Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Estevão de Pinho Garcia (USP / IFG)

Minicurrículo

    Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP, mestre em Estudos Cinematográficos pela Universidade de Guadalajara, México, e graduado em Cinema pela UFF. Foi professor visitante do curso de Cinema e Audiovisual da UNILA, onde foi responsável pelas disciplinas de História do Cinema Latino-Americano I e II, e é professor efetivo do curso de Cinema e Audiovisual do Instituto Federal de Goiás (IFG) onde é responsável, entre outras, pela disciplina de História do Cinema Brasileiro.

Ficha do Trabalho

Título

    Sem essa Aranha e O dragão: diálogos críticos

Seminário

    Cinema e América Latina: debates estético-historiográficos e culturais

Resumo

    Sganzerla se dirigiu na imprensa contra os filmes do Cinema Novo exibidos em 1969, os filmes “alegóricos” e “tropicalistas” do movimento. Entre os quais, o seu alvo principal foi O dragão da maldade contra o santo guerreiro. Em 1970, com Sem essa Aranha, desloca-se da crítica verbal para o campo das imagens. Compreendendo o filme de Sganzerla como uma crítica ao de Glauber objetivamos analisar o uso por ambos do plano-sequência e suas interpretações sobre a modernidade e a cultura de massa.

Resumo expandido

    Em 1969 Sganzerla faz declarações contrárias aos filmes do Cinema Novo recentemente lançados, entre eles O dragão da maldade contra o santo guerreiro. No ano seguinte, funda a Belair e com Sem essa Aranha dialoga criticamente com o filme de Glauber. Objetivamos analisar determinados tópicos presentes neste diálogo. Em O dragão na unidade espaço-temporal do plano-sequência se entrelaçam presente e passado. A volta do cangaço representado pela presença de Coirana e o retorno de uma religiosidade arcaica encarnada na figura da Santa são arquétipos de um mundo dissolvido que agora ressurge no meio de uma modernidade que se impõe. A tensão entre passado e presente revela a feição de cada parte. O primeiro, representado pelos beatos de Coirana, é uma força bruta, viva e dinâmica. As danças, as cantorias, o gestual e a movimentação corporal do povo em conjunto é sentido como algo genuíno e potente. Ao passo que os elementos contemporâneos representados por caminhões, postos de gasolina, pensões e lanchonetes de beira de estrada são, em sua essência, decadentes. Aqui a modernidade é um dado inevitável que nem chega a configurar-se como um inimigo devido a impossibilidade de reter a sua força ou de provocar a sua destruição. A certeza de sua chegada é trágica, nada a impedirá de cumprir seu destino, e melancólica, porque pressupõe a superação de um mundo que logo se tornará nostálgico. Em Sem essa Aranha a modernidade é algo já instalado. Ela já chegou. Não há a triste espera de sua vinda ou a nostalgia antecipada de um mundo que com ela vai acabar. Há sim a constatação de uma modernidade desastrada, precária, desnutrida, “bárbara e nossa”. Tal diferença entre O dragão e Sem essa Aranha não se estabelece simplesmente porque o primeiro é um filme rural e o segundo urbano. O fato do filme de Glauber ser ambientado em uma pequena cidade do sertão baiano o ajuda a desenvolver suas ideias sobre a expansão da modernidade e com ela da cultura de massa em lugares afastados onde ainda resistiria uma cultura popular a princípio não mais existente nos grandes centros urbanos. O embate implícito seria então entre cultura de massa e cultura popular. Glauber tem sérias ressalvas em relação a primeira e é um árduo defensor da segunda. Em Sem essa Aranha, no entanto, não parece haver uma distinção tão nítida entre cultura de massa e cultura popular. Moreira da Silva e Luís Gonzaga, apesar de estarem inseridos na indústria do disco são vistos como representantes de uma cultura popular tão genuína quanto a música e a dança dos beatos. Os dois músicos aparecem em Sem essa Aranha encarnando as suas próprias personas artísticas, conhecidas pelos brasileiros pelo disco, pela rádio e pela televisão. Ambos surgem fazendo a sua arte, o sambista canta trechos de suas diversas canções com a movimentação corporal que lhe é característica e o rei do baião toca sanfona e canta suas músicas mais conhecidas. Os dois artistas não se confundem com os demais personagens, eles entram nos planos-sequência e fazem a sua performance. Se nos planos-sequência de O dragão há a coexistência conflitante entre passado e presente, nos de Sem essa Aranha somente existe o presente. No filme da Belair, os planos-sequência apresentam uma duração maior do que os do filme de Glauber e cada um é um universo autônomo com suas próprias regras. O seu mundo ficcional reside entre o momento em que se inicia e o instante do corte que o termina, ou melhor, em sua duração, não havendo nenhuma ligação entre o plano-sequência que o precede e nem com o que o sucede. Não há entre os planos um princípio de continuidade ou um crescendo dramático. Assim como os planos os personagens que neles aparecem também se perpetuam no momento presente. Esse aspecto de happening do filme, que se confunde com o seu modo de produção e com as circunstâncias de sua produção, se expande nas cenas em que há o contato direto dos atores com os populares. Analisaremos também como os dois filmes representam o “povo”.

Bibliografia

    ALONSO, Aguilar. El frenético y colorido baile del Pueblo: Glauber Rocha y Antônio das mortes in MESTMAN, Mariano; VARELA, Mirta (Orgs). Masas, pueblo, multitud en cine y televisión. Buenos Aires: Eudeba, 2013.
    GARCIA, Estevão. Sem essa Aranha. Contracampo: Revista de Cinema, Rio de Janeiro, n.58, jan.2004.
    FAVARETO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria. São Paulo: Ateliê, 2007.
    PARANAGUÁ, Paulo Antonio. A invenção do cinema brasileiro: modernismo em três tempos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.
    ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naif, 2004.
    SGANZERLA, Rogério; IGNEZ, Helena. A mulher de todos e seu homem. Pasquim, Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1970.
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
    _____________. O cinema novo e o desdobramento no cinema marginal in Ismail Xavier – Encontros. MENDES, Adilson (Org.). Rio de Janeiro: Azougue, 2009.