageiro da morte”, dizia Freud ([1919]2010, p. 351) – mas considerando-a também do ponto de vista da antropologia, da filosofia e da literatura, e com o auxílio de alguns importantes autores que se dedicaram a pensar a morte -Roland Barthes, Georges Bataille, Edgar Morin, Jacques Derrida, André Habib – proponho examinar como o binômio morte/vida opera como força motriz para a obra “Cemitério do Esplendor” (Cemetery of Splendor, 2015), não apenas no âmbito da narrativa, da história contada; mas, igualmente, em seus aspectos formais e visuais, na própria escritura do filme.
    Defendo a hipótese de que, ao romper o véu que separa a vida da morte de modo a confundi-las, alguma coisa da ordem do tempo e do ritmo da narrativa parece se esfacelar, vindo, assim, a ressignificar tanto a ficção encenada quanto a experiência do espectador diante do filme.

Bibliografia

    BARTHES, R. O grão da voz. Martins Fontes: São Paulo, 2004.
    ___________. A Câmera Clara. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1984.
    BATAILLE, G. O Erotismo. Autêntica: São Paulo, 2010.
    COMOLLI, J-L. Ver e Poder. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
    DERRIDA, J. “As mortes de Roland Barthes”. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 7, n. 20, pp. 264 a 336. Agosto de 2008.
    HABIB, A. La mort au travail. L’épreuve de la mort au cinéma I et II. Revista Hors-champs, agosto de 2002. Disponível em: http://www.horschamp.qc.ca/cinema/aout2002/mort-cinema.html. 21/11/2015.
    MACHADO, A. O Sujeito na tela. São Paulo: Paulus, 2007.
    MONDZAIN, M-J. Homo Spectator. Paris: Bayard, 2002.
    MORIN, E. L’homme et la mort. Paris: Éditions du Seuil, 2011.
    ___________. Le cinéma ou l’homme imaginaire. Paris: Les éditions de minuit, 1956.
    MULVEY, L. Death 24x a Second Stillness and the Moving Image. London: Reaktion books, 2006.
    SCHEINFEIGEL, M. Cinema et magie. Paris: Armand Collin, 2008.