Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Diego Paleólogo (UFRJ)

Minicurrículo

    Doutor em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ (2015). Tese: A Máquina de Fabricar Vampiros: Tecnologias da Morte, do Sangue e do Sexo. Mestre em Letras (2010), pela PUC-Rio, com a dissertação Produção de Alteridade: a experiência do Minotauro. Atualmente, trabalha e pesquisa literatura e imagem; questões de representação do corpo, alteridade, monstruosidades, estética e polítca; sexualidades disruptivas no cinema de terror. Atualmente é pós-doutorando em Comunicação e Cultura na ECO-UFRJ.

Ficha do Trabalho

Título

    A emergência de uma estético-política queer em Freaks de Tod Browning.

Seminário

    Cinema Queer e Feminista

Resumo

    O objetivo desse trabalho é reivindicar, na atualidade, o filme Freaks (1932), de Tod Browning, para uma possível (re)leitura queer, mapeando as sexualidades interditas, estranhadas, as identidades fronteiriças e borradas, constituindo uma estético-política das imagens e dos corpos Freaks. Multidões queer como um reflexo ressexualizado de Freaks; a morte e o renascimento queer. É possível revisitar Freaks em tempos de crise como uma narrativa que flerta com a disruptividade da potência queer?

Resumo expandido

    Através da chuva, da lama, da escuridão e dos relâmpagos eles avançam. Os corpos malformados, deformados, monstruosos e estranhos avançam na direção da câmera, olhando para o espectador. A comunidade marginal e grotesca de Tod Browning persegue a beleza hegemônica e normativa que, através de uma torção, torna-se também monstruosa. O estranho deseja vingança. Em ‘Os anormais’, Michel Foucault aponta para o caráter jurídico e discursivo do monstro; Paul B. Preciado, no artigo ‘Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”’, escreve que é preciso reconhecer que os corpos não são mais dóceis e que existe uma potencia política, sexopolítica, nos corpos e sexualidades não normativas. O objetivo desse trabalho é reivindicar, no contexto da atualidade, o filme Freaks (1932), de Tod Browning, para uma possível (re)leitura queer, mapeando as sexualidades interditas, estranhadas, as identidades fronteiriças e borradas, constituindo uma estético-política das imagens e dos corpos Freaks. Multidões queer como um reflexo ressexualizado de Freaks; a morte e o renascimento queer. O corpo é um mapa de forças, um campo de produção de sentido. É na lógica especular estabelecida entre corpo, imagem e reconhecimento que nos identificamos na prática milenar do Mesmo e do Outro. O devir-monstro, como deseja José Gil, é um devir abortado, paralisado, e empresta aos corpos monstruosos defasagens temporais, estéticas, políticas específicas; monstruosidades sempre foram queers – marginais, violentas, disruptivas, não-normativas. Esse conjunto heterogêneo de possibilidades retorna no presente como uma potente força política – as multidões freaks/queers não são mais dóceis nem domesticadas. É exatamente na fissura ética e estética engendrada por Browning onde podemos fazer emergir uma potencialidade político-queer que agencie as lutas e a coletividade de uma comunidade marginal, estranha, cuja única aderência possível é através de um circo de horrores, de um espetáculo de monstruosidades que não aparece no filme mas é experimentado pelo espectador. As sexualidades interditas e impedidas por causa dos corpos monstruosos são manifestas nos discursos e práticas heteronormativas do filme, balizadas por um machismo romantizado. A masculinidade hegemônica e normativa, em Freaks, encontra-se constantemente sob ameaça. A crítica de Browning, no entanto, passa despercebida por uma sociedade quebrada, instável e carente. A Grande Depressão, iniciada em 1929, produz toda sorte de monstruosidades. Em Skin Shows, J. Jack Halberstam destaca os filmes de terror como campos possíveis para se pensar gêneros e fronteiras, borrar, agenciar, amalgamar, romper, furar, costurar corpos, sexualidades e identidades. É no mesmo sentido que os editores William Hughes e Andrew Smith realizam o livro Queering the Gothic, no qual diversos autores pensam o queer em narrativas góticas; na introdução observam que, sob muitos sentidos, o gótico sempre foi queer. Resgato essa lógica e penso que Freaks, especificamente o final do filme, sempre foi queer. Freaks, enquanto uma narrativa mítica, não fala apenas de corpos deformados e uma sociedade/comunidade marginal cuja única forma de sobrevivência é a exploração capitalista de seus defeitos; Freaks fala também da perversa lógica de inclusão e exclusão, aceitação e recusa… a beleza hegemônica, normativa, se recusa radicalmente em participar de agenciamentos queers. Inscritos em um período de crise, os “anormais” de Browning realizam sua vingança: transformam a bela trapezista em um monstro emudecido. É através de uma política própria dos anormais que os monstros engendram sua vingança contra uma sociedade que os recusa sistematicamente. Freaks levanta um incômodo questionamento: qual o estatuto estético-político da imagem queer? E, em última instância, é possível revisitar e reivindicar Freaks em tempos de crise como uma narrativa que flerta com a disruptividade da potência queer?

Bibliografia

    BOTTING, Fred. Gothic. Nova Iorque: Routledge, 1996.
    CARROLL, Noël. The philosophy of horror ot the paradoxes of the heart. New York:
    Routledge, 1990.
    ECO, Umberto. (Org.). História da feiura. Rio de Janeiro: Record, 2007.
    FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.
    Lisboa: Edições 70, 2005.
    FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
    GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio D’água Editores, 2006.
    HALBERSTAM, Judith. Skin shows: gothic horror and the technology of monsters. North Carolina: Duke University Press, 1995.
    HUGHES, W.; SMITH, A. (Ed.). Queering the gothic. Manchester: Manchester University Press, 200.
    PRECIADO, Beatriz. Multidões queer: notas para uma política dos anormais. Estudos Feministas, Florianópolis, 19(1): 312, janeiro-abril/2011
    SKAL, David J. The monster show: a cultural history of horror. Nova Iorque: Faber and Faber, 2001.