Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Roberto Robalinho Lima (UFF)

Minicurrículo

    Doutorando em comunicação na Universidade Federal Fluminense (PPGCOM – UFF) com pesquisa sobre a produção e circulação de imagens nos protestos das Jornadas de Junho de 2013. Professor substituto do curso de Mídia e Estudos Culturais da Universidade Federal Fluminense (UFF, 2013). Publicou sua dissertação de mestrado “Miragens e Estilhaços da Guerra: os Filmes Contemporâneos de Ficção Sobre a Guerra do Iraque.” através do prêmio Biblioteca UFF (Editora UFF, 2016).

Ficha do Trabalho

Título

    Terrível e belo, cinema: imagem e barricadas

Resumo

    Em uma noite em julho de 2013 o bairro do Leblon foi tomado por uma multidão e barricadas em chamas. Nesta noite uma série de planos sequências produziam um relato do acontecimento. Esta comunicação gostaria de pensar a relação entre o cinema e as barricadas. Porque o plano sequência? De que forma esta unidade de linguagem do cinema incorpora uma experiência das ruas insurgentes? Estas imagens ao compor com o cinema inventam uma nova ética da imagem que por sua vez produz sujeitos e política?

Resumo expandido

    Na noite do dia 17 de julho de 2013 uma multidão tomou as ruas do Leblon no Rio de Janeiro, pediam a renúncia do então governador Sérgio Cabral. O protesto que produziu inúmeras barricadas ao longo do bairro se insere no contexto das “jornadas de junho” de 2013 em que milhares tomaram as ruas das principais cidades do Brasil contra o aumento das passagens de ônibus. Junho já tinha passado, mas no Rio os corpos insistiam em ocupar as ruas.
    Dois dias após os protestos no Leblon, Eduardo Escorel publicou um link de um vídeo gravado naquela noite em sua coluna digital Questões cinematográficas na revista Piauí onde afirma, “Vale a pena ver o plano gravado quarta-feira à noite, no Leblon. Nesse travelling, terrível e belo, há uma rara conjugação de talento estético e virtuosismo documental.” (http://piaui.folha.uol.com.br/questoes-cinematograficas/leblon-em-chamas/). O vídeo chamado, não a toa, de “Leblon em chamas” é um plano sequência em que uma câmera flutua pelas ruas registrando fogueiras e barricadas. Escorel faz uma conexão fundamental entre uma experiência estética do cinema e dessa imagem do protesto. Porque o cinema aparece? Porque o cinema documental que traz um forte referente do real e da construção de uma realidade? Esta imagem não pertence a um filme nem circula nos canais clássicos do cinema, ela é mais uma de tantas outras que foram postadas online durante os protestos no Leblon, no entanto, ao vê-la, Escorel vê o cinema.
    Este não é o único plano sequência e travelling daquela noite. Acredito que, se Escorel está correto, que há uma potência nesta imagem que a vincula a certas práticas cinematográficas, isto se dá também na forma que ela agencia uma certa experiência temporal. Há uma temporalidade complexa elaborada entre corpos e imagens que é da natureza destes protestos de junho de 2013, que faz parte de sua força política. O cinema como potência estética aparece justamente neste processo de elaborar uma imagem desta outra forma de tempo.
    Aconteceu alguma coisa naquela noite no Leblon, quem empunhou esta câmera imaginou que palavras por si só não diriam muito, nem depoimentos, nem uma narração, a materialidade do relato precisava ser essa, do movimento pelas ruas, do tempo, da sucessão de fogos que irrompem na imagem. Não é só o gesto do câmera que produz a relação do plano com o cinema, as próprias ruas clamam por essa imagem e o “mundo se põe ‘a fazer cinema’” (Deleuze, 2008: 83). Nesta noite surgem inúmeros planos sequência de diversas naturezas, em especial a partir da mídia ativista, coletivos e realizados por trausentes anônimos. Não haveria nessa coincidência estética o próprio acontecimento propondo uma relação com o cinema? Este gesto do plano sequência não se torna parte constituinte da experiência do próprio acontecimento?
    A proposta desta comunicação é pensar esta relação entre o cinema, as barricadas e a multidão nas ruas nesta noite do Leblon, agenciada por essa unidade da linguagem cinematográfica – o plano sequência. Algumas questões, estéticas e políticas, guiam esta apresentação: há uma ética da imagem e uma prática política dos corpos nas ruas que retomam a linguagem do cinema? Se sim, poderíamos pensar a partir de Bazin (1999), em que o plano sequência é parte dos esforços de uma aderência e produção de realidade na imagem, de um gesto político que aponta para o tempo, a duração do plano, como forma de tradução de uma experiência? Será a ambivalência de um “mais realidade” de Deleuze (2009) que faz com que as chamas das ruas produzam planos sequências? Ou diante do fato de que processos de insurgência suscitam novas experiências temporais (Benjamin, 2008), (Safatle, 2015/16), suscitam também, novas imagens em que o tempo configura novos sujeitos e novas cidades?
    Não se trata de resolver todas estas questões, mas de pensar como a produção política e subjetiva de junho de 2013 se vincula à produção de imagens, que por sua vez são atravessadas pela experiência terrível e bela do cinema.

Bibliografia

    BAZIN, André. O Cinema: ensaios. São Paulo, Editora Brasiliense, 1991.

    BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. in: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia técnica e política. São Paulo, Editora Brasiliense, 2008.

    DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2008.
    _______________. A imagem-tempo. São Paulo, Editora Brasiliense, 2009.

    SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. São Paulo, Cosac Naif, 2015.
    _________________. Quando as ruas queimam: manifesto pela emergência. N-1 Edições, São Paulo, 2016.